Nome: Sibéria
Autor: Olivier Rolin
Editor: Tinta-da-China
Páginas: 109
Preço: 16,90€
Em “O Nome da Sibéria”, o primeiro dos nove textos agora compilados pela Tinta-da-China que Olivier Rolin escreveu, entre 2001 e 2011, sobre a Sibéria, o escritor francês fala do encanto secreto que a região tem para si e que começa na beleza do próprio nome. Rolin afirma que gosta do nome Sibéria, em primeiro lugar, porque é bonito. “Porquê? Não sei, mas é bonito” (página 13).
Em Do Lado de Swann, primeiro volume de Em Busca do Tempo Perdido, Marcel Proust fala de como o nome Parma, devido à sílaba pesada do seu nome, contaminara, desde que lera A Cartuxa de Parma, a sua ideia da cidade italiana, tornando tudo o que com ela se relacionasse “compacto, liso, violáceo e suave”. Esta ideia proustiana de que aquilo que lemos marca indelevelmente a forma como vemos o mundo é uma chave de leitura fundamental para a compreensão não só desta passagem mas de todo o diário de viagens.
Ao procurar dar razões para esta beleza, Rolin explica-nos que a beleza do nome de uma terra não está nem na sua concisão, uma vez que Roma é tão agradável ao ouvido como Vancouver, nem na distância, mas antes na musicalidade das palavras, que nos leva a murmurá-las em aeroportos e estações de comboios distantes. O encanto de Sibéria, conclui finalmente, está no facto de conter em si aquilo a que o escritor chama “a expansão das coisas infinitas. Sibéria soa bem, vasta, como o Sara.”
No resto do artigo, Rolin esforça-se por construir a sua ideia da região de que se propõe falar, da região onde as fronteiras são abolidas ao ponto de os nativos não fazerem ideia da distância a que a sua terra fica do Oceano, da região a que se referirá como “alto-mar em terra” (página 16). No entanto, o esforço que faz para a descrever é vão. Nas cem páginas que escreveu, Rolin não conseguirá dizer da Sibéria senão que é ‘bonito’ e é precisamente essa incapacidade que torna o livro interessante.
O primeiro motivo para este fracasso é avançado pelo próprio autor, ainda no primeiro artigo, quando postula, em tom de mandamento: “Afastarmo-nos das origens, distanciarmo-nos tanto quanto possível dos lugares habituais, faz parte das ambições honrosas” (página 18). É a necessidade de fuga da familiaridade e do hábito que confere beleza ao território russo, mas é também isso que o impede de falar sobre essa beleza, porque, como desabafará mais à frente em “A Jovem de Irkutsk”, “há muitas palavras francesas que traduzem mal as coisas russas, temos de nos habituar e aceitar” (página 25). O problema de escrever sobre a Sibéria é, portanto, em primeiro lugar, um problema de vocabulário. A distância que vai de Paris a Vladivostoque é tão grande que torna as palavras usadas na capital parisiense totalmente incapazes de descrever o que quer que seja da realidade siberiana.
Este afastamento de casa, dos “lugares habituais” é tão radical no caso de uma visita à região da Sibéria (e ‘região’, diz Rolin, é precisamente uma das palavras que não traduz minimamente as coisas russas) que o nosso vocabulário se torna obsoleto. É nessa direcção que o escritor aponta também em “Prosa Transiberiana”, ao confessar:
O desfilar imenso da natureza faz-nos sentir a pobreza do nosso léxico. Para as coisas urbanas, temos mais ou menos as palavras que as designam, mas para as do reino vegetal? Sentimos a impressão de entrar num país diferente” (página 45)
Isto leva a que a única solução seja recorrer a inúmeras passagens de obras de autores (preferencialmente russos) sobre os lugares de que pretende falar, para assim ultrapassar o obstáculo que a linguagem ergue.
Alto-mar em terra
O motivo principal para a incapacidade de Rolin em falar da Sibéria e para esta avalanche de citações que encontramos em Sibéria é, no entanto, outro e pode ser melhor compreendido depois de analisado “A Jovem de Irkutsk”. Neste artigo, o escritor conta que, depois de regressar a Paris vindo de Vladisvostoque, em 2011, recebera uma mensagem de uma jovem a quem dera aulas em Irkutsk, treze anos antes. À boleia dessa mensagem, Rolin inicia uma viagem pelos seus arquivos e memórias, passeando mentalmente pelas ruas de Irkutsk, que lhe lembram Olga, a estudante por quem, segundo diz, se apaixonara ligeiramente. Olivier Rolin mostra-nos assim que, ao passear por Irkutsk, está na verdade a passear pelas recordações que tem de Olga, sendo exactamente isso que veremos acontecer ao longo do livro. Quando Rolin escreve sobre a Sibéria, raramente diz o que quer que seja sobre a terra russa porque a sua ideia de Sibéria é uma ideia que depende muito pouco do que viu nas suas viagens.
Olivier Rolin faz neste livro pouquíssimas descrições de paisagens e quase não conta histórias. Em certo sentido, as mais de vinte e cinco viagens feitas (de acordo com a nota biográfica que acompanha o livro) pelo escritor à Sibéria foram desnecessárias, porque aquilo que o autor vê é inteiramente moldado pelo que leu. Rolin passa o livro a citar autores russos que escreveram sobre os sítios que visitou porque, como é dito em “Tu Não Viste Nada em Vladivostoque”, “melhor do que o Google, os livros servem para ver”. Em última análise, o título do artigo resume com precisão o que se passa com Rolin. O autor de O Meteorologista não viu nada em Vladivostoque porque Vladivostoque já estava vista ainda antes de o avião que o trouxera de Paris pela primeira vez aterrar. As inúmeras citações que encontramos em Sibéria servem precisamente para nos mostrar que Rolin só consegue ver a Sibéria à luz do que lera sobre a Sibéria, porque a única maneira de vencer a inaptidão da língua francesa para descrever o “alto-mar em terra” e o choque causado pela distância que o separa do que lhe é conhecido é através da tradução de descrições de escritores russos.
Se este exercício de permanente citação e contextualização pode parecer, à luz do que é dito acima, interessante, o resultado prático torna-se todavia em muitos momentos aborrecido. Embora as constantes referências às obras de Tolstoi, Grossman e Tchekov permitam a criação de um imaginário que nos transporta para a Sibéria segundo Rolin, em muitos outros momentos, parecem servir apenas para demonstrar uma vasta erudição e algum pedantismo por parte do autor francês. É pena que momentos como aquele em que, sem grande contexto, se interroga sobre “que melhor lugar do que Ulan-Ude, nos confins da Mongólia, para receber a notícia do prémio Paul Morand?” (página 38) retirem o brilho a alguns momentos de prosa notáveis, como, por exemplo, quando afirma, a propósito dos diferentes fusos horários siberianos:
O mapa das zonas horárias é uma pele de tigre. O tempo assemelha-se ao vento, que não avança como uma frente mas como uma matilha de lobos que correm de um lado para o outro, volta atrás, fareja o chão, pára, avança de novo, ou ainda como a maré que invade por mil canais sinuosos um areal plano” (página 42).
João Pedro Vala é aluno de doutoramento do Programa em Teoria da Literatura da Universidade de Lisboa.
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