O décimo aniversário do Observador, um meio que veio contribuir para uma saudável pluralidade da imprensa nacional, coincide com o ano em que a democracia portuguesa e eu própria celebramos 50 anos. Nesta data importante, não podia deixar de refletir sobre o futuro de áreas que me preocupam, algumas delas com que lido diariamente no setor em que atualmente trabalho.
Hoje, mais do que nunca, partilho uma preocupação que, apesar de estar muito associada ao ativismo jovem, é algo a que todos deveremos dar atenção: a urgente e necessária transição para o uso de fontes mais limpas de energia no nosso dia a dia. A transição energética é, sem dúvida, um dos maiores desafios e oportunidades da nossa era. Gosto aliás de me referir a ela como mais do que uma transição, uma verdadeira revolução energética. Ignorá-la é ignorar o futuro dos nossos filhos e netos. Olhá-la de frente e acelerá-la pode representar um manancial de oportunidades económicas, sociais e ambientais que não podemos desvalorizar.
A intensificação de eventos climáticos extremos, a perda de biodiversidade e as ameaças à segurança alimentar são apenas alguns dos sinais alarmantes que vemos todos os dias. Pode parecer-nos que as inundações e incêndios incontroláveis que o Observador e outros meios nos relatam estão a milhares de quilómetros de distância, mas a seca e o racionamento de água que têm afetado Portugal comprovam que as alterações climáticas são reais e têm também impacto no nosso país.
É imperativo que atuemos agora para mitigar estes efeitos e garantir um planeta habitável para as próximas gerações. Substituir o uso de energia fóssil por fontes renováveis é uma das principais estratégias para combater as alterações climáticas. E, neste campo, há trabalho para todos.
Para cada um de nós, no nosso dia a dia, há inúmeras soluções e cada um deve procurar as que estão ao seu alcance e mais sentido fazem para si. Desde logo, procurar saber a origem da eletricidade que consumimos é um primeiro passo para uma consciência energética que deve ser cada vez maior. Depois, fazer um caminho progressivo para hábitos com benefício ambiental, mas também económico.
Escolher equipamentos de aquecimento mais sustentáveis. Aproveitar espaço de telhado para produzir a nossa própria energia a partir do sol. Aderir a um bairro solar para quem não tem espaço de telhado disponível mas quer fazer parte desta transição. Procurar a mobilidade partilhada ou avaliar a elétrica como opção na altura de trocar de carro. Instalar painéis solares nas coberturas inutilizadas das empresas e lucrar com esse sistema enquanto se aumenta a penetração de renováveis em Portugal. E, igualmente importante, consumir energia de forma consciente, procurando preservar já os recursos de amanhã.
Contudo estas mudanças de comportamentos não são apenas uma responsabilidade ambiental, são uma necessidade social e uma oportunidade económica. Acredito realmente na oportunidade da transição energética para o nosso país, como forma de descarbonizar e re-industrializar Portugal, numa altura em que é fundamental repensar o papel e a competitividade da economia portuguesa no palco europeu e global. Somos um país com mais de trezentos dias de sol por ano e mais 5-10% vento do que a média europeia. Somos um país com uma importante industria automóvel num momento de profunda transformação do setor rumo à eletrificação. E estamos ainda bem posicionados para a produção de outras componentes necessárias a uma transição energética que se pretende cada vez mais “made in europe”. Um recente estudo da McKinsey estima aliás que a transição energética tem o potencial para criar 300 mil novos empregos qualificados em Portugal até 2035.
Portanto, com a transição energética conseguiremos reduzir as emissões de gases de efeito estufa, mas estaremos também a contribuir para a independência energética e segurança de abastecimento do país, a estimular a inovação e a competitividade das nossas empresas, assim como a contribuir para a criação de oportunidades de emprego local.
Nada disto será alcançável se as grandes produtoras de energia não se reinventarem. Os olhos estão postos em nós e trabalhamos todos os dias com essa responsabilidade. Assistimos hoje a uma alteração profunda do modelo de negócio no setor da energia, com a EDP a fazer parte da liderança deste movimento. De uma empresa com foco em Portugal e com ativos hídricos e térmicos há poucas décadas, alcançámos agora 97% de produção renovável nas quatro regiões do mundo onde estamos presentes. No próximo ano, deixaremos de produzir energia através do carvão. No final desta década, seremos 100% renováveis.
Mas também não será possível cumprir os ambiciosos objetivos com que Portugal se comprometeu sem uma estreita colaboração entre os setores público e privado. É essencial que as políticas que promovem a transição energética se mantenham estáveis e claras, de modo a atrair o investimento necessário para continuar a fazer de Portugal um dos países mais avançados da Europa nesta área.
É ainda de relevar a importância do desenvolvimento tecnológico para este desafio. Se hoje sabemos que cerca de 70% das emissões de CO2 podem ser endereçadas com tecnologias existentes, também sabemos que estas tecnologias precisam ainda de ser aceleradas e escaldas para que sejam economicamente viáveis, e há, todavia, um importante conjunto de novas tecnologias que é preciso testar e desenvolver.
Esta é uma oportunidade para Portugal que ao longo da sua história esteve, em tantos momentos, na dianteira do progresso e da inovação em diferentes matérias, Mas requer audácia, investimento e talento. Talento que reside em muitos dos nossos jovens que hoje escolhem emigrar, e investimento que nem sempre conseguimos atrair para o nosso país. Este é o momento de investir no desenvolvimento tecnológico em Portugal, bem como de apostar nos jovens portugueses que procuram oportunidades para contribuir para a economia nacional e para o desenvolvimento deste desafio mundial. Pelo que o investimento em políticas de habitação, de incentivo ao regresso a Portugal, de apoio ao empreendedorismo, e de estimulação do mercado de trabalho são tudo frentes que poderão ajudar a criar condições para exponenciar a fixação e contributo dos jovens.
Por último, nesta data que marca também os cinquenta anos da democracia portuguesa, destaco o valioso regresso que temos visto assistido na participação cívica dos jovens portugueses, em múltiplas frentes da vida política, social e económica do país. Desde a sua crescente participação em grupos de reflexão e debate com governantes e também com empresas sobre estratégias e políticas para a construção de um país e uma economia mais resiliente e competitiva; a um maior envolvimento na vida política; ao próprio ativismo (que não apoio necessariamente na forma mas valorizo na intenção). Quero acreditar que estamos perante uma geração que vai fazer a diferença no desenho de políticas, no desenvolvimento de soluções e na defesa do sistema democrático que nos últimos tempos tem sofrido alguns abalos por toda a parte. O novo mundo em vivemos exige uma governação mais participada, onde esta ação cívica é essencial. Este é o palco para uma nova geração. Apostemos nela.
Vera Pinto Pereira é licenciada em Economia, fundou a InnoveAgency Consulting e passou pela PT Multimédia e pela Fox antes de chegar à EDP — onde coordenou a EDP Comercial. — e de cujo Conselho de Administração Executivo faz atualmente parte. É membro do Clube dos 52, uma iniciativa no âmbito do décimo aniversário do Observador, na qual desafiamos 52 personalidades da sociedade portuguesa a refletir sobre o futuro de Portugal e o país que podemos ambicionar na próxima década.