Um dos candidatos à Presidência do Benfica trouxe há dias para a campanha um debate interessante: vender ou vencer. Será, realmente, esta a questão?
Diz João Noronha Lopes que quer festejar vitórias e não vendas. A frase é boa. Tem soundbites. Defende que, para o Benfica vencer, tem de deixar de vender, ano após ano, os seus maiores talentos.
A proposta tem, portanto, duas partes. Relativamente à primeira, vencer, estamos todos de acordo. A segunda, não vender, é que já é mais difícil. Porquê? A economia explica.
Os clubes portugueses não têm as mesmas receitas em direitos de transmissão do que os clubes espanhóis, alemães, italianos ou ingleses. Nem lá perto.
Não podemos faturar o mesmo que o Manchester United, ou o Real Madrid, em vendas de camisolas e merchandising. Não podemos sonhar com as somas que recebem dos patrocinadores. E nem vale a pena começar com conversas sobre a grandeza do Benfica: o problema não é a dimensão do Benfica; é a dimensão do mercado.
Para a realidade de um grande clube português, vencer ou vender não é um verdadeiro dilema. Ele precisa de vencer e de vender. Se não vence, não vende, como se viu nesta época. E, se não vende, tem ainda mais dificultadas as condições para vencer. Um clube como o Benfica, mesmo sendo, sob qualquer ângulo que se considere, o maior de Portugal, tem de vender, quer para equilibrar as contas, quer para vencer. Vencendo, vende melhor; vendendo, cria condições para atrair mais talento ou retê-lo mais tempo.
Se o Benfica pode vencer um pouco mais? Todos desejamos e acreditamos que sim. Mas com um cuidadoso equilíbrio de vendas e resultados desportivos – não com soundbites. Tem de comprar bem e vender melhor. Formar e descobrir talento jovem, como tem feito como muito poucos, e atrair talento em fases já mais adiantadas e prestigiadas da carreira, como fez com Rui Costa, Pablo Aimar, Javier Saviola, ou Jonas.
Nos últimos anos, o Benfica diversificou enormemente as suas fontes de receita. Tem receitas da prospeção, tem receitas da formação, tem receitas de bilheteira recorde, receitas de merchandising, de grandes patrocinadores internacionais, de contínuas idas à Liga dos Campeões, de participação nalguns dos mais prestigiados torneios de pré-época e, claro, de ainda recentemente ter renegociado os direitos de transmissão dos jogos para valores históricos a nível nacional.
Mesmo assim, e gozando hoje de uma excelente situação financeira que lhe tem permitido atravessar o período da pandemia sem necessidade de encaixes extraordinários, o Benfica tem a capacidade que tem. Para ombrear com Barcelonas, Uniteds, PSGs e afins, deveria abdicar de receita? Prescindir de uma das suas maiores fontes de rendimento? Cavar ainda mais o fosso para os clubes ingleses, alemães, espanhóis, italianos, franceses e até turcos, russos e ucranianos? Seria um milagre. Nem vale a pena sonharmos mais com a Champions. Se fizéssemos isto, seríamos era candidatos ao Nobel. Aliás, dois: da Economia e da Física.
Se uma nova administração pretendesse enveredar por este caminho, das duas, três: ou trazia capitais próprios, ou um plano mirabolante para aumentar o mercado (e que passaria talvez por fundir a liga portuguesa com a espanhola), ou um novo acionista. Um investidor. Alguém que comprasse 51 por cento do clube. Foi o que aconteceu nesses grandes tubarões europeus.
É um dilema sobejamente conhecido na gestão, que em português corrente se explica facilmente: é querer sol na eira e chuva no nabal.
Isto é, não estamos a dizer que não seja possível vencer sem vender. Estamos a dizer que há muito poucas formas de o conseguir. E seria bastante mais honesto da parte de quem atira estes soundbites para título de entrevista, se explicasse aos benfiquistas qual delas tem em mente. Ou na manga. Ou se é apenas bluff.
Nas imortais palavras de Cuba Gooding Jr. para Tom Cruise em “Jerry Maguire”, “show me the money”. Mostrem-me o dinheiro.
E faltaria explicar ainda outra coisa: como convenceria essa administração os jogadores a ficar, ano após ano? Com que ordenados? Com que argumentos? Como impedi-los de sonharem com as grandes ligas europeias? Com palmadinhas nas costas e muita conversa sobre a mística?
Já lá vai o tempo, se é que alguma vez houve.
Bem sei, como João Noronha Lopes, que, quando atingimos o topo na nossa profissão e no nosso país, é da natureza humana não nos contentarmos, aspirarmos a mais, elevar a fasquia, fixar novas metas, mais aliciantes. Por isso fizemos carreiras internacionais. Porque, uma vez superado um desafio, procuramos outro, maior, mais recompensador para nós e para as nossas famílias.
Portanto, de que forma é que aquilo que é bom e legítimo para nós pode ser mau para os jogadores do Benfica? Como é que um gestor pode entender que aquilo que é válido para a gestão deixa de o ser no futebol?
Uma nota final: ser comprador e não vendedor, por si só, não garante nada. O PSG já gastou dois mil milhões de euros em contratações nos últimos anos e não consegue ser campeão europeu até agora. O mesmo se aplica ao City. E a Juventus, apesar de todo o investimento e hegemonia do futebol italiano, o mais perto que esteve, ultimamente, de uma final europeia foi quando foi eliminada nas meias da Liga Europa… pelo Benfica.
* Sócio do Sport Lisboa e Benfica nº 25768