D. Pedro I do Brasil e IV de Portugal, imperador e rei, é uma das figuras mais controversas do século XIX. Quando nasceu em Queluz, em outubro de 1798, não estava destinado a reinar, já que os pais, os futuros reis D. João VI e D. Carlota Joaquina, tinham um outro varão mais velho, D. António Pio. A morte deste, em 1801, converteu D. Pedro de Alcântara em primogénito do herdeiro da Coroa. Em 1807, aos nove anos, acompanhou a restante família na transferência para o Brasil. Foi um dos momentos mais relevantes da sua vida. Rapidamente se tornou mais brasileiro do que português.

Acontecimentos como a primeira revolução liberal triunfante em Portugal (1820) e o regresso dos pais e irmãos a Lisboa (1821) foram determinantes na vida de D. Pedro. D. João VI deixou-o como regente do Brasil, e o jovem, já casado com Leopoldina, filha do imperador da Áustria, e pai de dois filhos – desse casamento viriam a nascer mais quatro – tornou-se uma peça chave do processo independentista, se bem que, como hoje se defende, não tenha sido o próprio a declarar a independência, em 7 de setembro de 1822, nas margens do Ipiranga, episódio que ele próprio mais tarde estabeleceu como momento fundador do Brasil. Aceitou tornar-se imperador do novo país sul-americano, com o nome de D. Pedro I, tendo sido aclamado no dia em que completou 24 anos e coroado em 1 de dezembro.

Fez então uma escolha clara entre Portugal e o Brasil. O mesmo aconteceu na Primavera de 1826, quando D. João VI morreu. Reconhecido pelas autoridades portuguesas como soberano luso – tornou-se então D. Pedro IV –, outorgou uma Carta Constitucional – que, com avanços e recuos, vigorou durante a maior parte do liberalismo monárquico português – e abdicou na sua filha mais velha, doravante rainha com o nome de D. Maria II. O Brasil receava cair de novo nas mãos de Portugal e D. Pedro escolheu, uma vez mais, a sua pátria de adoção em detrimento da de nascimento. E pouco ou nada fez quando a filha se viu, em 1828, afastada da Coroa lusa pelo tio D. Miguel.

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Em 1831, circunstâncias políticas adversas forçaram D. Pedro a abdicar do trono brasileiro e a rumar à Europa, deixando em terras de Vera Cruz o filho mais novo, agora imperador D. Pedro II, e três filhas. Não mais os reveria. Com ele seguiram a segunda mulher, Amélia de Leuchtenberg, de quem viria a ter uma filha, e a primogénita, D. Maria II.

Só quando o Brasil lhe virou costas é que novamente se interessou pelo que passava em Portugal, mas, ainda assim, não da forma que posteriormente veio a surgir na narrativa liberal. Ou seja, longe de se ter empenhado desde logo em recolocar D. Maria II no trono, procurou uma conciliação com D. Miguel, parecendo, ao mesmo tempo, não enjeitar a hipótese de recuperar para si próprio a Coroa a que renunciara em 1826. Só depois de muito pressionado é que se colocou à frente de um exército, atabalhoadamente formado em Inglaterra e em França, para afastar D. Miguel. Em julho de 1832, desembarcou numa praia dos arredores do Porto. Aqui, uma vez mais, a mitologia liberal distorceu a realidade: a praia foi a dos Ladrões, na Arnosa do Pampelido, e não a do Mindelo.

D. Pedro já não era imperador nem rei, usando o título de duque de Bragança, que, ainda que aparentemente simples, dele fazia chefe da família real lusa. Voltava, passado cerca de um quatro de século de ausência, a tocar solo português. A causa de D. Maria II triunfou em Lisboa, em julho de 1833, mas só em maio do ano seguinte é que D. Miguel se rendeu e rumou ao exílio. A vitória  deveu-se menos ao empenho de D. Pedro do que ao dos demais senhores da guerra, os duques de Saldanha e da Terceira, o marquês de Sá da Bandeira e o almirante inglês Charles Napier.

O duque de Bragança assumiu a regência em nome da filha, ainda menor, mas problemas vários de saúde, que o afligiam já há algum tempo – sofria de uma tuberculose ou de uma litíase renal – levaram-no a afastar-se da cena política. Morreu em 24 de setembro, a poucas semanas de completar 36 anos, no mesmo quarto do palácio de Queluz em que a mãe o dera à luz.

Rapidamente se tornou um herói de dois mundos: Portugal, que o considerou, de forma algo imprecisa, o principal artífice pelo triunfo do Liberalismo, e o Brasil, que evidenciou o seu papel na independência, um pouco como os Estados Unidos da América fizeram com George Washington e vários países sul-americanos com Simon Bolivar.

As estátuas que evocam D. Pedro em Lisboa, no Porto e no Rio de Janeiro espelham esse culto prestado nos dois lados do Atlântico. O mesmo se pode dizer a respeito dos respetivos despojos mortais: o coração, que mandou que, depois da sua morte, fosse retirado do corpo e guardado na igreja da Lapa, no Porto, e o cadáver propriamente dito que, tendo sido depositado junto aos dos demais reis portugueses na igreja de S. Vicente de Fora, em Lisboa, foi, em 1972, entregue ao Brasil, jazendo desde então num sumptuoso monumento que, no Ipiranga (São Paulo), celebra a independência. Mais recentemente, quando passaram os duzentos anos dos acontecimentos de 1822, de novo os dois países lembraram este homem controverso e tão cheio de contradições e o coração pôde viajar até ao Brasil.

Tendo tido uma vida algo quixotesca, D. Pedro, que provavelmente padecia de hiperatividade, viveu constantemente com as emoções à flor da pele. À sua maneira, amou as duas mulheres que desposou por motivações político-diplomáticas, mas o apelo dos sentidos foi sempre mais forte, empurrando-o para constantes relações extramatrimoniais, a maior parte das quais ocasionais, tirando a exceção da marquesa de Santos. Amou todos os filhos, quer os legítimos, quer os bastardos, e lamentou sinceramente aqueles que teve a infelicidade de perder. De D. Pedro descendem os pretendentes aos tronos derrubados do Brasil e de Portugal e muitas outras individualidades que, à partida, não conotamos com sangue real, como é o caso de Francisco Pinto Balsemão.

[Estes artigos da série Portugal 900 Anos são uma colaboração semanal da Sociedade Histórica da Independência Nacional.]