O que se passa com o Livre é – do ponto de vista da análise política – extremamente interessante. A análise do programa do partido e dos seus estatutos não deixam antever nenhuma alteração de fundo e o seu quadro de dirigentes (materializado no chamado “Grupo de Contacto” de 15 militantes) mantém-se relativamente estável. Mas não é isso que transparece actualmente na maioria das notícias que chegam aos Media sobre o partido que agora chegou ao Parlamento.

Não havendo alterações de fundo nos Estatutos, Programa ou quadros dirigentes o que se passa agora na encarnação actual do Livre pode ser o produto de um de três fenómenos (que podem funcionar em paralelo):

  1. O sublinhar de questões fracturantes e extremistas (quotas étnicas, feminismo radical, anti-racismo, etc) é um produto da agenda pessoal da deputada e não representa o Livre.
  2. O extremismo actual do Livre é aparente e táctico (marketing político) buscando nas questões fracturantes um mercado eleitoral que a transformação do Bloco de Esquerda num partido do “eixo de governação” deixou por conquistar.
  3. O extremismo discursivo do Livre é real e profundo e corresponde efectivamente a uma alteração em curso para um partido situado na banda extrema da extrema esquerda.

Na verdade é impossível saber o que se passa dentro dos órgãos do Livre e  apenas se pode observar o que transparece para fora do partido nas declarações da deputada ou na indumentária do seu “assessor de saias” (um golpe muito eficaz de marketing político). Mas é possível perceber que este “desvio para o extremo vermelho” que radicaliza o partido Livre está a ser aprovado ao mais alto nível e que se materializa numa estratégia de afirmação eleitoral e de crescimento parlamentar.

A questão está em saber se esta estratégia de radicalização vai continuar a ser eficaz e garantir a preservação ou o crescimento da representação parlamentar do partido. E é provável que não… Em primeiro lugar o rendimento eleitoral e mediático da selecção de uma deputada com gaguez grave pode ter-se esgotado aquando do “momento novidade” da sua apresentação ao eleitorado e o capital de simpatia assim conquistado não é renovável e a partir do momento da eleição passa a ser mais importante a qualidade da prestação parlamentar e a originalidade e relevância política das suas posições. Ainda é cedo para avaliar os três vectores de desempenho parlamentar mas as dificuldades de expressão verbal já estão a deixar evidente que há um problema que os outros dois vectores terão grande dificuldade em compensar.

A questão de fundo que esta interessante questão política coloca é a de saber se esta “política da espuma dos dias” em que através de proclamações bombásticas ou extraordinárias não representa também um sinal da degradação da qualidade da participação dos partidos políticos e um desvio extremista em busca de uma sobrevivência que estava ameaçada quando o discurso externo do Livre era compatível com o seu europeísmo militante ou com os seus estatutos avançados e programa de Esquerda Moderada. Se o futuro de um partido político pode apenas ser assegurado pela imposição de uma “máscara mediática” extremista ou de uma deriva radicalizante profunda que o afasta da maioria do eleitorado e das posições moderadas então não estamos apenas perante uma “doença” do Livre mas de uma doença sistémica de todo o sistema político-partidário português.

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