Alguns críticos da semana de quatro dias tendem a associar os problemas do SNS à redução das 40 para 35 horas semanais, (re)implementada entre 2016 e 2019. Mas quantos médicos conhecem que realmente trabalhem apenas 35 horas?

Um inquérito realizado em agosto de 2023 a 1.737 médicos internos especialistas, no âmbito do estudo Avaliação do Burnout no Internato Médico Português, revela que trabalhavam em média 53 horas por semana. Este inquérito mostra ainda que 85% trabalhavam mais de 40 horas, 55% faziam turnos superiores a 12 horas, 62% trabalhavam à noite e 56% tinham dois ou menos fins de semana livres por mês. Além disso, 54% consideravam ter uma relação desequilibrada entre a vida pessoal e profissional e 35% iniciaram apoio psicológico ou psiquiátrico durante o internato. Cerca de um quarto destes médicos apresentava sintomas graves de burnout. Num outro relatório, 55% dos médicos inquiridos indicou trabalhar em excesso mais de uma vez por semana ou quase diariamente. A insatisfação com o número de horas de trabalho no SNS é clara, com 61% a afirmar-se insatisfeito ou muito insatisfeito. Esta insatisfação estende-se ao tempo disponível para a família e vida pessoal, com 74% dos médicos a expressar descontentamento. Outro estudo, de 2017, Burnout na Classe Médica em Portugal, aponta o mesmo problema. Esta pressão sobre os médicos não é sustentável e tem consequências terríveis para a sua vida pessoal, bem como para a qualidade dos cuidados de saúde prestados.

As 35 horas não resultaram numa verdadeira redução do tempo de trabalho dos médicos. Também não promoveram uma reorganização eficiente do trabalho – outro elemento central da semana de quatro dias. Pelo contrário: as 35 horas acabaram por ser apenas uma forma encoberta de aumentar os salários, uma vez que os médicos continuaram a trabalhar tanto quanto antes (ou mais), passando a receber mais pelas horas extraordinárias, ao mesmo tempo que criaram problemas operacionais na gestão de equipas.

O principal argumento contra a semana de quatro dias no SNS, referem os seus críticos, é que, a redução efetiva do tempo de trabalho, obrigaria a contratar mais médicos e enfermeiros, aumentando os custos. É verdade que a redução da semana de trabalho implicaria a contratação de mais pessoal, mas esses custos adicionais poderiam ser mais que compensados com uma organização do trabalho mais eficiente. Precisamos de ter uma visão global do sistema. Pode o SNS funcionar melhor, com menos custos, organizado em torno de uma semana de quatro dias? Por um lado, se for implementada de uma forma eficiente, o aumento de trabalhadores será menos que proporcional em relação à diminuição de horas trabalhadas. Por outro lado, é preciso ter em conta as enormes poupanças que poderiam daí advir com a redução do absentismo, dos erros médicos, dos custos de formação e com a melhoria na retenção de profissionais.

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Atualmente, o SNS depende excessivamente do trabalho extraordinário e da contratação de tarefeiros, que recebem remunerações bonificadas para cobrir os serviços. Este problema é parcialmente causado pelas elevadas taxas de absentismo, agravadas durante a pandemia. Em 2021, o SNS acumulou 22 milhões de horas extraordinárias, com um custo de 530 milhões de euros. Em 2023, custaram 666 milhões de euros. Ora a redução do absentismo é precisamente uma das consequências mais frequentes da redução da semana de trabalho nas empresas que a experimentaram.

Já a ligação entre o cansaço e os erros médicos está bem documentada em estudos científicos. Quem confia numa cirurgia realizada por um médico que trabalha 80 horas por semana? Os erros médicos têm custos elevados. E não apenas para as vítimas. No Reino Unido, por exemplo, o NHS gastou em despesas legais decorrentes de negligência médica 6 mil milhões de euros (quase 10% da sua massa salarial) em 2022. A redução da semana de trabalho poderá permitir grandes poupanças a este nível.

Por outro lado, a elevada pressão e o stress da profissão levam muitos médicos a abandonar o SNS, migrando para o setor privado ou emigrando para outros países, o que aumenta significativamente os custos com formação de novos médicos. Formar um especialista demora 11 anos e custa milhares de euros. Ao reduzir o êxodo de médicos, estaremos também a reduzir os custos de formação por médico.

Mas será o SNS capaz de proceder à necessária reorganização quando enfrenta já tantas dificuldades em atrair médicos? Na minha opinião, esta questão está colocada ao invés. O SNS não consegue reter e atrair médicos com as atuais condições de trabalho e remuneração. Por isso mesmo, reorganizar para melhorar essas condições é uma necessidade. Tentar resolver o problema da falta de médicos aumentando as horas de trabalho, limitando férias ou obrigando os médicos a prestar serviços por alguns anos é um contrassenso e é contraprodutivo. Ao piorar as condições, médicos com liberdade de escolha abandonarão mais rapidamente o sistema. Se todos os inquéritos indicam que o maior problema é o excesso de horas de trabalho, é aí que devemos agir. Num dos inquéritos citados, 31% dos médicos admitia prolongar a carreira no SNS se houvesse uma redução da carga horária. Um aumento salarial por si só não resolveria o problema do burnout entre os médicos. Por outro lado, nada impediria os médicos sem problemas de exaustão de monetarizarem o seu tempo livre com turnos extra, tanto no setor público quanto no privado, como muitos já fazem.

O projeto da semana de quatro dias não é, de forma alguma, o mesmo que a experiência das 35 horas. Contudo, os críticos das 35 horas têm razão num aspeto: a redução de 40 para 35 horas semanais foi implementada sem experiências prévias, sem o desenvolvimento de soluções operacionais adequadas, e sem uma avaliação ex-post dos seus efeitos. Se queremos fazer as coisas corretamente, devemos avançar com as nossas propostas de forma mais prudente e fundamentada em estudos. É por isto que proponho uma pequena experiência no SNS com o intuito de estudar os efeitos e avaliar os custos e benefícios da redução da semana de trabalho.

Se quisermos ser ambiciosos, podemos realizar uma experiência de um ano num hospital. Seria necessário repensar todos os processos em cada departamento, testar o uso de tecnologia, aplicar as melhores práticas internacionais. Estaríamos a criar o protótipo de um hospital do século XXI. Com melhorias de processos, acredito que o aumento do número de trabalhadores poderia ficar limitado a 5%. Dado que 40% dos custos de funcionamento de um hospital são relativos à massa salarial, tal implicaria um aumento de cerca de 2% nos custos correntes. Numa experiência dessas, poderíamos medir a variação do absentismo, das horas extraordinárias, da retenção de profissionais de saúde, dos erros médicos, bem como o impacto operacional na qualidade do serviço.

Se quisermos ser mais prudentes, podemos começar primeiro com alguns centros de saúde. Já vários manifestaram interesse em experimentar. Em qualquer dos casos, o mais importante será sempre criar uma estrutura de apoio técnico, especializada em melhorias de processos na área da saúde e com experiência na implementação da semana de quatro dias, que proporcione a melhor probabilidade de sucesso, juntamente com uma estrutura de avaliação que assegure a credibilidade dos resultados – bons ou maus.

É legítimo acreditar na semana de quatro dias, tal como é legítimo não o fazer. Ambos os lados devem ser coerentes. Os seus defensores não devem cair na tentação de legislar antes e empurrar, para o futuro e para outras pessoas, a busca de soluções operacionais. Devemos assumir a responsabilidade de as procurar e ter a coragem de experimentar antes de avançar para a legislação. Da mesma forma, os críticos que questionam, com razão, a falta de estudos sobre as 35 horas, não deveriam opor-se a uma experiência em pequena escala. Que mensagem estaremos a enviar aos profissionais de saúde, se não estivermos dispostos a tentar?