“A Igualdade de género começa na educação”, diz uma faixa gigante que por estes dias decora a fachada do Parlamento Europeu, em Bruxelas (a faixa está escrita em quatro idiomas, por esta ordem: inglês, alemão, francês e neerlandês).

Tamanha preocupação em dar visibilidade à mensagem não será mero acaso. Um estudo recente do Eurobarómetro sobre igualdade de género mostra que a maioria das pessoas não acredita no trabalho das instituições europeias. No fim do ano passado, perguntou-se a quase 28 mil cidadãos dos 28 estados-membros da União Europeia (EU) que organizações mais contribuíram para o combate à desigualdade de género. A primeira resposta foi “organizações que representam os direitos das mulheres”, com 42% das respostas. As instituições europeias (Parlamento, Comissão e Conselho) apareciam em oitavo e penúltimo lugar, com 12%.

O Dia Internacional da Mulher, que se assinala este domingo, está, por isso, a ser aproveitado pelo Parlamento Europeu e pela Comissão Europeia para a divulgação de propostas pós-2015 que permitam alcançar a chamada igualdade de género no mercado de trabalho. São quatro as áreas que podem mudar nos próximos anos: maior presença de mulheres na administração de empresas, extensão das licenças de maternidade e paternidade e ainda uma menor diferença nos salários e nas pensões de reforma de homens e mulheres.

O Parlamento e a Comissão dizem em uníssono que os professores, os currículos e os livros escolares precisam de deixar de lado os estereótipos sobre o tipo de carreiras profissionais que assentam melhor a rapazes ou raparigas.

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O exemplo é dado pela nova comissária europeia para a Justiça, Consumo e Igualdade de Género, Vera Jourova. Na área das tecnologias da informação, os empresários dizem que as mulheres seriam um excelente recurso humano, por terem criatividade e ideias novas, mas quando essas mesmas empresas as tentam recrutar simplesmente não as encontram. Por isso, escolhem homens. “É aqui que entra a formação e a educação: a Europa tem hoje mulheres com mais formação do que os homens, mas é preciso que desde cedo as raparigas sejam incentivadas a prosseguir estudos nas áreas tecnológicas”.

No dizer de Vera Jourova, “a maior dos rapazes e raparigas adaptam os seus sonhos e as suas aspirações ao mundo em que vivem”. “Um professor pode dizer à vossa filha para ser ambiciosa, mas depois ela acaba a receber menos 16% do que os rapazes que foram colegas dela ou então terá um trabalho a tempo parcial ou irá interromper a carreira por ter menores a cargo, o que tem implicações na pensão de reforma. As vossas filhas terão um dia de escolher entre bebés ou patrões? O companheiro delas será capaz de assumir, ele próprio, a licença de paternidade?”

Vejamos alguns números.

Atualmente 60% da população licenciada, na Europa, é do sexo feminino, mas de acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico em média apenas 5% das adolescentes com 15 anos tem interesse numa carreira em engenharia ou informática, contra 18% de rapazes.

Em 2013, as mulheres europeias ganhavam por hora menos 16,4% que os homens dos 28 países da EU, e menos 16,6% nos países da zona euro, de acordo com o Eurostat, autoridade estatística da EU.

Em Portugal, as mulheres em idade ativa ganhavam menos que os homens em todas as faixas etárias, mas era depois dos 55 anos que a diferença se acentuava: elas recebiam por hora menos 19,5% que eles.

Ainda em 2013, dizem os dados da Comissão Europeia, havia apenas 8,8% de mulheres na direção das maiores empresas portuguesas, sendo a média da EU-28 de 17,8%, o que ainda assim representou um acréscimo de 3,4% em Portugal no período 2010-2013.

A comissária pretende voltar à diretiva sobre licença de maternidade, proposta de 2010 que esteve prestes a ser retirada da agenda pela anterior Comissão Europeia. O objetivo é o de alargar, provavelmente até às 20 semanas, a licença de maternidade paga a 100% (em Portugal são 16 semanas). Além disso, Vera Jourova quer pelo menos 40% de mulheres na liderança das empresas até 2020, o que pode ser alcançado através de uma diretiva.

As propostas não são novas. Constavam já na Estratégia para a Igualdade entre Mulheres e Homens 2010-2015, elaborada pela Comissão Barroso. O documento tem sido muito criticado por alegadamente não ter produzido efeitos concretos. Um relatório divulgado em janeiro, cujo relator foi o eurodeputado belga Marc Tarabella, deu voz às críticas. “Lamentamos profundamente que a estratégia vá falhar os seus objetivos”, lê-se. “Se a atual tendência se mantiver, o objetivo de termos 75% das mulheres empregadas não será alcançado antes de 2038 e a igualdade salarial não será realidade antes de 2084.”

A comissária para a Igualdade de Género está neste momento a preparar uma nova Estratégia para a Igualdade entre Mulheres e Homens 2015-2020 e quer apresentar uma versão preliminar em meados deste ano.

A eurodeputada portuguesa Liliana Rodrigues, eleita pelo Partido Socialista, é autora do relatório “Empowering Girls Through Education”, que pretende influenciar a estratégia da Comissão e deverá divulgado em inícios de abril. Em concreto, o documento propõe a revisão dos manuais escolares e a formação de professores no sentido de “promover a igualdade e a inclusão social e cognitiva de rapazes e raparigas”, partindo do princípio de que a escola influencia de forma decisiva a visão dos alunos sobre o mundo.

A relação de forças entre o Parlamento e a Comissão joga aqui um papel fundamental. Aparentemente, as duas instituições estão interessadas na mesma coisa: fazer com que as mulheres europeias passem a ganhar mais, interrompam menos a carreira, cheguem em maior número a lugares executivos e de chefia e possam escolher profissões ligadas às ciências exatas e à tecnologia, áreas que costumam oferecer melhores salários. Mas o diagnóstico e a forma de alcançar os objetivos são diferentes.

“As tradições, os hábitos culturais, os estereótipos e preconceitos sobre o papel das mulheres são os aspetos mais difíceis de mudar e é por isso que não temos conseguido avançar mais depressa nesta área”, conclui Vera Jourova.

Noutro registo, a eurodeputada espanhola Iratxe Garcia Perez, também presidente da Comissão do Parlamento Europeu para os Direitos da Mulher e Igualdade de Género (FEMM), entende que “não houve evolução positiva” por causa da austeridade. “Determinadas políticas em matéria económica e de legislação laboral provocaram um retrocesso, as políticas económicas têm de mudar e a aposta passa pelo crescimento”, defende.

O Observador perguntou diretamente à eurodeputada como estão as relações entre a FEMM e a Comissão Europeia relativamente à Estratégia para a Igualdade 2015-2020. Iratxe Garcia Perez responde que há “cooperação mas com atitude reivindicativa” por parte da FEMM.

Acontece que mesmo entre as eurodeputadas da FEMM a visão sobre igualdade de género não é unânime. Um debate organizado no Parlamento Europeu na semana passada deixou as diferenças bem à mostra. A alemã Beatrix von Stroch, do Grupo dos Conservadores e Reformistas Europeus, surpreendeu ao afirmar que “a promoção sistemática das raparigas na Alemanha tem levado à discriminação dos rapazes”. “O principal objetivo das empresas é o lucro e se puderem contratar uma mulher que lhes dê mais lucro, vão fazê-lo, não cabe é ao Estado interferir nas empresas”, disse.

Na mesma linha, a polaca Agnieszka Kozlowska-Rajewicz, do Grupo do Partido Popular Europeu, afirmou que “a situação da mulheres no mercado de trabalho não se deve apenas à discriminação”, mas a “tradições culturais de preocupação das mulheres com a vida familiar e se não se revolver isto as quotas e outros instrumentos legais não servem de muito.”