Candidatos há muitos, mas “quase-candidatos” por três vezes só há um — Manuel João Vieira. O músico e artista plástico de 53 anos é o eterno candidato à Presidência da República. Nunca chegou a vias de facto por falta de assinaturas mas garante que tem ideias: quer criar o Partido da Abstenção, acha que há uma “paralisia cerebral” no discurso político, considera que os candidatos deviam fazer provas como “tocar cavaquinho”, diz que a política “é uma coisa séria porque mexe com o que comemos ou não comemos” e que a primeira razão para alguém querer ser Presidente da República deve ser porque se diverte a sê-lo. Eis Manuel João Vieira em entrevista, sempre de braço dado com a ironia.
Considera-se o “eterno” candidato à Presidência?
“Eterno” não, porque a eternidade é da ordem da metafísica e do sagrado e, portanto, não é do âmbito da política. Posso ser o candidato do costume. Mas eterno, não.
Como é que estas três candidaturas aconteceram?
Existiram várias circunstâncias. A primeira foi em 2001. Era para fazer uma brincadeira para um programa de televisão. Mas depois resolvi meter-me na realidade a sério e tentar arranjar assinaturas e essas coisas. Não consegui. De qualquer maneira, aquela foi a primeira vez e foi a única realmente importante porque foi a primeira. Em 2011, tentei outra vez candidatar-me à Presidência da República mas houve sempre um problema: não arranjei as assinaturas.
O que é que o levou a concorrer pela terceira vez?
Eu não queria concorrer porque achava que já ia tarde demais. Mas houve uma ou outra pessoa que me incentivou a fazer isso e que me garantiram que iam arranjar as assinaturas. Eu fiei-me nisso e depois já era tarde. De qualquer maneira, estou a pensar formar um partido para poder ter organizações de base nos vários distritos de Portugal. E esse partido chamar-se-á Partido da Abstenção, o PA.
E como é que vai ser o Partido da Abstenção?
Vai ser um partido como os outros só que terá um programa com o qual os abstencionistas se vão identificar. A minha ideia é tirar o abstencionismo de uma espécie de situação em que está fora da lei para as pessoas serem assumidamente abstencionistas. É à volta do combate e da negação do próprio sistema partidário que nós queremos ter este partido.
Portanto, é um partido que vai incentivar as pessoas a não irem votar?
Não. É um partido que vai incentivar as pessoas a votarem no Partido da Abstenção. Portanto, incentiva-as a votar. É um partido bastante absurdo e paradoxal. É absurdo e paradoxal mas no entanto é metade de Portugal. Isto rima, não é?
Qual vai ser o programa do Partido da Abstenção?
É extremamente complexo. Estamos agora a trabalhar nisso. Estamos a copiar de vários sítios — do programa do PCP, do CDS, de outros partidos, e estamos a copiar também as plantas da bomba atómica de hidrogénio, para misturar um bocado de urgência nisto tudo, a declaração dos direitos dos animais, e também estamos a estudar Marx, Engels e o Mein Kampf. E ainda um bocado de Eça de Queiroz.
Quem são os outros membros do grupo que faz parte do PA?
Sou eu e mais algumas pessoas que se abstém de dar a cara.
Acho que as eleições têm de ser mais desportivas. Deve ganhar o melhor, mas acho que devia haver provas para os presidentes. Deviam tocar cavaquinho, por exemplo.
O que é que o leva a querer ser Presidente da República?
Para já, eu divirto-me com isto. Essa é a primeira razão. E acho que a primeira razão para se ser Presidente da República deve ser porque um tipo se diverte a ser Presidente da República. Eu estive a ver o debate entre os vários candidatos e cheguei à conclusão que, de facto, cada português pode ser Presidente. O que eu acho curioso é que, quando as pessoas que são de fora entram no circuito da candidatura real, parece que são obrigadas a ter um tipo de linguagem que é a mesma linguagem dos políticos normais.
Como assim?
Eh pá, a linguagem da política é um bocado como a linguagem do futebol. O Cavaco Silva dizia “temos de fazer mais e melhor”, depois há outros que dizem “temos que apertar o cinto”, há assim montes de chavões… Enfim, todo o vocabulário político já está no dicionário há muito tempo. A única coisa que as pessoas têm de fazer é repeti-lo e martelá-lo incessantemente. O que eu estou a dizer é que a própria linguagem e os próprios temas da política se repetem desde o século XIX. Entre as farpas do Eça de Queiroz e aquilo que se passa agora há uma semelhança fantástica. É preciso desconstruir o próprio discurso político e tentar fazer um discurso diferente. E isso é importante também na própria prática.
A realidade política é uma pescadinha de rabo na boca. É ótimo que apareçam mais pessoas para se juntarem à caldeirada mas acabam por ser todas fritas na cebola e no azeite da política. Acabam por ficar todos a falar da mesma forma”.
Porque é que acha que não conseguiu as assinaturas suficiente?
Não arranjei porque não tenho uma base sólida de secretariado nem de organização que me trate dessas coisas de uma forma eficiente. Sou bastante desorganizado. Podia ter-me esforçado mais, não sei. Devia era ter começado a recolher as assinaturas em abril. Eu inclusivamente fui a Fátima para falar com a Nossa Senhora para ela me arranjar assinaturas.
E o que é que ela respondeu?
Eu não ouvi nada. Mais uma vez, o Sagrado Mistério da Política continua sagrado.
Qual foi o máximo de assinaturas que conseguiu?
Não faço a menor ideia. Para aí 750. Em 2001 não faço ideia porque tive à volta de nove mil e tal mas o problema era o reconhecimento. Isto porque a maior parte das assinaturas foram angariadas em espetáculos ao vivo, sobretudo em queimas das fitas. Às tantas, quando já tínhamos as assinaturas, faltavam duas semanas para o fim da entrega ao Tribunal Constitucional e aí reparámos que a maior parte daquelas assinaturas estavam dispersas pelo país, por juntas de freguesia desde Bragança até Ponta Delgada. A questão é que, sem ter organizações locais nos vários distritos, era impossível reconhecê-las a todas.
Mas qual é o balanço que faz destas três candidaturas?
De certa forma, o que eu fiz foi abrir caminho. Fui pioneiro nesta coisa de haver alguém fora do sistema a tentar candidatar-se num meio detido pelos partidos. Nesse aspecto foi bom, porque o resultado neste momento é que há 10 candidatos. E eu contribui com o meu desbravar dos caminhos.
Sentiu-se fracassado por não ter ido avante nesta candidatura?
Sim, sim. É um fracasso muito grande. Tenho chorado imenso, ando deprimidíssimo. Só me apetece chegar ao Palácio de Belém e pôr lá bombinhas de mau cheiro. Sabe que eu acho que isto é uma maratona. Para mim, isto não são os 100 metros, é a maratona, e eu sou uma espécie de Maradona também. Mais o Maradona de agora do que o do princípio.
Acho que Portugal precisa de um orgasmo coletivo. É preciso marcar um dia.”
O que é que faria de si um bom Presidente?
O que é que faria de mim um bom Presidente? O que é que NÃO faria de mim um bom Presidente, a pergunta deve ser essa. Porque eu daria um excelente Presidente.
Em quê?
Em todos os aspetos. Para já, eu iria poupar imenso ao erário público. Estou disponível para remodelar o Hino Nacional à borla. Em vez de terem de arranjar um pintor para me fazer um retrato, posso fazer um auto-retrato. Há várias coisas boas. Depois, eu tenho ideias ao contrário dos outros. Tenho ideias para a construção civil, tenho ideias para a educação… Tenho ideias que nunca mais acabam.
Dê-me um exemplo de uma ideia para essas áreas.
Ora bem, tenho a ideia de fazer uma ponte de Portugal até aos Açores. Uma auto-estrada com cinco faixas de cada lado. Acho que isso pode dar bastante trabalho à construção civil. Por outro lado, ajuda-nos a vigiar a nossa Zona Económica Exclusiva que é a maior da Europa. Na educação, uma das ideias é as crianças votarem a partir dos seis anos. Acho que era educativo.
E do leque de candidatos, qual é aquele que mais se aproxima de si?
É uma boa pergunta. Eu acho que são todos. Não há nenhum que esteja afastado, são todos próximos. São todos porugueses e eu sinto pelos portugueses todos um carinho especial. Com toda a sinceridade, tenho um grande amor por todos os candidatos e candidatas.
Agora uma pergunta para uma resposta mais séria. Acha que os candidatos deviam ter esse lado mais divertido e descomprometido como o Manuel tem?
Boa pergunta. De facto a política é uma coisa séria porque é uma coisa que mexe com o que nós comemos ou não comemos. Mexe com coisas muito básicas da vida das pessoas. Isto é controlar as pessoas. É colocá-las ao nível da infantilidade. A política e os políticos tratam normalmente os portugueses como crianças. Nesse aspecto, eu tento falar com eles como adultos e não com aquela conversa do bê-a-bá do “olha o papão, olha a papa, olha os maus”, percebe? Isto é sempre uma sucessão de chavões e lugares comuns que é incessantemente repetida ao longo de gerações. É basicamente tornar os portugueses deficientes mentais. Há uma falta de nível brutal. Eu diria que há quase uma paralisia cerebral no discurso político.