O Governo português anunciou recentemente um corte substancial no valor real das pensões da Segurança Social (SS) já a partir do próximo ano, e uma transferência no valor de meia pensão para os atuais pensionistas que atenua a desvalorização das pensões que ocorreu ao longo de 2022. Não se trata, como já tem sido dito, de uma reforma do sistema de pensões. É precisamente por não se reformar o sistema atual que é necessário encolher as pensões.

O corte nas pensões não surpreende e, com o sistema de pensões atual, podemos estar certos de que se vai repetir nas próximas décadas. Sem crescimento económico e com a diminuição do número de trabalhadores em relação ao de pensionistas, só há duas opções para equilibrar o sistema de pensões português: aumentar as contribuições ou diminuir o valor das pensões (aumentando a idade da reforma ou diminuindo o montante das prestações). A alternativa, já ensaiada, de abandonar o sistema contributivo e utilizar receita fiscal (ou dívida pública) para financiar pensões não resolve a questão: o enorme aumento do peso das pensões no PIB como consequência do envelhecimento da população e da baixa produtividade da economia. Estamos, caro leitor, a participar num esquema de Ponzi, como disse recentemente o economista e demógrafo norte-americano Nicholas Eberstadt. Os trabalhadores de hoje contribuem mensalmente para um sistema cujo custo aumenta de geração para geração, na expectativa de retorno (pensões de velhice), retorno esse que será eventualmente financiado pelas gerações futuras. Se o custo aumenta de geração em geração, não haverá surpresa quando chegar o dia em que o esquema termina e essa expectativa de retorno fica por cumprir. Assistimos a uma amostra dessa correção de expectativas este ano, depois de, em Junho, ter sido assegurado aos pensionistas que as suas pensões seriam atualizadas em 2023 de acordo com a taxa de inflação e o crescimento da economia, o que, sabe-se agora, não irá acontecer.

O mau desempenho do sistema de pensões que ainda vigora em Portugal é documentado há pelo menos três décadas em estudos académicos, e é hoje consensual entre especialistas que tem custos económicos e de bem-estar muito elevados em economias com baixo crescimento económico e população envelhecida. Num estudo recente sobre reformas de sistemas de pensões como o português e o espanhol, desenvolvido com economistas da Universidade de Granada e Pompeu Fabra (Barcelona)1, estimamos que para cumprir o pagamento das pensões de reforma nas próximas décadas, as contribuições para a SS em Espanha, que são atualmente 28.3% dos salários (no Regime Geral), terão que aumentar para 51.1% daqui a 50 anos. Um estudo da Fundação Calouste Gulbenkian sobre Portugal calcula o aumento necessário de toda a receita fiscal para as gerações futuras mantendo o atual perfil de despesa: 57%.

A boa notícia é que não precisamos de nenhum milagre. A solução já existe, e uma variante vive discretamente dentro do nosso sistema de SS. Chama-se Regime Público de Capitalização. Segundo a SS: “É um regime complementar de adesão individual e voluntária, que permite efetuar contribuições adicionais ao longo da vida ativa do aderente, que serão capitalizados numa conta em seu nome e convertidos em certificados de reforma.

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O Fundo dos Certificados de Reforma tem 14 anos e conta hoje com cerca de 10 mil aderentes, com uma participação média de apenas 5 mil euros.

Os sistemas de capitalização não estão sujeitos a pressões demográficas ou a cortes discricionários no valor das pensões porque estas são o resultado da poupança individual de cada trabalhador ao longo da sua carreira. De acordo com as regras atuais do Regime português, o trabalhador pode contribuir mensalmente com 2 ou 4% do seu salário (ou 6%, com 50 ou mais anos de idade). Quando atingir a idade de acesso à pensão, pode receber parte ou a totalidade do capital acumulado, ou optar pelo pagamento de uma renda vitalícia em função do valor capitalizado ao longo da carreira (pode ainda transferir parte da poupança para o plano dos filhos e/ou cônjuge). As contribuições são investidas num fundo de investimento gerido pela SS – o Fundo de Certificados de Reforma –, e a valorização ao longo do tempo desses certificados depende da estratégia de investimento definida.

Tendo em conta as alterações demográficas que irão ocorrer nas próximas décadas, é urgente criar condições para o aumento da poupança para a velhice. Os sistemas individuais de capitalização são uma forma de o fazer, e são a única alternativa viável para a reforma do atual sistema de pensões da SS. O atual Regime de capitalização da SS pode ser otimizado: com a possibilidade de contribuições voluntárias do empregador, de mobilização da poupança ao longo da vida em circunstâncias extraordinárias (uma pandemia, doença, desemprego), tratamento fiscal das mais-valias, possibilidade de transferência da poupança para outros fundos com melhor desempenho; são alguns exemplos. O debate consequente sobre o futuro da Segurança Social necessita de um tema central: sistemas individuais de capitalização. Já conhecemos a alternativa: aumento das contribuições e impostos (ou dívida pública) e diminuição do valor das pensões.

1 J. Díaz-Saavedra, R. Marimon e J. Brogueira de Sousa (2022), A Worker’s Backpack as an Alternative to PAYG Pension Systems, www.jbsousa.com