O vencedor do prémio Camões é Raduan Nassar. O escritor brasileiro com 80 anos tinha sido um dos 13 finalistas do Prémio Man Booker Internacional: foi, juntamente com José Eduardo Agualusa, o único a representar a língua portuguesa na respetiva competição. Nassar sucede à escritora portuguesa Hélia Correia, vencedora do Prémio Camões de 2015, e torna-se no 12º brasileiro a receber aquele que é tido como o mais importante prémio literário com vista a distinguir autores da língua portuguesa.
Apesar da marcante ausência de vida literária há cerca de duas décadas, Nassar recebeu esta segunda-feira a distinção, com o júri a elogiar a “complexidade das relações humanas” presente nas suas obras. O anúncio do vencedor aconteceu no decorrer de uma conferência de imprensa com o secretário de Estado da Cultura, Miguel Honrado, e o júri.
Raduan Nassar nasceu em 1935 em Pindorama, em São Paulo, onde passou a infância. Já na adolescência mudou-se para São Paulo onde viria a estudar direito e filosofia. A estreia na literatura aconteceu em 1975 com “Lavoura Arcaica”. Seguiu-se “Um Copo de Cólera”, publicado em 1978, e “Menina a Caminho”, de 1997, que reúne contos por ele escritos nas décadas de 1960 e 1970. Com apenas três obras por si assinadas, o autor tem livros traduzidos em países como Espanha, França e Alemanha.
Francisco Vale, da Relógio D’Água, a primeira editora a publicar livros de Nassar em Portugal, recorda a “escrita muito criativa e surpreendente” do autor, a mesma que entrou “em rutura com o neorealismo brasileiro”. “Ele criou uma linguagem e um universo inteiramente novos.” Se em Um Copo de Cólera Francisco Vale elogia o facto de o escritor contar a mesma história na perspetiva feminina e masculina, na obra A Lavoura Arcaica sublinha a “parábola sobre si próprio” numa “escrita completamente invulgar”.
Já o “Menina a Caminho” é o livro mais presente na memória de Afonso Cruz, escritor português que destaca o tipo de linguagem presente nos contos, mas também “as descrições muito fortes”.
“Tanto no personagem de «Lavoura Arcaica» que foge da solidão e do fechamento, como no casal de «Um Copo de Cólera» o que me interessa é a capacidade de Raduan Nassar fazer retratos complexos em tão poucas páginas”, diz ao Observador o escritor Francisco José Viegas, acrescentando que prefere “Lavoura Arcaica” “pela sua densidade, um certo tom barroco, antigo, ou pela melancolia libanesa, que ele herdou da família (nota-se que leu o Corão)”.
Francisco José Viegas salienta ainda que Nassar é “um dos grandes escritores brasileiros de hoje, embora retirado. Essa fuga dos holofotes e dos salões da literatura fez dele um mito, um autor de culto”.
O Prémio Camões, já na sua 28ª edição, premeia todos os anos um autor de língua portuguesa, tendo sido instituído pela primeira vez em 1989 por Portugal e Brasil. No primeiro ano a distinção foi atribuída a Miguel Torga.
“Uma ótima decisão, uma grande escolha”
José Eduardo Agualusa, leitor entusiasta da obra de Raduan Nassar, classificou a entrega deste prémio como “uma ótima decisão, uma grande escolha, e é a última das grandes figuras literárias que ainda não tinha recebido o prémio”. Acrescenta ainda: “Na verdade, agora vai ficar ainda mais difícil de entregar o Prémio Camões porque todos os nomes históricos já o receberam.”
O escritor angolano recorda ao Observador que Nassar “é um homem que tem uma obra muito escassa, três livros” mas aponta o essencial: “Os dois romances que fez são fantásticos, são marcos importantíssimos da literatura brasileira”.
Sobre o Prémio Camões, José Eduardo Agualusa considera que “tem que servir também para dar a conhecer autores que não são tão conhecidos fora do seu espaço”. Raduan Nassa encaixa na perfeição neste perfil, diz: “Embora seja extremamente conhecido e venerado no Brasil, não é conhecido em Portugal, apesar de ter os três livros aqui publicados. E os prémios também têm que servir para cumprir esta tarefa”.
Sobre aquilo que diferencia Raduan Nassar, o que faz da escrita do brasileiro algo único, Agualusa refere a “densidade psicológica das personagens, a forma como os cria é marcante e é difícil não nos prendermos à sua evolução”.