O Sr. Professor Miguel Ricou tem responsabilidades acrescidas no relacionamento com a Verdade tendo em consideração a sua formação socioprofissional e o seu impacto no meio da Saúde Mental. Personalidade reconhecida no campo da Ética e da Bioética, as suas palavras e escritos terão tendência a ser lidos de maneira acrítica, o que neste caso os torna ainda mais preocupantes.

No texto que escreveu no Observador, face à preocupação da FEPPSI – que aliás não menciona, de exigir uma regulamentação da prática da Psicoterapia em Portugal, através do lançamento de uma Petição, já com mais de 5.000 assinaturas –, afirma que “as psicoterapias, desde que as profissões foram reguladas, nunca estiveram desreguladas já que as Associações que de facto formam especialistas de qualidade são reconhecidas pelas Ordens Profissionais”.

Esta frase necessita de análise e explicitação para esclarecimento dos leitores: “As psicoterapias nunca estiveram desreguladas se consideradas como formadas por especialistas de qualidade reconhecidos pelas Ordens Profissionais”.

Baseia-se na sua experiência de 25 anos de psicólogo clínico, mas excluiu da reflexão todo o conhecimento que tem, e que não a usa para esta discussão, da história da Psicoterapia em questão, no mundo e em Portugal.

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Não é coincidente com a minha experiência de 55 anos de prática da psicoterapia, primeiro, como aprendiz e depois como profissional, quer em Portugal quer na Europa.

Quando comecei a aprender, havia psicoterapeutas em Portugal conceituados e respeitados que não vinham nem da Psicologia – que só apareceu em Portugal, como profissão autónoma depois da Revolução de 1975; em 1980 os primeiros licenciados pela UP –, nem da Ordem dos Médicos, que ainda hoje não tem uma especialização em Psicoterapia, ou uma competência especifica, reconhecida no âmbito da especialidade de Psiquiatria. Tinham-se formado em Portugal ou no estrangeiro no contexto de Sociedades Científicas reconhecidas.

Não posso deixar de concordar com o Professor Ricou quando afirma que a “Psicoterapia é uma atividade que não é exclusiva dos psicólogos”. Não é e nunca foi, desde o tempo dos primórdios de Sigmund Freud, o neurologista “pai” da moderna Psicoterapia, que não só escreveu um livro defendendo a prática da “sua” forma de psicoterapia, por leigos, La question de l’analyse profane, como se rodeou de discípulos que se tornaram terapeutas notáveis vindos de horizontes diferentes.

Aliás, conhece bem, certamente, entre os grandes nomes dessa escola, Ana Freud pedagoga, Pfister, teólogo, Rank, autodidacta interessado em filosofia, para já não falar de Melanie Klein, que estudara Artes e História na Universidade de Viena sem nunca se licenciar.

Referiu no seu texto engenheiros ou filósofos, por exemplo, tendo o cuidado de moderar o seu texto, referindo “sem formação de base em saúde mental”. Mas, mesmo assim, tenho a certeza de que sabe que as bases de John Weakland, um dos grandes terapeutas da Escola de Palo Alto da Terapia de Família, é a Engenharia Química, tal como a do pai da Psicoterapia Focada na Emoção, Leslie Greenberg, e que outros vieram do Serviço Social. como Virgínia Sapir, ou da Antropologia como Watzlawick ou Bateson.

O importante não é de onde é oriundo o candidato a psicoterapeuta, mas a sua formação específica, e o Professor Ricou especifica algumas referências no caminho dessa formação particular.

De acordo com o raciocínio do Professor Ricou, só um psicólogo, um médico, ou um enfermeiro, ligado às Ordens atualmente existentes, teria condições para ser psicoterapeuta.

Ora, a experiência mostra que muito deles não têm características pessoais adequadas a essa profissão e a maioria deles não consideraria tal formação. Só menos de 2.000 membros da Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP) tem essa especialidade avançada e essa formação mínima, a Ordem dos Médicos não contempla essa Competência específica na especialidade da Psiquiatria nem da Pedopsiquiatria e os números são extremamente reduzidos na Ordem dos Enfermeiros Portugueses. Muito pouco para as necessidades da Saúde Mental Nacional.

Há hoje em dia um consenso a nível internacional, e parece-me que a OPP também partilha desse consenso sobre as exigências mínimas para a formação de um Psicoterapeuta.

Elas estão publicadas pela Associação Europeia para a Psicoterapia (EAP), foram adotadas pela Federação Portuguesa de Psicoterapia e estão na base da Petição para Regulamentação da Psicoterapia que neste momento a FEPPSI implementa.

Incluem no mínimo, uma licenciatura pré Bolonha ou uma licenciatura pós Bolonha e um Mestrado pós-Bolonha, uma formação teórico-prática que compreende pelo menos 500h, além de 175h de processo psicoterapêutico/desenvolvimento pessoal (individual, familiar ou de grupo), 150h de supervisão clínica durante pelo menos 2 anos e 250h de trabalho clínico com clientes sob supervisão num período mínimo de 2 anos. A formação durará pelo menos 4 a 5 anos, e a entidade de formação deverá responsabilizar-se pela competência do formando que certifica.

Este trabalho deverá ser completado por um trabalho suplementar na área da Psicopatologia para aqueles que não tiveram formação nessa área e em função da mesma.

Pensamos que a Regulação da profissão dará maior garantias à nossa população de ser atendida por profissionais bem formados e certificados como psicoterapeutas, sejam eles de origem psicólogos, médicos, enfermeiros, assistentes sociais, teólogos, filósofos ou mesmos os tais engenheiros, não esquecendo que o Modelo bem reconhecido pela Academia, do Sonho Acordado foi “inventado” por um engenheiro eletricista francês Robert Desoille.