O recém-chegado livro O Pequeno Ditador Cresceu é uma espécie de sequela da obra O Pequeno Ditador, o mesmo que em 2007 chegou ao mercado para vender 33 mil exemplares, só em Portugal, e abrir os olhos a tantos pais que estavam a educar os filhos com demasiada permissividade. Dez anos depois, os pequenos tiranos cresceram em altura e peso: a nova obra do psicólogo Javier Urra vem mostrar uma realidade pouco feliz que envolve situações de violência filiar.

Já antes o pedagogo espanhol disse à agência de notícias Lusa que tanto em Portugal como em Espanha existem casos de filhos capazes de maltratar mães e pais — admitiu até estarmos perante uma pandemia. Ao que parece, o problema está no facto de ser muito fácil e cómodo aprender a ser-se ditador quando os pais aceitam passar por escravos.

Por esse motivo, o Observador falou com Javier Urra de modo a conseguir identificar as características de uma criança tirana a tempo de evitar que esta recorra à violência verbal ou física para fazer valer o seu ponto de vista. Os sinais de alerta seguem abaixo.

Tudo gira à volta deles

Falamos de crianças com mais direitos do que deveres e que tendem a viver numa sociedade onde tudo gira à sua volta. Em causa está um padrão de educação muito permissivo que se distancia por completo daquele de gerações anteriores, em que os pais eram tidos como figuras de autoridade. Para apontar as possíveis consequências dessa mudança, Javier Urra fala de uma sociedade democratizada onde os papéis do homem e da mulher têm vindo a alterar-se e os filhos já não são encarados enquanto posse dos pais.

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O excesso de preocupação dos pais em relação aos filhos é um problema. Cerca de 40% dos pais e mães espanhóis não sabem como agir com os filhos. Cerca de 8% são agredidos pelos filhos, os filhos não entendem a relação edipiana com as mães. A mãe ensina que o mais importante da casa é o filho e não o casal e isso é um erro. A criança é apenas mais um.”

O Pequeno Ditador Cresceu, página 59

Têm demasiada liberdade

Para Javier Urra a infância está demasiado reduzida, no sentido em que os mais novos, por critério dos próprios pais, já podem optar e decidir sobre determinados assuntos. Não é por acaso que, no que toca a crianças tiranas, estas conseguem que a vida familiar seja organizada em sua função. Dito isto, Urra enfatiza que a liberdade deve ser dada com uma boa dose de limites à mistura e admite que as famílias tendem a tratar os filhos como tesouros de palmo e meio, razão pela qual deixa uma ressalva: “Nós, pais, não somos escravos dos nossos filhos. Somos pais e temos os mesmos direitos que têm os filhos.”

Uma sociedade permissiva que educa os filhos nos seus direitos e não nos seus deveres produz filhos tiranos. Introduziu de forma equívoca o lema ‘não pôr limites’ e ‘deixar fazer’, abortando uma correta maturação. Para ‘não traumatizar’ fazem cedências, permitem-lhes e oferecem-lhes tudo. Existe hoje em dia uma falta total de autoridade dos pais em relação aos filhos.”

Fazem birras intencionais

Tudo começa muito cedo e as birras podem servir de diagnóstico para os pequenos (grandes) ditadores — são disso exemplo os momentos em que uma criança faz uma fita desesperante e, como consequência, os pais cedem aos seus pedidos. Mas uma coisa é o capricho, esclarece o psicólogo, outra é uma situação que provoca ira e cólera numa criança. Javier Urra assegura que os mais novos são capazes de chantagear com o carinho e com recurso à birra.

O seu comportamento colérico, para lá da simples convulsão, faz temer uma adolescência conflituosa e talvez contribua para aumentar um problema social sério: a violência juvenil.”

O Pequeno Ditador Cresceu, página 56.

Mas porque é que a fita está no começo de tudo? Porque depois dela vem o pontapé que muitas vezes é menosprezado pelos pais. Sobre isto o psicólogo e pedagogo faz questão de lembrar que o que hoje é um pontapé “inofensivo” — porque a criança ainda é pequena –, amanhã poderá ter outras proporções e consequências. A isso seguem-se ainda os insultos, a humilhação e, em algumas circunstâncias, a violência física. E, garante Urra, é sempre a mãe quem sofre em primeiro lugar.

Dão ordens aos pais e são insensíveis

Os pequenos tiranos costumam ser filhos únicos ou, então, têm irmãos que já abandonaram o lar. Mas há mais: são crianças caprichosas, que não conhecem limites e até dão ordens aos pais e chantageiam todos aqueles que se metem no seu caminho. Além de quererem ainda ser constantemente o centro das atenções, são desobedientes e apresentam uma grande insensibilidade emocional.

Não sabem aceitar a frustração

À partida são crianças que desde cedo não sabem ouvir a palavra “não”, o que ajuda a explicar que tenham dificuldades em lidar com a frustração e em desenvolver sentimentos de culpa. São ainda muito paranoicas ou sensíveis a tudo o que possa parecer ou soar contra a sua pessoa ou que lhes possa causar dano. Num mesmo sentido há outras caraterísticas a registar: por norma são egoístas, narcisistas e até hedonistas.

Há que ensinar os filhos a aceitar as situações que nos incomodam e desgostam, a conviver com alguns fracassos. O êxito é efémero. A felicidade completa não se pode atingir. (…) Aceitar e enfrentar frustrações forja uma personalidade mais sã, equilibrada e madura.”

O Pequeno Ditador Cresceu, página 147

Tenho um filho tirano, o que posso fazer?

Tal como o autor disse em entrevista ao Observador, o livro em questão foi escrito para prevenir que uma criança se torne numa pequena ditadora. Quer isto dizer que, caso o filho adolescente já manifeste os comportamentos acima assinalados, o melhor será consultar a ajuda de um profissional. No entanto, até aí chegar há alguns conselhos a registar, tendo sempre em conta que os três primeiros anos de vida são fundamentais na aprendizagem e nos ensinamentos de cada criança, os quais têm o poder de moldar a respetiva personalidade.

Eis algumas normas básicas de disciplina para os mais novos, retiradas da obra de Javier Urra:

  • Obedecer aos pais;
  • Não bater (aos pais, irmãos, amigos);
  • Não mentir;
  • Não responder com maus modos;
  • Não gritar quando se zanga;
  • Não interromper os mais velhos quando estão a falar;
  • Não partir ou estragar coisas da casa e da escola;
  • Não tirar coisas aos irmãos e/ou amigos;
  • Respeitar os horários para almoçar, jantar, estudar, brincar e ir para a cama;
  • Não ameaçar os pais que vai fugir de casa.

E para que uma ordem ou instrução seja eficaz…

  • Dê apenas uma instrução de cada vez, não repita ordens mil vezes;
  • É mais eficaz dar uma ordem de maneira consecutiva do que tentar impor várias ao mesmo tempo;
  • Dê oportunidades de obedecer mediante avisos e lembretes;
  • Elogie a obediência e estabeleça consequências para a desobediência. Se a criança sabe que uma atitude ou ação concreta implica sanção e a comete, que esta seja cumprida.