Numa altura em que nos aproximamos da Web Summit, o maior evento mundial dedicado à inovação tecnológica, e que muito se escreve sobre a realidade das startups, empreendorismo e ideias disruptivas, é fundamental dar nota aos principais players deste mercado – investidores e fundadores de startups– de alguns pontos decisivos da realidade prática associada aos investimentos.

Com efeito, as startups, antes de se tornarem multinacionais inovadoras, sofisticadas e rentáveis, começam por ser apenas projectos, onde a actividade e o fundador se confundem, são interdependentes e indissociáveis.

Da fase de arranque inicial, investigação e desenvolvimento, à implementação e operação, as startupspassam por processos de investimento, muitas vezes complexos, em que o investidor procura acautelar todo o tipo de cenários e o fundador, de forma romântica, tudo aceita e permite, tendo em vista a concretização do seu sonho.

O entusiasmo que resulta das novas ideias, dos projectos disruptivos, das inovações tecnológicas, decisivo para manter uma dinâmica de crescimento e novidade, não pode, nem deve, no entanto, prejudicar a racionalidade, ponderação e pragmatismo, elementos essenciais para o sucesso no mundo dos negócios. Com efeito, o rigor económico e jurídico, se descurado, pode tornar uma boa ideia num projecto falhado, seja porque os interesses em jogo não foram correctamente ponderados, ou porque se formalizaram incorrectamente, ou de forma desequilibrada, compromissos e garantias mútuas.

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Assim, neste artigo, procurarei debruçar-me, de forma breve, sobre um tema específico que por vezes se coloca na fase de investimento inicial em startups, comummente referido no jargão anglo-saxónico como mecanismos de Reverse Vesting.

O que é o Reverse Vesting?

É um mecanismo – em certa medida à imagem do sábio provérbio chinês “não dar o peixe, mas ensinar a pescar” – em que o fundador assume, perante o investidor, o compromisso de aceitar que parte ou totalidade das suas participações possam ser alienadas ao investidor ou à sociedade, durante um período definido e por um preço simbólico, caso, após realizado o investimento, deixem de se verificar determinados pressupostos essenciais, como a exclusividade e permanência dos fundadores na startup,durante o referido período. Na realidade, mais do que dar o peixe, ou ensinar a pescar, o investidor “obriga o fundador a pescar”.

Por certo, o investidor aplica o seu dinheiro, tempo e experiência empresarial num projecto, alavancando o potencial crescimento da startup. Em troca, exige ao fundador compromisso, permanência e dedicação exclusiva.

A recompensa para o fundador só se materializa verdadeiramente ao fim de alguns anos, de preferência quando a startup já sabe pescar sozinha” e o papel do fundador na gestão da startup, outrora fundamental, já não é decisivo.

O Reverse Vesting é, portanto, uma espécie de regime de liberdade condicionada e tem uma natureza bidimensional para o fundador: (i) por um lado representa uma potencial sanção – por exemplo, se, por sua iniciativa, deixar de colaborar com a sociedade, não comparecer às reuniões do órgão de administração, não prestar os serviços que seria suposto prestar – (ii) por outro configura um prémio que recompensa a entrega, dedicação e continuidade.

Contudo, se por um lado é legítimo ao investidor acautelar os seus interesses, também é razoável, senão elementar, garantir que o fundador não fica refém de forma eterna, complexa e incondicional, da sociedade e do investimento.

Neste sentido, o fundador deve evitar comprometer-se com um período de Reverse Vesting demasiado longo e assegurar situações de excepção à sua exclusividade e permanência, como seja o caso da startup deixar de pagar o salário acordado com o fundador, ou, entre outras, situações de doença, invalidez ou morte do fundador.

Seguindo uma lógica lapalissiana, deve concluir-se que, nesta dinâmica de inovação e investimento, só será possível criar valor se estiverem garantidos, simultaneamente, o equilíbrio desburocratizado entre posições distintas e o alinhamento proporcional de interesses.

Pedro Simões de Oliveira é advogado, Associado Sénior do Departamento de Corporate/M&A