A história dos clubes não vive apenas da matemática dos resultados e da dimensão da cabine de troféus. Para lá das vitórias e das derrotas, dos períodos de maior ou menor êxito, quando pensamos nos três grandes pensamos também em algumas ideias tradicionais que lhes estão associadas.

No Benfica, a proximidade entre a euforia e a depressão, entre o “até os comemos” e o “respeitem o manto sagrado” está à distância de um deslize, de uma decisão técnica mais discutível ou de uma temporada que não termine em festa no Marquês. Ao Porto, apesar de todo o virtuosismo técnico que possa apresentar e de todo o brilhantismo estético que possa revelar, não resistimos a associar uma ideia de faca nos dentes, de antes quebrar que torcer.

Depois de décadas de frustração e descrença atenuadas por um título conquistado em circunstâncias, digamos, muito específicas, tem sido fácil e até inevitável pensar no Sporting como uma espécie de Lei de Murphy em potência, um clube onde tudo até parece estar a correr bem, mas dê por onde der, aconteça o que acontecer, sabe-se que é muito provável que acabe por correr mal. Por causa dessa herança pesadíssima de falhanços passados, nestas últimas semanas à medida que as jornadas iam passando e o desastre se ia tornando mais improvável e ao mesmo tempo mais palpável, ouvimos falar de algumas equipas de qualidade média e baixa da nossa liga como se se tratassem de potentados europeus. Desde as qualidades com bola do Famalicão até à organização defensiva do Portimonense, desde o corte da relva até à intensidade do vento, a cautela foi levada aos seus extremos mais irritantes e religiosos.

Mas agora, e só agora, olhando friamente para os números, para a superioridade geral ao longo da época, percebe-se a falta de sentido desse susto permanente, desse medo traumático que não nos deixava em paz. A conquista do campeonato, como dizia a poetisa num contexto um nadinha mais solene do que este, foi inteira e limpa. Desde a primeira jornada até agora nunca o Sporting esteve fora do primeiro lugar em termos pontuais, será de longe a equipa com mais golos marcados e se tudo correr como esperado conseguirá algo extraordinário e poucas vezes repetido que é ganhar todos os jogos realizados em casa.

E este desempenho avassalador foi alcançado através de algo que durante muito tempo esteve ausente do clube, inclusivamente durante o reinado desta equipa diretiva: um projeto desportivo reconhecível, que apesar de conhecer reveses se mantém firme nos seus pressupostos e não entra em ebulição ao primeiro assobio.

Nesta temporada em particular houve um jackpot formidável e em certa medida irrepetível que foi o sueco Viktor Gyökeres, que faz lembrar um jogador de playstation em modo principiante pela forma como consegue carregar a bola até à baliza. Impactante foi também a contratação de Hjulmand pelo que contribui numa posição tão determinante para o equilíbrio tático da equipa. Com a certeza das afirmações impossíveis de comprovar, provavelmente o Sporting não teria sido campeão sem estes dois jogadores, jogadores que chegaram fruto de uma planificação estruturada de um clube que sabe o caminho que quer seguir. Lamentavelmente, esse caminho só começou com Rúben Amorim e ainda que continue a ser trilhado enquanto ele se mantiver como treinador do Sporting, fica a dúvida sobre o caminho que virá depois.

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