De acordo com a investigação levada a cabo pelo jornal i, há três representantes dos cinco ramos da família Espírito Santo – Ricardo Abecassis Espírito Santo, Manuel Fernando Espírito Santo e José Maria Ricciardi – que afirmam só ter tido conhecimento do desvio das contas da holding Espírito Santo Internacional (ESI) a 30 de setembro de 2013.

O primeiro pediu explicações sobre o assunto na reunião do Conselho Superior do GES realizada dois meses depois, em dezembro do ano passado: queria saber como é que a ESI tinha um buraco de 1,3 mil milhões de euros nas contas. O segundo, que é chairman da Rioforte, procurou saber em que responsabilidades incorria por ter assinado relatórios que não refletiam a verdade; e Ricciardi quis que ficasse registado que só a 30 de setembro soube que as contas que assinou não eram verdadeiras.

José Castella, controller financeiro do Grupo Espírito Santo (GES) admitiu nessa reunião de dezembro de 2013 que as contas do grupo tinham omissões pelo menos desde 2009 e Ricardo Salgado afirmou ter sido apanhado de surpresa com a informação, revela o jornal. As explicações foram remetidas para o controller e para o contabilista Francisco Machado da Cruz

“Quando este ano me disseram que estávamos com 6 bis eu ia morrendo. Não sabia, não fazia ideia”, afirmou Ricardo Salgado.

José Castella foi chamado a dar explicações em dezembro e confirmou que havia 1,3 bis que não estavam nas contas. A culpa foi da “distração”, disse Salgado.”A única coisa que há é este 1,3 [bis], que não tem explicação, a não ser uma grande distração”, referiu.

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Na reunião do Conselho Superior do GES, as surpresas não se ficaram por aqui. O passivo financeiro da ESI tinha praticamente duplicado em nove meses – no final de dezembro de 2012 era de 3,3 mil milhões de euros e em setembro de 2013 atingiram 6,3 mil milhões de euros. Desse valor, 1,6 mil milhões estava em papel comercial colocado no retalho, uma das maiores preocupações do Banco de Portugal.

“Trata-se de matéria que está a ser objeto não só de investigação criminal como de apuramento de responsabilidades contravencionais. Estes factos impõem a manutenção do segredo de justiça, que impede os esclarecimentos solicitados”, fonte próxima de José Maria Ricciardi ao i.

A conclusão de que as contas da ESI tinham um buraco superior a mil milhões de euros só foi divulgada em 2014. Na sequência do prospeto de aumento de capital do BES, ficou a saber-se que “irregularidades materialmente relevantes” tinham estado na origem dos problemas da ESI.

Distração e descontrolo, disse Salgado

O ramo não financeiro do GES foi incluído na lista dos 12 grandes clientes bancários cujas contas seriam vasculhadas por empresas de auditoria, o que levou o GES a apresentar, pela primeira vez, um balanço consolidado da área não financeira – até à data, havia uma parte da dívida da ESI que não tinha ficado registada nas contas. A explicação de Ricardo Salgado para a ausência foi “distração” e “descontrolo”, revela o i.

Quando Ricardo Abecassis Espírito Santo questionou o presidente executivo do BES sobre o aumento “inexplicável” de 1300 milhões de euros na dívida da ESI, este terá terá respondido: “Como nunca tínhamos feito o tal balanço consolidado da área não financeira aquilo não era imediatamente visível. Portanto, houve uma parte da dívida que não foi registada na ESI e deveria ter sido.”

As preocupações alastraram-se a Manuel Fernando Espírito Santo, presidente da Rioforte, adiantou que as contas poderiam ser “um problema, porque eu e o Sr. Comandante assinámos as contas da ESI. Agora quando nos deparamos com estas contas que não são aquelas que conhecemos ficamos… eu fico bastante preocupado porque não sei qual a responsabilidade que vai cair para cima de nós”, escreve o jornal.

No final de 2013, nove membros do Conselho Superior do GES pertenciam à administração da ESI e Salgado aproveitou esse facto para insistir de que todos eram responsáveis pelas contas da holding. Ricciardi recusou-se a assumir essa responsabilidade e quis que ficasse registado em ata, segundo documentos a que o jornal teve acesso, de que “só tinha tido conhecimento das contas das demonstrações financeiras da ESI expressas nos relatórios e contas oficiais de setembro distribuídos aos accionistas da ESI, não compreendendo o diferencial agora anunciado – hei-de compreender, entretanto ainda não compreendi – que traduz uma duplicação do passivo financeiro das contas da ESI.”

Ricardo Salgado terá insistido de que todos sabiam do endividamento e Ricciardi afirmou que preferia”sair do grupo a assumir responsabilidades por contas que dizia não conhecer: “Não estou disposto a responder por aquilo por que não tenho qualquer responsabilidade”. As acusações continuaram. Falta de solidariedade terá dito Ricardo Salgado, ao que Ricciardi respondeu que não podia responder por contas que não conhecia. Já Ricardo Abecassis Espírito Santo partilhou da indignação de Ricciardi.

Quem é que sabia das contas antes de setembro de 2013? Ricardo Salgado desmarcou-se e remeteu as explicações para o controller financeiro José Castella ou para Francisco Machado da Cruz, contabilista responsável pelas contas da ESI no Luxemburgo. O nome do contabilista, que também era membro do Conselho da Rioforte, veio a público na entrevista que Ricardo Salgado deu ao Jornal de Negócios a 22 de maio.

No mês seguinte, Francisco Machado da Cruz implicou Ricardo Salgado na ocultação das contas, em entrevista ao “Expresso”, afirmando que este sabia que as contas não refletiam a verdade desde 2008, bem como José Castella, Manuel Fernando Espírito Santo e José Manuel Espírito Santo Silva.