O Orçamento do Estado para 2018 é um orçamento à PS com cedências à esquerda: mais salários (para a função pública), fim dos cortes no pagamento das horas extraordinárias (para a função pública), descongelamento das carreiras (para a função pública, e nem sempre com base no mérito), fim da tributação do subsídio de refeição (na função pública), aumento extra das pensões, etc.

Temos um conjunto de medidas que beneficia – ou “descongela” o benefício já existente no passado – a função pública, em que para cobrir esses custos se aplicam medidas que afetam todos, mesmo os que não vão beneficiar. É certo que o importante são as pessoas e a sua qualidade de vida e bem-estar, mas sem condições económicas favoráveis não se pode/consegue favorecer as mesmas. Para suportar todas as medidas que o OE2018 pretende implementar, é preciso que a economia continue a crescer a bons ventos, e não se pode acreditar que Portugal tenha essa “sorte”, como em 2017, sem nada fazer por isso.

Todas as medidas aplicadas no âmbito do Programa de Assistência Económica e Financeira (PAEF) – com efeitos maioritariamente na função pública – estão, assim, a ser progressivamente eliminadas, sem que tenha havido lugar a mudanças estruturais que permitam voltar aos níveis pré-crise sem antecipar, desde já, que isso possa ter novamente um impacto negativo na economia. A redução pretendida do número de funcionários públicos (que poderia controlar esta reposição das condições anteriormente em vigor) não tem acontecido, pelo contrário: desde o fim do PAEF que se têm registado aumentos no número total de efetivos. Não é, assim, de estranhar que possa haver uma derrapagem das despesas com pessoal em 2018 superior à que se vai registar, com toda a certeza, em 2017.

A aposta no investimento parece estar, novamente, esquecida. Tanto no investimento público (que se prevê muito ligeiramente superior ao previsto para 2017 – que não vai ser, com certeza, alcançado), como na aposta em condições favoráveis para estimular o investimento privado e estrangeiro (dado o agravamento fiscal para as empresas e a ausência de estabilidade fiscal – o que funciona como um repelente para atrair investidores). A nível individual há alívio no IRS, o que à partida é uma medida que agrada. Mas, segundo os últimos dados da Autoridade Fiscal, referentes ao ano fiscal de 2015, são já 48% das famílias que declararam rendimentos que não pagam IRS – devendo esta percentagem aumentar em 2018. Os grupos realmente desfavorecidos não vão, assim, sentir diferença.

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Sem falar na questão dos recibos verdes. O Governo tem vindo, já desde 2015, a prometer uma reforma do regime contributivo dos recibos verdes, com vista a melhorar as condições dos trabalhadores em situação precária. No entanto, para além de adiar – novamente – estas alterações (agora para 2019), com o OE2018 assiste-se a um agravamento das contribuições dos mesmos. A somar à taxa única de 25% aplicada indiscriminadamente e às altas taxas de contribuições para a Segurança Social, agora as deduções respeitantes a 25% em forma de despesas feitas vão deixar de ser automáticas – mais vale deixarmos de chamar regime “simplificado”. Pelos vistos, os trabalhadores a recibos verdes não são considerados trabalhadores precários, relembrando-se que nesta categoria inserem-se cada vez mais jovens adultos muitas vezes em regime de “falsos” recibos verdes (não por opção), e que não têm possibilidade de comprovar as tais despesas que eram automaticamente consideradas.

Neste Orçamento destacam-se novamente as cativações, mas desta feita pela positiva. Não tanto pelo seu montante – ligeiramente inferior ao registado inicialmente para 2017 –, mas por se ter dado um primeiro passo para melhorar a transparência e responsabilidade política da despesa pública, com a obrigatoriedade de apresentação, por parte do Governo, da evolução das cativações de 3 em 3 meses. Será agora preciso é que essa informação chegue efetivamente, com qualidade, no tempo prometido, e com o detalhe suficiente. Espera-se, também, que essa obrigatoriedade passe a ser mensal, e não só trimestral.

Quanto à saúde, concentramos a nossa esperança já só para 2019, no mínimo. Um aumento de 239 milhões de euros este ano (face ao estimado para 2017) não representa nem sequer 30% da dívida dos Hospitais EPE referente aos pagamentos em atraso (que ascendeu a 903 milhões de euros em agosto de 2017). Será interessante observar o comportamento da dívida no próximo ano, que não deverá ser diferente ao reportado em 2017, dada a ausência de uma estratégia efetivamente sustentável para fazer face a este problema – para além das já regulares “dotações centralizadas no programa Finanças com vista à regularização [extraordinária] de passivos não financeiros da Administração Central”.

Por fim, um desabafo: o Orçamento prevê incentivos para andar de transportes públicos, mas o trânsito que se tem registado todos os dias em Lisboa já é incentivo suficiente. O que está a faltar são, talvez, alternativas viáveis. Primeiro há que melhorar as condições e operacionalização dos transportes públicos, antes de se “empurrar” a população para os mesmos.

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Joana Vicente é investigadora do Institute of Public Policy (IPP). As opiniões aqui expressas vinculam somente a autora e não refletem necessariamente as posições do IPP, da Universidade de Lisboa, ou de qualquer outra instituição a que quer a autora, quer o IPP estejam associados.