A casa que António de Oliveira Salazar escolheu para viver, em 1933, data da instituição do Estado Novo, mas que abandonou após ter sido alvo de um aparatoso atentado, em 1937, está à venda por cinco milhões de euros. O ditador viveu no n.º 64 da Rua Bernardo Lima, em Lisboa, edifício atualmente em ruínas, com árvores que crescem pelas janelas e de que apenas resta a fachada.
À venda pelo preço base de 5,5 milhões de euros, a imobiliária considera que se trata de “um terreno com enorme potencial, no centro de Lisboa, com 1.410 m2”, na zona do Marquês de Pombal. Segundo o agente imobiliário responsável pela venda da casa, Sérgio Pires, o preço estipulado prende-se com “o valor do terreno e não pelo edifício em si”.
Salazar muda-se para a capital, em 1928, vindo de Coimbra onde estudou Direito, para desempenhar funções como ministro das finanças. Antes de habitar na Rua Bernardo Lima, Salazar já teria alugado outras duas casas em Lisboa, mas a mudança para este terceiro edifício surgiu com a nomeação para presidente do conselho de ministros, em 1933. Nesta altura decide mudar de habitação para uma “condizente com a dignidade da função” e a escolha recai numa casa de fachada tipicamente ‘fin de siècle’, refere Joaquim Vieira, autor do livro “A Governanta – D. Maria, companheira de Salazar”.
O ditador viveria na Bernardo Lima até ocupar o Palácio de São Bento, depois de ter sido alvo do “único atentado” contra a sua vida, em 1937, o qual sobreviveu “por um triz”, recorda o historiador João Madeira. Como cristão que era, o presidente do conselho costumava ir todos os domingos à missa, na capela privativa do seu amigo Josué Trocado. No dia 4 de julho de 1937, durante o trajeto habitual de domingo de manhã, entre a sua casa e a capela na Rua Barbosa du Bocage, Salazar foi alvo de um atentado.
“Salazar preparava-se para sair da sua viatura oficial, um ‘buick’ (…) De repente, uma enorme explosão atroa os ares e esventra a rua. Fumo, pedras, lajes e placas voam pelos ares. Abre-se uma cratera larga e funda na rua. Ouve-se gritos, gente que foge, pessoas que acorrem a ver o sucedido”, descreve o historiador João Madeira, no livro “1937 – O atentado a Salazar – A frente popular em Portugal”.
Por pura sorte, Salazar escapou sem um arranhão deste atentado, que “só não fez vítimas por um erro de cálculo dos responsáveis”, afirmou Joaquim Vieira, atribuindo a responsabilidade a um grupo de anarquistas revoltados pelo apoio político e material do ditador português “aos nacionalistas contra a República em Espanha, chefiados pelo general Francisco Franco”.
De acordo com o livro de João Madeira, o atentado foi da responsabilidade da Frente Popular, constituída por membros do Partido Comunista Português, anarquistas e sindicalistas. Salazar saiu “ileso, sacudindo a poeira que o cobrira, o ditador sai da viatura pelo seu próprio pé, olha para os lados e aparentemente indiferente, frio, diz: Vamos assistir à missa”, lê-se no livro de João Madeira.
Após este atentado ao regime, ficou comprometida a segurança do chefe do Governo, “deixando de ser sustentável o modelo de singela residência civil tão relevado pelos seus fiéis como prova provada de um governante imerso no modo de viver português”, refere Joaquim Vieira. Para uma maior proteção ao ditador foi necessária a “criação de uma residência oficial do chefe do Governo, devidamente resguardada de intenções subversivas”.
A opção escolhida foi o palacete de São Bento, expropriado pelo Estado após o atentado, em 1937. Depois de obras, António de Oliveira Salazar ocupou o Palácio de São Bento, em maio de 1938, onde viveu até à sua morte a 27 de julho de 1970.
A seguir ao 25 de Abril o edifício, que já estava devoluto, foi invadido e ocupado, nele tendo funcionado durante vários anos uma sede da UDP (União Democrática Popular), uma das organizações que está na origem do Bloco de Esquerda. Curiosamente no edifício existem hoje pinturas murais desse mesmo Bloco de Esquerda criticando o seu estado de abandono.