São pequenos sinais mas são significativos. A eleição de deputados pelo Chega e pela Iniciativa Liberal e agora a vitória de Francisco Rodrigues dos Santos no Congresso do CDS marcam a quebra de alguns tabus na vida partidária portuguesa e a hipotética chegada de alternativas. Ou a tímida chegada a Portugal de um tempo em que a direita e as direitas deixam de ser definidas pela negativa, como a não-esquerda.

O modelo de combate é agora cultural, gramsciano, já não é leninista; até porque a luta política deixou de ser um capítulo da luta armada, da “guerra civil europeia” inaugurada há um século pela revolução bolchevique, que gerou as respostas do fascismo italiano e depois do hitlerismo alemão – ou as intervenções e ditaduras militares na Península, nos Balcãs e na Europa Oriental.

E nesse modelo de combate, as várias esquerdas da Europa e dos Estados Unidos ainda dominam, porque souberam criar bases na Academia, nos media e nas burocracias culturais de distribuição de ideias, princípios e recursos. E induziram uma espécie de monopólio ou ditadura intelectual que, sob a aparência de uma singularidade convergente de opiniões, ou até de “contra-cultura”, afina, na verdade, por um diapasão certificado, que entretanto se tornou hegemónico e abertamente moralista e inquisitorial, com o policiamento do pensamento e do vocabulário, a intimidação dissuasora, a cooptação e marginalização de amigos ou inimigos destinados ao céu ou ao inferno, à fama ou ao opróbrio. Os processos não são sequer subtis, mas como são usados com permanência e persistência sistémicas, cansam e dissuadem os adversários ou os não-alinhados.

Em Portugal, a esquerda histórica criou uma “lenda negra” à volta do Estado Novo e branqueou a República dos Democráticos; e, além de se atribuir o monopólio da inteligência, incutiu na Terceira República, fundada em Abril de 74, um controlo ideológico regulado pelo Pacto MFA-Partidos, que foi um prólogo pretoriano à Constituição de 1976. E como Deus-Pátria-Família era a trilogia do “fascismo-salazarismo”, passou a ideia de que, em democracia, os valores religiosos, patrióticos e familiares não podiam nem deviam constar dos ideários políticos.

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E foi de tal modo assim que os partidos à direita do PS acabaram por adoptar uma semântica de prudência e autocontrole, e a metade do país que não era de esquerda mas que também não se revia nos “centros” do compromisso histórico do regime foi votando resignadamente nesses centros como “mal menor”, ou foi ficando em casa, contribuindo para os lusos records de abstenção eleitoral.

A única reacção anti-esquerdista tolerada aconteceu na economia; e assim se deu a amálgama entre “a direita” e “os liberais”.

Por isso, porque os valores políticos nacionais, os valores sociais conservadores, os valores de uma economia social de mercado estavam banidos e eram, para os “mandarins” da Academia e dos media, uma anomalia perigosa ou o “fascismo a espreitar”, em Portugal nada de novo aconteceu no campo político-partidário. E isto numa democracia estabilizada e num tempo de renovação e transformação do tecido partidário europeu e de revivalismo nacional.

É essa ditadura intelectual e moral que, na teoria gramsciana, modela o Zeitgeist cultural, que está, pela primeira vez, a ser contestada.

Dois casos – a eleição de André Ventura e a escolha do 28º Congresso do CDS no fim-de-semana de 25-26 de Janeiro – marcam essa ruptura com as ditaduras do “consenso anti-fascista” e do progressismo civilizacional decadentista. André Ventura e Francisco Rodrigues dos Santos são as caras dessa mudança.

Embora se possa pensar que, tanto para o Chega como para o Centro Democrático Social, o triunfo de João Almeida, o candidato dos “notáveis” e da continuidade centrista, tivesse sido melhor para efeitos de contraste e de escaramuça política, no que nos deve interessar, que é a criação de um movimento nacional amplo que junte as várias direitas, este quadro é o mais favorável. O terreno das ideias e dos princípios alternativos a uma esquerda dominante há já quase meio século é suficientemente vasto para que estas direitas tenham por onde crescer e se multiplicar – ideologicamente, sociologicamente e politicamente – sem terem de se hostilizar na disputa por fatias do eleitorado. Até porque, com a linha de renovação nacional-conservadora que agora saiu vencedora do Congresso, a sua tradição e os seus quadros, o CDS pode bem reconquistar o seu eleitorado tradicional e crescer para os sectores conservadores da classe média; e o Chega, ocupar o espaço de um nacionalismo mais popular ou populista, na linha dos partidos da nova direita francesa, italiana e espanhola.

E se em Portugal não existem, por agora, comunidades migrantes culturalmente hostis com minorias agressivas, como em França, ou problemas de separatismo que ponham em questão a união do Estado, como em Espanha, existem dois campos de combate e de alternativa: uma corrupção endémica, quer de cumplicidade pelo encobrimento, quer por acção directa; e uma agenda baseada em ideias delirantes e desfasadas do país e da realidade sobre a natureza do homem e da sociedade, com consequências catastróficas para o presente e para o futuro. Ideias simplistas que muitos nos querem impor como “cientificamente comprovadas” ou como inevitáveis passos na “marcha do progresso”.

O tempo não é, assim, de mera guerra político-partidária. Foi nos “salões” do iluminismo francês que se forjou o espírito da Revolução e nos “think tanks” americanos que se abriram caminhos para a revolução conservadora dos anos 80. O tempo, para as não-esquerdas e para as direitas, é de contra-cultura, de guerra cultural, a guerra que sempre prepara o terreno para as grandes transformações. As suas munições são outras, os seus quartéis também, e os seus líderes e fileiras não podem perder-se em escaramuças pessoais.