“Le premier bonheur du jour, c’est un rubon de soleil” cantava Françoise Hardy que nos deixou há dias. É uma grande verdade que qualquer português que passe a viver em trópicos mais sombrios e frescos descobre de forma penosa (“the hard way”). “A primeira felicidade do dia é um raio de sol”. Depois da descoberta, segue-se a longa aprendizagem de como passar a viver com um bem que se tornou escasso — o sol, os raios de sol — e segue-se também a adaptação de todos os sentidos, principalmente da visão a uma maior penumbra e falta de claridade.
Pois aqui nesta ilha, os raios de sol raramente nos brindam quando saltamos da cama, e não se aproximam de nós durante dias consecutivos, retidos entre as muralhas de nuvens cinzentas e inexpugnáveis.
“A primeira felicidade do dia é um raio de sol”, cantava Françoise Hardy.
Essa felicidade, porém, existia, mais breve e passageira do que em Portugal, reservada a uns fugazes, irrisórios dias que começavam em junho e terminavam abruptamente em setembro.
Existia, digo, porque não temos mais essa certeza de que volte. De facto, à medida que junho se adensa, os londrinos estão com um pressentimento cada dia mais negro, cada dia mais arrepiante: este ano, o verão pode esquecer-se desta ilha.
Perante um “ weather forecast” repetitivo e pouco animador, acho que a maioria de nós se preparou já mentalmente para a possibilidade de que o verão não chegará.
Há coisas que ainda se podem fazer, encolhendo os ombros e ignorando a sorte que nos calhou.
Vestem-se ainda as roupas de verão, porque isso é ser inglês, fingindo-se que está tudo normal, tudo na mesma e em ordem, põem-se tops e calções, destapam-se barriga e pés, dá-se uso a vestidos de alças, oferece-se a pele branca ao vento e aos chuviscos sem um abanão de frio, um dente que tirite ou uma pele de galinha.
(Como sou incapaz de acompanhar este show, mantenho o meu guarda-roupa de inverno a uso, e ando ainda com os casacos e as gabardines de inverno, as calças e os pullovers quentes).
Pode-se ainda ir aos pubs que na sua decoração dão sempre um ar de sua graça, um lamiré de verão. Engalanados de canteiros de flores à espera que os clientes fiquem de pé e à porta, a beber as suas Pints e os seus Pimms, indissociáveis do verão.
Pode-se fazer um barbecue, um piquenique, outro dos hábitos de verão dos ingleses, mas arriscando os aguaceiros e sem grande vontade de estar no parque horas a fio quando as temperaturas rondam os 10-15 graus.
Mas enfim, há que admitir que os ingleses já não têm a fleuma e o estoicismo do passado, e que muitos em vez de entrarem nesse jogo andam a tomar o avião e a pôr-se a milhas daqui…
Hoje, dia 15 de Junho, o boletim meteorológico que todos consultamos com mais ânsia ao fim de semana, dá outra vez chuva, o céu sem ponta de azul, e o termómetro sem subida. E a grande questão que nos atormenta e que ninguém quer admitir é esta: isto vai ser só assim este ano, ou veio para ficar? Porque lá no íntimo as notícias do global warming tendem a fazer esperar o pior.
O verão já não quer passar acima da Mancha. Parece que a grande felicidade dos londrinos, que já era tão breve e compactada, e que por isso mesmo eles sabiam aproveitar como ninguém, lhes pode ter sido roubada. E se esse pesadelo vira realidade? O otimismo que os ingleses cultivam tem levado alguns rombos nos últimos tempos.
Acho que dificilmente um inglês cantaria por isso como Françoise Hardy: “A primeira felicidade do dia é um raio de sol”.
Não porque não o apreciem, convenhamos, mas porque não gostam de ser piegas e coitadinhos. Preferem iluminar a metade cheia do copo, e comentar como isto tem sido ótimo para os parques, as rosas e os seus jardins, e lá isso tem, penso enquanto caminho no meio da verde floresta de Hampstead, ou quando observo os magníficos jardins da frente de cada casa vitoriana por que passo, nunca votados ao abandono ou à negligência pelos donos, até porque o “front garden” dá azo a renhidas competições entre os vizinhos.