Imaginem que um cidadão pretende deslocar-se para o trabalho. Propõe para tal ir de comboio. Corajoso! Para tal precisa de um passe mensal. Já tem o cartão. Falta carregar o passe. Procura a máquina de venda automática. Existe, aparentemente. Não aceita cartão multibanco (um erro sistemático até bloquear). Decide comprar no comboio. Não dá. Não aceita multibanco. O revisor recomenda-lhe ir à bilheteira em Aveiro. Não há outras entre a partida e o destino. Mas o cidadão vai sair antes… então? Bilheteira no local da partida não há. No local do destino não há.
Vou a Aveiro comprar o passe. Por alguma razão não permite recarregar o passe nas máquinas. Tem de ser na bilheteira. Ainda me perguntei se não deveria comprar o passe até Aveiro para esta deslocação mensal. Mais 7€.
Reclamo no site sobre a situação do meu passe. Passados dois meses ligo. Riem-se. Descobri que ainda processavam reclamações de 2022 por causa das greves. Estávamos em março deste ano. Perguntei como iria ser compensado pelos 4€ mensais para ir e voltar a Aveiro, além da 1h perdida.
O mais provável é a reclamação cair em saco roto (ainda só passaram 8 meses). A solução, disseram-me na bilheteira em Aveiro, seria fazer um novo passe. 6€. Claro que a CP ainda precisa de uma fotografia tipo passe original a cores. Sim, que moderno. Não fiz. Não quero ser eu a ceder ainda mais do que já fiz.
Precisamente esta semana aproxima-se uma jovem a pedir-me dinheiro para comprar o bilhete. Ela não tinha em mão. Só multibanco. Eu também não. Nada funcionava naquela estação. A rapariga, tensa, pondera ainda não apanhar o comboio não querendo sujeitar-se a possíveis consequências daquele ato – apanhar o comboio. Quer pagar, não consegue. No comboio não consegue. Onde é que isto se vê? Uma pessoa quer pagar e não consegue. Isto é a CP!
Se não tiveres horário flexível (atrasos), não te for possível trabalhar em casa (greves) e não puderes entrar/sair à hora que “quiseres” (serviços mínimos) o mais certo é ser uma angústia como é a de tanta gente. Só há duas vias: és um privilegiado ou não tens alternativa.
E estamos só na micro organização da empresa: preços, atrasos, máquinas de venda de bilhetes problemáticas, multibanco que não existe. Coisas “básicas”. Não vamos para tempos de viagem, horários, frequência dos comboios, internet, material circulante, avarias, elevadores disfuncionais, degradação das plataformas, falta de intermodalidade.
Quando é que alguma coisa vai mudar na ferrovia em Portugal? Sou utente com muita frequência pelo menos há 10 anos. Nada muda. Ninguém quer saber. Enchem-nos de propaganda com a alta velocidade quando nem conseguem por a baixa velocidade a trabalhar. Alguém verdadeiramente, dos que decidem, sabe o que é depender do comboio para comer?
A CP está atrasadíssima. Era bom que fossem apenas os comboios.