Tal como a economia tem ciclos económicos, a história recente dos regimes de recuperação da empresa em Portugal tem ciclos pró-recuperação, que se vão opondo a ciclos pró-liquidação.

Assim, até meados dos anos noventa do século passado, recuperar uma empresa com recurso a um tribunal era uma tarefa ciclópica, se não mesmo impossível. Em 1993 cria-se o processo especial de recuperação da empresa, segundo o qual, toda a empresa tinha de ter pelo menos a chance de apresentar junto dos credores um plano de recuperação.

Cedo se veio a verificar que este regime serviu apenas para – à custa dos credores – permitir que as empresas agonizantes e não cumpridoras concorressem deslealmente com as empresas sãs, pelo que, em 2004, fez-se novo golpe de rins com a aprovação do atual código da insolvência (CIRE), ao tempo um verdadeiro cadafalso de empresas incumpridoras.

Oito anos volvidos, verificou-se que era essencial criar um mecanismo rápido de recuperação da empresa pré-insolvente e em 2012 nasce o PER, instrumento que tem tido um sucesso astronómico na recuperação de empresas. Estamos assim e neste momento num ciclo de recuperação de empresas.

Foi ainda imbuído deste espírito que a atual maioria parlamentar decidiu criar o RERE (Regime Extrajudicial de Recuperação de Empresas), por via do qual se permite que o devedor encete negociações com os seus credores de modo a procurar um acordo de reestruturação da sua dívida.

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Os credores que participem na negociação terão de representar pelo menos 15% do valor total da dívida não subordinada e devem subscrever um protocolo de negociação, sendo o seu objetivo a criação de um ambiente favorável à negociação numa fase extrajudicial.

Apesar de ser confidencial (o que é manifestamente uma vantagem para evitar a morte civil e prematura da empresa), este regime suspende a obrigação de apresentação a insolvência e pode determinar a suspensão dos processos executivos que respeitem a créditos incluídos na negociação e mesmo o pedido de insolvência.

Para obter uma maior eficácia no processo negocial a empresa devedora pode pedir a intervenção de um mediador de recuperação de empresas e de um credor que assuma a figura de credor líder, para representar o universo dos credores.

É de sublinhar que o Administrador Judicial Provisório, no âmbito do PER já vinha, em algumas situações, exercendo na prática as funções de mediador e até com algum sucesso, mas é com o regime atual que o mediador assume o seu grande esplendor, o que é manifestamente positivo, se a intenção legal não for traída por pessoas sem as devidas qualificações profissionais e pessoais para o efeito.

O mediador fica incumbido de prestar assistência à empresa devedora que se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência, nomeadamente em negociações com os seus credores com vista a alcançar um acordo extrajudicial de reestruturação para a sua recuperação. O mediador é selecionado e aprovado pelo IAPMEI, devendo caracterizar-se pela capacidade para decidir de forma ponderada e criteriosa e pela capacidade para a preservação da confiança de terceiros.

Compreende-se o cuidado do legislador na definição das características da pessoa, pois caber-lhe-á analisar a situação económico-financeira do devedor, aferir conjuntamente com este as suas perspetivas de recuperação, bem como auxiliá-lo na elaboração de uma proposta de acordo de reestruturação e nas negociações a estabelecer com os credores.

Deste modo, e para procurar um estatuto de liberdade e independência face ao devedor, o mediador está sujeito a um regime de incompatibilidades equivalente ao dos órgãos sociais da própria devedora, devendo ainda obediência a um conjunto de incompatibilidades e impedimentos específicos do cargo de mediador.

A conjugação do RERE com a mediação, exercida profissional e diligentemente, poderá ser um fator muito relevante na recuperação das empresas. Sendo eu um otimista esclarecido, dou o benefício da dúvida e parece-me ser o regime francamente positivo.

Nuno Líbano Monteiro é Sócio Coordenador de PLMJ Contencioso.