Quem leu na imprensa internacional progressista – isto é, “ na imprensa de referência” – a notícia da reunião dos nacionais-conservadores da CPAC (Conservative Political Action Conference) em Budapeste, nos dias 19 e 20 de Maio, voltou a ficar elucidado quanto à objectividade da “informação de referência”. Quem só leu a imprensa portuguesa ou só viu telejornais locais pode ignorar o assunto, já que não chegou a ver, a ouvir ou a ler o que quer que fosse. Tem sido assim neste mundo orwelliano culturalmente dominado pela nova esquerda moralista, sempre a oscilar entre a desinformação, o silêncio indigente e o silenciamento no que toca à “Direita”.

À Direita? Que Direita? Não há Direita, só há Extrema-Direita; tal como não há Extrema-Esquerda, só há Esquerda, ou melhor, opinião moral e intelectualmente correcta e informada sem quaisquer laivos de deturpação, de populismo ou de exacerbamento.

É esta esquerda, que se quer incolor, inodora e insípida, que forma e informa “o povo” num enviesamento simplista, inteligível por plateias educadas no “Big Brother” e na ilusão de realidade dada por câmaras como que omnipresentes em tempo real. O objectivo é conseguir um angélico coro inclusivo pronto a reconhecer, a amalgamar e a repudiar o mal absoluto. Longe vão os tempos em que o Dr. Cunhal insistia no “nazi-fascismo de Hitler, Mussolini, Franco e Salazar”. Longe, porque Cunhal, que era tudo menos imbecil, insistia conscientemente na amálgama por conveniência e táctica política, e não por maniqueia e ignara cegueira.

Assim, foram previsivelmente “isentas” as notícias internacionais sobre a reunião da CPAC em Budapeste: o primeiro-ministro húngaro, um ultra-direitista, anti-semita, racista e “cúmplice de Putin”, juntava na sua autocrática capital todos os famigerados reaccionários da extrema-direita americana e europeia: uma colecção de heteropatriarcas, emissores de discurso de ódio, sofrendo daquilo que a Organização Mundial de Saúde devia já ter catalogado como as patologias do século – a homofobia, a transfobia e a bifobia. E o que disseram, durante a Conferência, estes seres tão absolutamente dementes e malévolos? Só impiedades, iliberalidades e anti-democraticidades. E o que fizeram? Não mais do que disseminar discurso de ódio e fake news  e pecar contra a sagrada Inclusão.

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Acção Política Conservadora

Fora todas estas fantasias, o que é esta CPAC, que reuniu em Budapeste de 19 a 20 de Maio?

A CPAC tem 60 anos e é uma associação do movimento conservador norte-americano renovado. Este movimento não deve confundir-se com os neoconservadores internacionalistas e liberais, que, a partir da Administração George W. Bush, arrastaram a América para as guerras perdidas do Médio Oriente e do Afeganistão. Nas raízes da CPAC estiveram pessoas como William F. Buckley, intelectual católico de direita e fundador da National Review em 1955. Buckley servira no Exército na Segunda Guerra, estudara em Yale, e passara dois anos na então recém-fundada CIA. Em 1951 publicara o polémico God and Man at Yale que, em The Atlantic, Mc George Bundy qualificaria como “um ataque selvagem” àquela universidade.

William Buckley (que conheci através de Frank Shakespeare quando Shakespeare esteve como embaixador em Lisboa) foi o grande restaurador da nova direita americana. Percebeu, no início dos anos 60, que a Direita não podia ser apenas a negação da Esquerda em Economia, limitando-se a antepor um programa menos ávido de impostos aos herdeiros do New Deal. Percebeu também a importância das ideias e da sua percepção crítica para a defesa dos valores, e que o espaço da cultura era o território onde iriam travar-se os combates do futuro.

Quando Buckley morreu, em Fevereiro de 2008, George F. Will escreveu o seu obituário no Washington Post, reconstituindo a história e a memória da Nova Direita e da direita vencedora nos Estados Unidos. Aí, lembrava que, antes da presidência de Ronald Reagan, a candidatura (e a derrota) de Barry Goldwater tinham posto o Partido Republicano nas mãos dos conservadores, contra os liberais de Nelson Rockfeller; e que, antes de Barry Goldwater, surgira a National Review, de Buckley: “a electricidade ideológica que estimulara a transformação do conservadorismo americano de uma mera sensibilidade numa fé lutadora e numa agenda de Governo”.

Buckley tinha rebentado com “o flácido consenso liberal” da inteligentsia americana do pós-Segunda Guerra. Com um conservadorismo inteligente e aberto á crítica e à polémica, nos antípodas do conservadorismo puro e duro de Robert Taft, com os seus tradicionais fatos de três peças, Buckley introduzira uma nova ideia, ou novas ideias, para relançar os valores de sempre, pondo coerência, lealdade, inteligência e humor ao serviço da causa conservadora.

Assim começara uma viagem de 60 anos de combate cultural, uma viagem que mudara a América e o mundo. Hoje, a América e o Ocidente da Europa estão do outro lado da barricada, dominados pelo velho progressismo e, sobretudo, pelo neo-progressismo – uma excrescência do marxismo, também com ambições totalitárias e globalistas mas agora paradoxalmente aliada ao “grande capital”, uma ideologia que substituiu a luta de classes pela luta das “minorias oprimidas”, sobretudo raciais e sexuais, e o direito à terra, ao pão e à habitação dos “danados da Terra” pelo direito ao corpo das vítimas de outras fomes.

A CPAC, que reuniu em Budapeste, a convite do primeiro-ministro Viktor Orban, representa hoje uma linha de resistência a estas forças neo-progressistas. Em Janeiro de 1974, num dos primeiros congressos da organização, o orador principal fora Ronald Reagan, então governador da Califórnia. No discurso, Reagan anunciara os grandes princípios da revolução conservadora que haveria de levar a qualquer coisa de inimaginável: o fim da URSS e a vitória do Ocidente. A CPAC fora, a partir daí, um dos principais think tanks e clubes políticos do nacionalismo conservador americano.

Nacionais conservadores, como Reagan, Jack Kemp, Pat Buchanan, Ted Cruz, e conservadores-liberais e libertários, como Steve Forbes, Mitt Romney ou Rand Paul têm sido as suas figuras de referência. Hoje, sinal dos tempos, os políticos de referência da CPAC são mais o ex-presidente Donald Trump e o flamejante governador da Flórida, Ron DeSantis.

Na capital da resistência

Viktor Orban, o primeiro-ministro da Hungria, esmagadoramente reeleito este ano, recebeu em Budapeste a Conferência que, pela primeira vez, se realizou fora dos Estados Unidos. Orban é o político soberanista e conservador com maior impacto no Euromundo, um político consciente da importância do poder cultural como pedra angular do poder político que tem procurado criar em Budapeste um centro de resistência aos monopólios culturais e mediáticos que controlam o Ocidente.

A Holanda, outro pequeno país, era, no século XVIII, o lugar onde podia produzir-se e imprimir-se toda a literatura proibida pelas monarquias absolutas da Europa; e Orban pode estar a tentar repetir “o milagre holandês”, fazendo da Hungria um contrapoder cultural. Ou, pelo menos, a América conservadora parece achar que sim, tendo vindo a procurar inspiração para o “bom combate” na Hungria e na tradicional resistência húngara – aos russos, no séc. XIX, aos soviéticos, no séc. XX, e agora às abusivas imposições de Bruxelas.

A entidade organizadora do Congresso na Hungria foi o Centro para os Direitos Fundamentais, dirigido por Miklos Szantho que, numa entrevista à Reuters, indicou como valores comuns aos nacionais-conservadores “a herança judaico-cristã, a identidade nacional, a soberania estadual, a família e a identidade natural do homem e da mulher”. Valores e princípios estes rapidamente traduzidos pela “imprensa de referência” por “anti-semitismo, racismo e extremismo”.

Uma coisa é certa: perante os sinais de reversão do que era dado por adquirido – como o voto anti-aborto do Supremo Tribunal dos EUA, o crescimento eleitoral da direita nacionalista e popular na Europa e a consequente resistência a propostas e projectos radicais contrabandeados e pedagogicamente introduzidos no quotidiano dos povos –, a desinformação sobre estas matérias vai seguramente escalar.

O comunismo, no seu tempo, estabeleceu-se pela força na Rússia, na China, na Europa de Leste, no Cambodja, em Cuba. Estava ali, prendia e exterminava os inimigos e destruía a economia e a sociedade, mas estava ali. As doutrinas deste novo “Despertar” e as paranoias que emergem das políticas de “género”, dos novos “direitos humanos”, do combate verde, do rousseaunismo educativo, do saneamento da narrativa histórica e da higienização inclusiva da língua, não se sabe muito bem onde estão e de onde vêm; sabe-se só que singram melhor no deserto, moral, intelectual e cultural e que se vão insinuando e impondo, de modo casual, simpático e bem-intencionado, destruindo as sociedades, miragem a miragem.

É a esta vaga que deturpa e cancela tudo o que se lhe opõe que é preciso resistir.

Por cá, continuamos centrados no que realmente importa: à falta de pão, de habitação, de saúde, de educação e de melhores circos, por que não baixar a velocidade automóvel na cidade de Lisboa para “salvar o planeta” e “castigar a Rússia”?