São perto de 9 mil rótulos e 424 livros. No centro da coleção de Carlos Cabral, o vinho do Porto – aquele que o  brasileiro enófilo e consultor de vinhos diz ser o único no mundo que tem “unanimidade nacional”. De norte a sul do país, há um néctar das caves do Douro em casa dos portugueses, explica. A paixão de Carlos Cabral pelo vinho do Porto tem 46 anos. Ele tem 65. E a sua coleção, adianta, não tem preço.

Historiador, consultor, especialista, autor de livros sobre vinho do Porto, começou a colecionar rótulos de garrafas em 1982, quando viajou para o Douro pela primeira vez. Nunca mais parou de visitar a região. Em 33 anos, já esteve 53 vezes em Portugal. Apaixonado pela bebida? Carlos Cabral diz que é mais do que isso. “Eu sou um maluco pelo vinho do Porto. Costumo dizer que é o segundo amor da minha vida. E a minha mulher sabe bem dividir este amor“, conta.

A coleção que começou nas caves da Real Companhia Velha, na primeira visita ao país, já saiu de casa de Carlos Cabral para ser exposta em São Paulo, Noruega, Suécia ou Dinamarca. Quando o Observador lhe pergunta qual o valor monetário dos 9 mil rótulos, revela que não tem. E que o destino da coleção já está pensado.

“Faço parte de um movimento no Porto que quer lançar uma fundação em memória do vinho do Porto. Se a fundação vingar, vou doar tudo para essa fundação”, revela.

Carlos Cabral bebe todos os dias um copo do néctar do Douro à noite. Muitas vezes acompanhado pela mulher. Diz que bebe, inclusive, para escrever. “A inspiração vem de tudo quanto é lado”, conta. Autor de quatro livros, foi ele quem escreveu, juntamente com o português Manuel Pintão, o “Dicionário Ilustrado do Vinho do Porto”, editado pela Porto Editora em 2014. Estiveram em trabalho de pesquisa nas caves e produtoras durante seis anos.

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Os rótulos que “são verdadeiras obras de arte”

A dedicação ao néctar que nasce nas vinhas do Douro começou quando o sogro lhe ofereceu uma garrafa de Porto, em 1969. Tinha 19 anos. Gostou tanto e ficou de tal forma curioso que escreveu uma carta para as caves que detinham aquele vinho. “Os portugueses têm um grande defeito: respondem. E então comecei a pedir material didático, rótulos, etc”, conta.

A primeira viagem ao Porto só aconteceu 13 anos depois e foi em conversa com Augusto Pinto Soromenho Junior, da Real Companhia Velha, que os rótulos surgiram. As portas do arquivo abriram-se e só nesse dia, Carlos Cabral ficou com 4 mil rótulos. Voltou para o Brasil com dois pacotes cheios de história.

Quais os preferidos? Os da época do ouro, revela, entre 1910 e 1925. “São verdadeiras obras de arte”, conta. Carlos Cabral estima que existam entre 15 a 18 mil de rótulos de vinho do Porto no mundo.

Os livros começam a ser colecionados na mesma altura. Carlos Cabral tem cerca de 424 e diz que já teve “o privilégio” de os ler a todos. Com as partes mais importantes sublinhadas a amarelo, conta. “O que é mais importante são as dedicatórias que tenho nos livros, dos produtores que conheci”, diz. Carlos Cabral é um dos convidados do leilão que a Sogrape organizou para licitar uma garrafa de Porto Ferreira com 200 anos, cujo valor (6,75 mil euros) reverteu a favor da APELA – Associação Portuguesa de Esclerose Lateral Amiotrófica.

Ao Observador, conta que Portugal é o único país no mundo que tem uma “representação líquida”. “O Porto é a maneira líquida de representar o português”, diz, divertido. E acrescenta: “O vinho do Porto deveria ser para Portugal aquilo que o Carnaval é para o Brasil.” Na hora de beber o seu vinho do Porto diário, Carlos Cabral tem o seu momento solene do dia. “São os meus cinco minutos de glória”, diz.

E a paixão é transmitida ás gerações que se seguem. Os filhos de familiares e amigos recebem uma garrafa de vinho do Porto no dia do nascimento, juntamente com uma carta de três a cinco páginas, onde Carlos e a esposa, deixam, escrito, tudo o que desejam para a vida da criança.

A garrafa só é aberta quando a criança completar 21 anos. “Aí, ela descobrirá que o tempo faz ao vinho aquilo que também faz pela vida: só aumenta as qualidades”, diz.

Carlos Cabral já disse aos filhos que quando morrer, quer ser cremado e que as suas cinzas devem viajar num decanter (recipiente) até Portugal, onde deverão ser colocadas no rio Douro. No coração deste brasileiro, há um amor português. Do Porto. Tem 46 anos.