O presidente da Câmara Municipal do Porto acusa a TAP de se estar a preparar para abandonar o Porto. Para além de a companhia aérea querer suprimir os voos de médio curso, a preocupação de Rui Moreira vai para aquilo a que chamou “o segredo mais bem guardado”: a abertura de uma ligação entre Vigo e Lisboa, uma estratégia para “drenar todo o tráfego da Galiza” que atualmente vai para o aeroporto Sá Carneiro. Esvaziado o aeroporto do Porto, a empresa poderá depois encerrar também os voos de longo curso que existem para o Rio de Janeiro e São Paulo, no Brasil, bem como para Newark, nos Estados Unidos. Só restará Lisboa. A TAP nega estar a aumentar a concentração do tráfego na capital.
A preocupação com a mudança do plano estratégico da TAP, que mantém 34% de participação pública, foi partilhada por todo o executivo municipal esta terça-feira, em reunião de câmara. O mesmo já tinha dito a Associação Comercial do Porto, na passada sexta-feira.
A 2 de dezembro, Rui Moreira disse ter tido conhecimento por parte de funcionários da TAP do Porto de que a administração estaria a estudar o fim das ligações intercontinentais. “Denunciei e a TAP não desmentiu”, recordou esta terça-feira o presidente, tendo a empresa dito na altura que nada estaria decidido, mas que se iriam manter as ligações intercontinentais, ou seja São Paulo, Rio de Janeiro e Newark. Apenas seriam interrompidas “algumas ligações de médio curso” pelo facto de a companhia não ter “frota disponível”. Por outro lado, a administração anunciou que haveria um conjunto de aviões a fazer viagens diárias entre Lisboa e Porto, como foi anunciado na semana passada. Para o vereador socialista Manuel Pizarro, a ponte aérea low cost faz parte do mesmo objetivo: ajudar a “desviar clientes do Porto para Lisboa”.
Na altura, Rui Moreira não se mostrou preocupado. “Parecia razoável. Em alguns voos médios a TAP tem dificuldade em concorrer por causa das companhias low cost“. Só que não foi isso que aconteceu. A TAP vai, sim, interromper o médio curso, ao encerrar as rotas do Porto para Milão (Malpensa), Roma, Bruxelas e Barcelona. O presidente mostra-se especialmente preocupado com o final da ligação a Malpensa, o principal aeroporto milanês, “amigável para quem faz negócios”. A Ryanair voa para Milão, mas apenas para o aeroporto de Bergamo. E a Easyjet “interrompeu precisamente a ligação para Malpensa porque a TAP fortaleceu a aposta” que agora suprime, recordou. A interrupção do voo para Bruxelas, capital da União Europeia, também é preocupante.
Mas não tanto quanto a nova rota Vigo – Lisboa, sinónimo, para o autarca, da canalização do tráfego galego para os voos que partem de Lisboa, quando até agora fazem a deslocação de carro até à Invicta. “Estão objetivamente a reduzir o hinterland do Aeroporto Francisco Sá Carneiro para depois justificar que afinal os voos intercontinentais não [tem passageiros]. E aí concretiza-se o que a TAP está a fazer há 12 anos, pelo menos, que é abandonar e destruir o aeroporto”, acusou o autarca.
“Não consigo compreender como se considera estratégica a ligação Vigo-Lisboa, parecendo claramente uma intenção de transformar Lisboa na plataforma portuguesa, eliminando o Porto”, concordou o Ricardo Valente, eleito pelo PSD. O vereador lembrou que o Estado tem direito de veto e exigiu saber como é que a questão foi tratada à mesa das negociações. O mesmo pediram os deputados do PS a 20 de janeiro, num documento enviado ao ministro do Planeamento e das Infraestruturas, Pedro Marques, que tem agora um mês para responder. São duas as questões:
- Se o Governo conhecia “previamente a intenção da TAP de suspender quatro ligações aéreas de e para o Aeroporto Internacional Francisco de Sá Carneiro e de cinco ligações de e para o Aeroporto Internacional de Lisboa”;
- “Que opções defende o Governo quanto ao plano estratégico do Aeroporto Francisco de Sá Carneiro e como pretende materializá-las”.
Rui Moreira aguarda agora para saber se a privatização será revertida pelo Governo de António Costa ou se a companhia adotará um modelo privado. Caso a decisão seja de uma empresa privada, “o Porto abandona a TAP e procura alternativas”, disse o autarca. Mas, enquanto empresa pública, “tem de prestar serviço público ao país todo, não só Lisboa.
“Os contribuintes portugueses pagaram uma empresa portuguesa mal gerida para depois pagar ainda uma empresa só de Lisboa. Temo o pior e isso é o sistema intermédio: o Governo vai ficar com uma posição na TAP e vai ficar a administração com todos os poderes. O Interesse da TAP pelo Porto, Faro, Funchal e Ponta Delgada é zero”.
Contactado pelo Observador, o diretor de comunicação da TAP, António Monteiro, esclareceu que cabe aos dois representantes do Estado à mesa das negociações da administração da TAP dizerem como votaram a alteração ao plano estratégico. O porta-voz recusou que a TAP esteja a aumentar a concentração de passageiros em Lisboa desviando tráfego do Porto, mas frisou que a companhia aérea “tem a sua base principal em Lisboa”, uma vez que “é onde há mais tráfego”. “Se alguém está em desacordo que se vá queixar ao Salazar”, disse, lembrando o criador da companhia.