Em 2021, Portugal atingiu a mais elevada percentagem de sempre de adultos entre 25 e 34 anos com ensino superior, com um valor de 45,2% (Fonte: Eurostat, Maio de 2024), acima do objetivo da União Europeia para 2030, de 45%. Mas nos dois anos seguintes, esta percentagem decresceu significativamente: 42,5% em 2022 e 40,9% em 2023 – uma redução acumulada de 4,3 pontos percentuais face a 2021, ou seja, cerca de 10% em dois anos.
Ao nível da União Europeia, a percentagem de adultos entre 25 e 34 anos com ensino superior atingiu os 42% em 2022 e subiu para 43% em 2023. Mas temos países de dimensão média, com os quais Portugal se deve comparar, que ficaram muito acima deste patamar médio de 2023: Irlanda, com 63%; Países Baixos, com 55%; Suécia com 54%; Bélgica com 50%; ainda a Dinamarca com 49%. E depois temos Espanha e França, ambas com 52%.
Estes dados mostram que o gap de Portugal face à média da União Europeia deixou de ser positivo e passou mesmo a negativo em 2023. Por outro lado, Portugal está ainda muito distante de um conjunto de países que devem ser os nossos pontos de referência, pela semelhança populacional, económica ou pela proximidade geográfica.
Muitas razões explicarão esta descolagem dos últimos dois anos, mas não parece ser nem a pandemia nem a inflação recente, uma vez que os adultos que tinham 25 ou mais anos em 2022 e 2023 já estavam a terminar ou tinham terminado os seus cursos em 2020, 2021 ou 2022.
Acredito que uma das principais razões – ou mesmo a principal – que poderá explicar estas diferenças são os apoios sociais às famílias dos alunos em frequência do ensino superior – que é uma variável estrutural de Portugal vis-à-vis outros países europeus.
Com efeito, de acordo com os dados da Rede Eurydice, da Comissão Europeia, as percentagens de alunos do ensino superior com bolsas atribuídas por país eram as seguintes em 2022/2023: Portugal, 21%; Países Baixos, 31%; Suécia, 90% (universais); Bélgica, 25%; Dinamarca, 92% (universais); Espanha, 37%; França, 35%; Irlanda, não disponível.
Em resumo, no grupo de países tomado como referência neste exercício, Portugal compara sempre muito desfavoravelmente em termos de apoios sociais às famílias. E compara assim há muitos anos. Esta situação de desvantagem relativa poderá ter-se agravado progressivamente ao longo de vários anos, mas só se terá tornado visível nos indicadores de 2022 e 2023. A explicação estará no aumento progressivo dos custos de deslocalização dos alunos, em particular no que diz respeito ao alojamento nas principais cidades universitárias do país, que se tem verificado desde cerca de 2015, relacionado com a pressão turística em Portugal.
Se, até 2021, apesar dos insuficientes apoios sociais às famílias, foi possível fazer crescer a base populacional com ensino superior em Portugal – também com a ajuda da redução significativa da saída escolar precoce no ensino secundário para níveis de um dígito, que alimentou a entrada de um número crescente de alunos no ensino superior -, os anos de 2022 e de 2023 mostraram que a democratização dos níveis mais elevados do ensino só continuará o seu caminho com um aumento ainda mais significativo dos apoios sociais às famílias dos alunos – para além do que já foi feito, sobretudo nos últimos dois anos após a pandemia.
Os apoios sociais às famílias em Portugal têm fontes diversas, públicas e privadas: no setor público, temos a ação social do ensino superior, a Fundação para a Ciência e Tecnologia e as próprias instituições de ensino superior, sendo as autarquias um excelente complemento descentralizado desta função social do Estado; no setor privado, temos um leque alargado de fundações, de organizações sociais e de outros doadores privados institucionais ou particulares, que cumprem a sua missão de filantropia e de giving back de modo crescente.
No entanto, o quantum leap que a situação atual de Portugal exige só será possível através do Estado Central, isto é, da ação social do ensino superior, que tem de ser alargada no seu âmbito e aprofundada nos seus apoios e isenções. Depois, as autarquias e a Sociedade Civil darão, por certo, uma resposta positiva perante os sinais dados – mas que será sempre “a cereja em cima do bolo”.
Como sempre, compete ao Governo liderar a iniciativa política para fazer face a esta necessidade, que deve ser acompanhada pelos demais partidos representados no parlamento, de modo a garantir-se a estabilidade desta mudança. Mas é agora que se tem de agir. Porque este é o tempo certo para se planear o ano letivo de 2024/2025, de modo a invertermos a tendência que se verificou nos últimos anos e que se poderá manter nas estatísticas dos anos vindouros mais próximos, antes de se começar a ver a mudança, a partir do que seja feito em 2024.