Na noite de 4 para 5 de novembro de 1974, Adelino Amaro da Costa e mais quatro ou cinco militantes do CDS, entre os quais António Lobo Xavier, abandonaram a sede do partido, localizada já então no Largo do Caldas, fugindo pelos telhados das centenas de jovens de movimentos de extrema-esquerda que acabaram por tomar o edifício, pilhá-lo e destruí-lo. Perderam-se móveis, máquinas de escrever, fichas de militantes – muitas queimadas – e um sistema de som que o partido queria usar nas eleições constituintes no ano seguinte. Antes, estes jovens tentaram tomar de assalto o teatro São Luiz, em pleno Chiado, onde decorria o primeiro comício da Juventude Popular, sem sucesso e com vários feridos entre polícias e manifestantes. Passados 40 anos, o partido volta a este teatro para homenagear a “resistência” dos seus jovens militantes.

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Diogo Feio, ex-eurodeputado do CDS e o coordenador das comemorações dos 40 anos do partido, disse ao Observador que se em 1974 houve uma “resistência física” do recém-formado partido político, “nos últimos anos essa resistência tornou-se política”. “Há uma enormíssima vontade de ir para a frente, é uma característica de vida do partido. Quantas vezes é que já deram o partido como extinto?”, questiona o antigo eurodeputado. No encontro desta noite no teatro municipal São Luiz em Lisboa, que servirá para marcar e homenagear os fundadores da Juventude Centrista – agora Juventude Popular -, estarão presentes Paulo Portas e António Lobo Xavier, que vão falar a uma plateia constituída sobretudo pelas camadas mais jovens do partido – Miguel Pires da Silva, atual líder da juventude centrista também falará aos presentes.

Há 40 anos, os jovens do CDS, entre os quais o deputado e ex-líder do partido, José Ribeiro e Castro – então presidente da Comissão Política da JC – reuniram-se naquele mesmo lugar, ao fim da tarde, no primeiro comício da Juventude Centrista. Alertados para o perigo de assalto ao teatro por parte de jovens de vários movimentos de extrema-esquerda, o partido – que ainda não o era formalmente e só foi legalizado em janeiro de 1975 – pediu a intervenção do COPCON (Comando Operacional do Continente) para proteger o evento e, enquanto o comício decorria, cá fora as forças de segurança envolviam-se em confrontos com os manifestantes.

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Apesar de tudo, o São Luiz encheu com jovens centristas

Apesar de tudo, o São Luiz encheu com jovens centristas

No livro “Era Uma Vez… A Revolução”, José Manuel Fernandes, jornalista e então membro da UEC (m-l) que era uma estrutura autónoma estudantil do PCP (m-l), dá conta da mobilização dos vários movimentos de extrema-esquerda que naquele dia convergiram para o Chiado. “Gritava-se ‘Morte ao Fascismo’ e ‘O Povo Vencerá’ e procurava-se quebrar o cordão policial. Dezenas, talvez centenas de pessoas comprimiam-se no pequeno troço da [rua] António Maria Cardoso entre o Largo do Chiado e o edifício do Centro Nacional de Cultura”, descreve o jornalista. Nas suas memórias, Freitas do Amaral, então líder do CDS, dá conta de 26 manifestantes e 26 polícias feridos – entre os manifestante feridos estava Maria José Morgado, atual directora do Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP), então militante do PCTP/MRPP.

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A tomada da sede no Caldas e a fuga pelos telhados

Sem terem conseguido boicotar o comício que continuou a decorrer no teatro, os manifestantes dirigiram-se então para o Largo do Caldas, onde em 1974 já se situava a sede do CDS. Dentro do edifício, segundo relata Diogo Freitas do Amaral, estava o então secretário-geral do CDS, Adelino Amaro da Costa e mais “quatro ou cinco militantes”. “Por ser já noite, não se encontravam mais pessoas na sede e quando perceberam o que se estava a passar, avisaram a polícia e os bombeiros, e saíram pelo sótão, cujas traseiras davam para um jardim em socalcos que ia ter, no topo, à zona da Costa do Castelo. Felizmente todos saíram ilesos, mas apanharam um susto dos grandes”, descreve Freitas do Amaral no primeiro volume das suas memórias políticas.

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Um episódio corroborado pela descrição dos eventos na biografia de Maria do Rosário Carneiro e Célia Pedroso sobre Adelino Amaro da Costa. Filipa Melo e Castro, secretária do fundador do CDS, que também estava na sede, contou às autoras que Adelino tentou fechar o maior número de portas que conseguiu e tentou “evitar o pânico” entre os colegas. “No dia seguinte, quando cheguei às seis da manhã, tínhamos a camioneta do lixo a carregar a propaganda toda destruída e o COPCON à porta. Quando subi ao segundo andar, comecei a chorar porque não havia nada no sítio: estava tudo partido, exceto meia dúzia de canecas no chão. O gabinete de Amaro da Costa situava-se nesse andar e ficou sem nada lá dentro; nem máquinas de escrever, nem secretárias, as portas foram partidas. Ficámos de rastos”, descreveu Júlia Fernandes, funcionária do CDS desde a sua fundação, no livro.

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A única coisa que ficou a salvo da pilhagem e destruição foram as quase seis mil assinaturas que o partido já tinha recolhido para se legalizar junto do Supremo Tribunal de Justiça. “Estavam miraculosamente guardadas, por cautela, em casa de vários dirigentes”, escreveu Freitas do Amaral. Depois dessa noite, os pertences do CDS passaram assim a figurar em muitas sedes de movimentos de extrema-esquerda, como atesta José Manuel Fernandes: “Lembro-me de, nos dias e meses seguintes, encontrar muitas vezes, nas várias sedes das organizações radicais, máquinas de escrever e móveis que, diziam-me, tinham vindo do saque dessa noite”.

“Não guardamos rancor àqueles que de forma tão brutal perturbaram o nosso trabalho pacífico. E se podemos respeitar os seus pontos de vista, se podemos ser superiores à sua agressividade violenta, o que não consentimos é que o país se afunde num belicismo retrógrado e primário”, escreveu Adelino Amaro da Costa.

Sobre o episódio, Adelino Amaro da Costa, que viria a falecer na tragédia de Camarate em 1980, quando era ministro da Defesa, escreveu num relatório ao primeiro congresso do partido: “Foi uma noite particularmente dolorosa para o CDS e para a jovem democracia portuguesa […] Não guardamos rancor àqueles que de forma tão brutal perturbaram o nosso trabalho pacífico. E se podemos respeitar os seus pontos de vista, se podemos ser superiores à sua agressividade violenta, o que não consentimos é que o país se afunde num belicismo retrógrado e primário”.