O nome do primeiro livro da Bíblia, onde se documenta a criação da Terra, foi o nome que o fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado deu à sua mais recente exposição, que já correu o mundo. “Génesis” inaugura sexta-feira na Cordoaria Nacional, em Lisboa, e vai permitir ao público ver alguns dos animais, povos indígenas e lugares mais secretos do planeta, por onde poucos ousaram passar. Porque, no princípio, era o céu e a terra.

A escolha do nome “Génesis” não foi um acaso. Ver as cerca de 250 fotografias que Sebastião Salgado selecionou para a mostra é como voltar às origens. A natureza está no seu estado mais puro e os seres humanos que ali habitam não sabem o que é a internet, nem o que é comida que não venha da agricultura ou da caça. Mais importante: não poluem, nem desequilibram o ecossistema, uma das grandes preocupações demonstradas pelo fotógrafo e pela mulher, Lélia Salgado, esta quinta-feira, na apresentação aos jornalistas.

Para criar “Génesis” foram precisos oito anos de trabalho, entre 2004 e 2011, e mais de 30 viagens, da Antártida às Galápagos, da Amazónia ao Congo. Umas mais difíceis do que outras, dada a inacessibilidade dos lugares. Na Etiópia, por exemplo, Sebastião Salgado e Lélia queriam chegar a tribos e paisagens únicas, onde a única maneira de chegar era organizando expedições a pé. Não havia estradas, só montanhas. “Gastei mais ou menos dois meses para fazer essa caminhada. Ao todo foram mais de 1000 quilómetros a pé, alugámos 18 jumentos para carregarem a carga. E na Etiópia, quando você aluga um jumento, você aluga o dono do jumento porque é todo o capital que o proprietário tem”, contou o fotógrafo.

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Sebastião Salgado trabalha com a mulher, Lélia Wanick Salgado. ©Mário Bastos

Condições extremas de frio, calor, humidade e seca tornaram alguns destinos mais desafiantes. Como a expedição ao norte da Sibéria, desta vez sem a companhia da mulher. Para além das caminhadas, também andou de trenó, mas o difícil foi aguentar as temperaturas de 35 a 45 graus negativos. “Para eles [locais] já não é fácil, imagina para o brasileiro!”, disse. Ficou 47 dias sem tomar banho. Para ferver água para cozinhar era preciso quebrar gelo e aquecer numa panela. Eram condições limites e Sebastião Salgado admite que “não foi fácil. Fazer as necessidades fisiológicas na neve, com menos 40 graus, com vento, não era nada fácil“.

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Mas não hesita em dizer que tudo valeu a pena. “Acho que o que a Lélia e eu ganhámos com estas viagens, além da experiência e das fotografias, foi o privilégio de poder ir. De se oferecer, talvez, o maior presente que uma pessoa se pode oferecer na vida, ver o que nós vimos”, recordou. Mais: “A gente realmente sentiu que esse planeta é a casa de todos nós, não só dos seres humanos, mas também dos animais, das plantas, das montanhas. Acho que esse foi o maior ensinamento”, acrescentou Lélia.

As preocupações ambientais estão também no centro do projeto e Sebastião Salgado alongou-se na enumeração de algumas delas. No entanto, acredita que ainda é possível reverter a situação. Através do Instituto Terra que o casal criou, por exemplo, já foram plantadas mais de dois milhões de árvores.

É preciso recuar até ao ano 2000 para lembrar a última exposição do premiado fotógrafo brasileiro em Lisboa, considerado um dos mestres mundiais da fotografia documental. É também preciso recuar até 1987 para ver as últimas fotografias a cores de Sebastião Salgado. Estava em Moscovo para documentar os 70 anos da Revolução Russa. “Nunca fui um fotógrafo cor. Nunca me consegui concentrar com cor”, explicou. Culpa da desproporção de atenção que o os olhos dão, por exemplo, ao vermelho, ou ao amarelo. Por isso, Sebastião Salgado ganhou fama no preto e branco e as encomendas já só chegam nesse sentido.

Com 71 anos, o fotógrafo que integrou a agência Magnum, de Henri Cartier-Bresson, já tem uma nova exposição pronta a inaugurar em maio, em Milão, depois de 12 anos a fotografar café em 10 países. Depois, quer concluir um trabalho sobre as comunidades indígenas amazónicas. “Será provavelmente um dos meus últimos trabalhos”, disse, devido à idade.

“Genesis” está organizada em cinco secções: “Sul do Planeta”, “África”, “Santuários”, “Terras a Norte” e “Amazónia e Pantanal”. Cinco ecossistemas que o casal considera que melhor traduzem as dinâmicas da natureza. O público vai poder vê-las no Torreão Nascente da Cordoaria Nacional até dia 2 de agosto, de domingo a quinta-feira das 10h00 às 19h00, sextas e sábados até às 21h00. Os bilhetes custam cinco euros, sujeitos a descontos.