“Agora que estamos a virar a página da pandemia, agora que começamos a caminhar para a normalidade, é mesmo a altura de dizermos de novo aos jovens que partiram que voltem, porque são muito bem-vindos”, afirmou António Costa neste fim-de-semana.

Que normalidade é essa? Que condições é que nos fariam voltar para o nosso país, para as nossas famílias e amigos?

Tenho 21 anos. Mudei-me para a Dinamarca há quase dois anos, depois de ter trabalhado durante um ano como assistente comercial de call center. Trabalho esse que tinha contrato temporário renovável de 15 em 15 dias. Auferia acima de 1400 euros líquidos todos os meses, mas para isso trabalhava 60 horas semanais, 6 dias por semana. Eu estava a ganhar um salário que os meus pais nunca auferiram, tendo nem um sexto das despesas que eles têm. Estava ainda a auferir algo que nem muitos licenciados vão conseguir numa vida, em Portugal. Atualmente, estou a estudar e trabalho cerca de 30 horas por semana, tendo, por incrível que pareça, um salário líquido superior ao que tinha em Portugal durante o estado de normalidade que o atual Primeiro-Ministro mencionou.

Será normal esta disparidade de salários quando se trabalha metade das horas? Eu não sei quanto a vocês, mas não me cabe na cabeça este cenário que muitos jovens estão a viver.

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Desconto, neste momento, por volta de 46% do meu salário, sendo que consigo ver o aproveitamento destes 46%: estradas novas, sem portagens, transportes públicos limpos e pontuais, saúde básica gratuita, serviços das Finanças em que me atendem, esclarecem e resolvem o problema em menos de 30 minutos, apoio e incentivos ao empreendedorismo, apoio às empresas durante a pandemia e serviços de comunicações de qualidade.

Em cenário inverso, em Portugal, descontava mais de 32%, o que me começou a fazer questionar o destino daqueles 32%. Estradas em que uma ida de Lisboa ao Algarve fica a pelo menos 40 euros só de portagens, somando-se ainda a despesa de combustível, um dos mais caros da Europa. Transportes públicos num estado lastimável, sujos, desconfortáveis e sempre atrasados (isto quando não eram suprimidos). Serviços públicos com uma qualidade de atendimento lastimável, onde em muitos locais existem cinco pessoas para fazer uma tarefa, que por sua vez não é cumprida pois não há supervisão, e havendo sítios com uma clara falta de funcionários. Uma visita às Finanças (quando dava para ser apenas uma porque já se sabe aquele típico, “volte mais tarde que o sistema agora está em baixo”) que me deixava mais confuso do que já estava, tendo depois de aguardar dias, senão semanas, por uma resposta por email, que às vezes não era esclarecedora. Burocracias a todos os níveis, tendo especial relevância quando se quer abrir uma empresa – criando valor para a sociedade – ou receber apoios que são dos contribuintes (de uma metade da população portuguesa, porque a outra passa uma vida sem descontar em sede de IRS).

Os exemplos acima foram casos vividos por mim, habitante da área metropolitana de Lisboa, um sortudo em comparação com o resto do país, pois fora da capital, muitas vezes nem metade dos serviços têm.

É para esta normalidade que o senhor Primeiro-Ministro quer que os jovens voltem? Para contratos com condições precárias a que os jovens  que vivem em Portugal se submetem, pois não têm a possibilidade que eu tive, de emigrar? É para um país, entupido com a corrupção, com a fraca produtividade de uma sociedade, em que metade não paga os impostos diretos, em que não há, sequer, possibilidade de créditos à habitação sem fiador para os jovens , em que temos uma ala política no poder há 20 anos e que levou a sociedade portuguesa à bancarrota quatro vezes? (sim, quatro vezes, porque quando o foco total na pandemia acabar, o país vai-se deparar com a realidade económica, um país uma vez mais de cofres vazios).

Voltar para um país que não tem uma visão a longo prazo, mas sim para as migalhas do curto prazo? Voltar para um país que aplica as mesmas fórmulas, as mesmas utopias há duas décadas? Voltar para um país que não faz reformas estruturais profundas desde que eu nasci? Voltar para um país mais pobre a cada ano que passa?

Sim, senhor Primeiro-Ministro, os jovens vão voltar, mas só de férias.