Mudar a horas duas vezes por ano causa alguns problemas, sobretudo às pessoas que têm mais dificuldade em ajustar os sonos. As poupanças energéticas, que foram a causa primeira da criação destes ajustes, também parecem hoje menos importantes. Por que muda então a hora?
Foi isso que o Parlamento e a Comissão Europeia pensaram. E se bem o pensaram, melhor o fizeram. A Comissão chamou os cidadãos e instituições europeias a pronunciarem-se e analisou as respostas. A larga maioria apontou para revogar o atual sistema.
Mas convém relembrar duas coisas. Primeiro, que este tipo de sondagem, de resposta facultativa e de iniciativa dos cidadãos, é à partida enviesada: os que querem a mudança serão os que mais depressa tomam a iniciativa de participar, quem está satisfeito cala-se. Segundo, se o regime atual tem inconvenientes, também a alternativa os tem, mas esses não são tão evidentes, pois não há memória do que se passava antes, quando a hora de verão não era ajustada.
A primeira falha, a do enviesamento amostral, é um erro clássico em estatística, mas mesmo assim é muito frequente. A segunda falha é clássica na retórica, e é eficaz, e por isso muito frequente: é habitual listar todos os inconvenientes de uma escolha, esquecendo as desvantagens da alternativa.
Assim se procede tão frequentemente que muitas vezes nem se nota. Fala-se dos problemas dos exames, que criam stress nos alunos, que não conseguem testar tudo o que é importante e que não estão isentos de erros; e não se fala dos inconvenientes de não ter uma avaliação externa uniforme. Fala-se até dos problemas da democracia, dos inconvenientes da imprensa, das hesitações que precedem as decisões, da agressividade com que se discutem as diferenças.
Mas sejamos sérios, como Churchill na sua célebre ironia sobre o sistema democrático: é o pior dos sistemas com exceção de todos os outros.
O pensador francês Raymond Arond, colega de Jean-Paul Sartre e crítico dos desvarios filosóficos e políticos deste último, escreveu na sua autobiografia que, uma vez ultrapassadas as incertezas da sua juventude e os limites da sua formação académica, passou a assumir em cada momento a responsabilidade de pensar nas alternativas (Raymond Aron, Mémoirs, Laffont 2010, p. 71).
Não pensemos só nos inconvenientes do sistema atual e cogitemos nos inconvenientes da alternativa que se propõe. É isso que faz um parecer científicoproduzido por quem tem o conhecimento apropriado e a obrigação de se pronunciar: o presidente da Comissão Permanente da Hora, o astrónomo Rui Agostinho, diretor do Observatório Astronómico de Lisboa.
O que nos diz esse parecer é que acabar simplesmente com a hora de verão e manter durante todo o ano a hora acertada pelo Tempo Universal Coordenado, teria inconvenientes sérios.
Primeiramente, entre maio e agosto, seriam menos de 6 horas da manhã quando o sol despertaria. Chegando a junho, teríamos o sol a nascer pelas 5 da manhã. Seriam, pois, horas de luz desaproveitadas. Paralelamente, não se aproveitaria tanto o fim de tarde, pois seriam 8 horas da noite ou um pouco mais quando o sol se começaria a pôr. Nos meses de inverno, pelo contrário, acordaríamos com o sol a levantar-se, e regressaríamos a casa já de noite, pois o sol estaria a pôr-se pelas 5 da tarde.
A opção de mudar para a hora europeia central, alinhando-nos com Espanha e França, seria ainda pior. Se isso fosse feito mantendo a hora de verão, regressaríamos à experiência que tivemos entre 1992 e 1996, com o céu de junho e julho a ficar escuro apenas cerca da meia noite. Se a hora de verão fosse abandonada, o sol seria visto a nascer apenas depois das 8 horas da manhã nos meses de novembro a fevereiro.
Portugal Continental tem uma posição geográfica que agrava estes problemas. Se tivermos em conta apenas a longitude do país e esquecermos as vantagens de acompanharmos outros países europeus na sua hora legal (neste momento o Reino Unido e a Irlanda), a decisão mais certa poderia ser seguir a hora que vigora nos Açores. A nossa faixa continental está em média 37 minutos atrasada em relação ao meridiano de Greenwich. Na realidade, o nosso fuso horário deveria ser outro.
Vistas as coisas de outra forma, pensemos, por exemplo, em Lisboa: a convenção referente aos fusos horários cria faixas do globo terrestre, “gomos”, com uma largura de 15°, entre mais e menos 7,5° do meridiano de referência para cada fuso. Ora Lisboa está 9° a oeste de Greenwich, ou seja, deveria estar no fuso horário que tem uma hora atrasada em relação ao nosso.
Na realidade, todos gostamos de aproveitar bem a luz do sol, tanto de manhã como ao fim da tarde. Por alguma razão, há muitos anos que se adota este sistema e que a hora muda duas vezes por ano. Não o sabíamos já?