Junho foi um mês e tanto. Ora nas redes sociais, ora na rádio, ora na televisão, o assunto do momento foi a preservação dos oceanos. Chefes de Estado, líderes europeus, presidentes daqui e dali, e até influenciadores: todos reunidos com o propósito de debater sobre o status da sustentabilidade dos oceanos. Objetivos de Desenvolvimento Sustentável foram abordados e metas foram apontadas. 2030 está quase aí, em termos ambientais, e a pressão de cumprir o objetivo final assemelha-se a um vulcão em erupção. E o que fazemos, será que chega? A meu ver, não. Nem sobre os oceanos, nem sobre a maioria das questões ambientais, principalmente sobre a do desperdício.

Há precisamente um ano, em Portugal, foi aprovado um projeto de lei para a realização de um inquérito nacional sobre o desperdício alimentar. Projeto, esse, que visa atualizar os dados lançados pela FAO em 2013, que ditam que 1/3 dos alimentos produzidos em todo o mundo é desperdiçado. Infelizmente, um ano depois, continuam a não haver dados concretos sobre o desperdício em Portugal. E estamos a 8 anos de falharmos completamente a redução do desperdício em 50%, uma meta importante referida na diretiva do Parlamento Europeu sobre os resíduos, lançada a 30 de maio de 2018. Um ano se passou e nada mudou.

Há cada vez mais soluções para evitar o desperdício, quer ao nível das empresas, quer ao nível dos consumidores. No entanto, são soluções privadas. Em Portugal, as soluções públicas são quase inexistentes. Pela Lei n.º 62/2021, de 19 de agosto de 2021, apenas as empresas “que tenham um volume de negócios anual superior a € 50 000 000 ou que empreguem 250 ou mais pessoas” são obrigadas a doar os seus excedentes alimentares a organizações recetoras, como ONG ou IPSS. O que quer dizer que apenas as grandes empresas são obrigadas a gerir o seu desperdício em forma de doações, perante a lei. O setor agroalimentar, no nosso país, é essencialmente constituído de pequenas e médias empresas, que naturalmente não se encaixam nestes padrões. Empresas essas que podem escolher entre gerir, ou não, o desperdício e que muitas das vezes, por força de limitações operacionais ou até mesmo de falta de recursos e conhecimento, não o fazem, ou, pelo menos, não da forma mais eficiente.

Segundo o Artigo 9º dessa mesma lei, também compete às Câmaras Municipais elaborar e executar um plano municipal de combate ao desperdício alimentar. No entanto, em que medida é que estes planos são monitorizados? Porque, se o fossem, estaríamos sem dados nacionais sobre o desperdício, desde sempre? Ainda, em 2016, saiu um estudo realizado pela União Europeia, no âmbito do FUSIONS EU Project, chamado “Estimates of European food waste levels”, que visou aferir o nível de desperdício na Europa, onde está explícito que Portugal, sobre maioria dos pontos avaliados, não tinha informação disponível. Pior do que isso, sobre os restantes pontos, não disponibilizou informação.

Há que abandonar os rodeios e atribuir, finalmente, a responsabilidade aos nossos governantes. Há que ter a humildade de admitir este inquérito nacional como um ponto de partida para melhorar as percentagens de desperdício em Portugal, e não como mais um passo em direção a algo, porque passos anteriores não foram dados. Há que apoiar os pequenos produtores e distribuidores na criação de ferramentas de gestão eficiente de stocks. Há que criar uma estratégia que vise dar suporte a toda a cadeia de produção. E há que criar leis de benefícios e punições fiscais para quem cumpre e não cumpre com a gestão do desperdício, respetivamente.

Vivemos num país onde as efemérides são comemoradas num dia e esquecidas no dia seguinte. No entanto, a sustentabilidade merece mais do que unsstories no Instagram ou um espaço de agenda em junho. Merece a nossa atenção, durante todos os dias do ano, pela responsabilidade que temos em cumprir os objetivos aos quais nos propusemos de combate às alterações climáticas. Caso contrário, as consequências serão devastadoras.

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