O modelo económico tradicional, ou economia linear, tem as suas raízes na Revolução Industrial do final do século XVIII, existindo há mais de 200 anos. Este modelo continua a ser predominante em todo o mundo e é seguido pela maior parte das empresas. Baseia-se na extração, produção, utilização e eliminação, promovendo uma exploração ilimitada dos recursos naturais com o principal propósito de gerar lucro.

Sabendo atualmente que muitos dos recursos naturais não são infinitos, fará sentido continuar a adotar a tradição de há 200 anos, em que o foco era a produção em grande escala com o menor custo possível, sem considerar a finitude dos recursos? Escrever sobre estas questões é fácil, mas atuar representa o verdadeiro desafio, pois requer mudanças drásticas nas mentalidades, tradicionalmente programadas para visar o aumento infinito do PIB. No entanto, já existem modelos económicos e filosofias mais adequadas ao século XXI, que combatem este crescimento ilimitado e defendem a prosperidade social e ambiental, mantendo simultaneamente o objetivo de criar uma prosperidade económica sustentável.

Um exemplo é o modelo do “Doughnut”, criado por Kate Raworth em 2012 e elaborado no livro “Doughnut Economics: Seven Ways to Think Like a 21st-Century Economist” em 2017. Este modelo económico tem por base visual um “doughnut”, onde a área entre dois anéis representa o espaço seguro e justo para a humanidade. O anel interior representa o mínimo necessário para uma vida digna (saúde, educação, etc.), enquanto que o anel exterior marca os limites planetários que não devemos ultrapassar (mudança climática, poluição, etc.).

Entre estes dois anéis encontra-se o espaço ideal onde a humanidade pode prosperar sem comprometer a sustentabilidade do planeta. O objetivo é alcançar um equilíbrio onde todas as necessidades humanas básicas sejam atendidas sem exceder os limites ecológicos. Este modelo desafia a lógica do crescimento infinito e promove uma visão holística da economia, onde a justiça social e a sustentabilidade ambiental são integradas, sem inviabilizar os objetivos financeiros.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Neste modelo económico, um dos principais princípios é a regeneração, acabando por não se tratar apenas de reduzir os danos inerentes à sociedade e ao ambiente, mas de promover ativamente a criação de valor. Este conceito remete-nos para a filosofia que Paul Polman, ex-CEO da Unilever, utilizou enquanto liderava a empresa entre 2009 e 2019: o “Net Positive”, que defende que as organizações têm a capacidade de não só reduzir o seu impacto negativo, mas também de adicionar valor positivo ao meio ambiente e à sociedade.

Durante o seu tempo na Unilever, Paul Polman implementou o Sustainable Living Plan com base nesta filosofia. Este plano, lançado em 2010 e com objetivos para 2020, comprometeu-se a reduzir em 50% a pegada ambiental dos produtos, de melhorar a saúde e o bem-estar e de aprimorar os meios de subsistência na cadeia de valor da Unilever. Estas ações não apenas minimizaram o impacto ambiental negativo da empresa, mas também geraram um impacto positivo na sociedade. E financeiramente? As políticas de sustentabilidade de Polman fortaleceram a posição da Unilever como líder de mercado, demonstrando que um compromisso sério com a sustentabilidade não inviabiliza os objetivos económicos.

A filosofia “Net Positive” complementa o conceito de “Doughnut Economics”. Enquanto o primeiro se foca na responsabilidade corporativa e no impacto positivo das empresas, o segundo fornece um contexto macroeconómico que garante que essas ações empresariais ocorram dentro dos limites planetários e atendam às necessidades humanas básicas.

Um exemplo concreto de adoção do modelo “Doughnut” é a cidade de Amesterdão. Em colaboração com o Donut Economics Action Lab, este modelo foi adotado oficialmente pela cidade para orientar o desenvolvimento urbano e as políticas de sustentabilidade pós-pandemia. Esta abordagem permitiu a promoção de um equilíbrio entre o desenvolvimento económico, a justiça social e a preservação ambiental, demonstrando que é possível prosperar dentro dos limites da humanidade e do planeta. A implementação deste modelo incluiu medidas como a redução em 50% do uso de novos materiais até 2030, alcançar uma economia totalmente circular até 2050 e a criação de políticas de inclusão social, incentivando a participação ativa dos cidadãos no desenvolvimento de políticas e projetos.

À medida que enfrentamos os desafios do século XXI, a transição para modelos económicos como o “Doughnut” e filosofias como o “Net Positive” torna-se não apenas desejável, mas crucial. O exemplo de Amesterdão e as iniciativas da Unilever ilustram que é possível prosperar dentro dos limites planetários.

Cabe não apenas às empresas e cidades adotarem estas abordagens, mas também aos governos e a nós, como indivíduos, apoiar políticas e práticas que promovam um desenvolvimento económico sustentável. Sem mudança, não há futuro.

Observadorassocia-se aos Global ShapersLisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial, para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa. Ao longo dos próximos meses, irão partilhar com os leitores a visão para o futuro nacional e global, com base na sua experiência pessoal e profissional. O artigo representa, portanto, a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers, ainda que de forma não vinculativa.