Nos debates realizados antes do congresso com socialistas e independentes — que decorreram esta sexta-feira à tarde num hotel junto à FIL onde decorre a reunião magna socialista –, o ministro da Economia ouviu uma sugestão para se criar um super-regulador. No painel sobre cultura, António Pedro Vasconcelos, realizador de cinema, garantiu que o Estado não metia um tostão no cinema desde o 25 de abril. Noutro debate, o défice populacional não deu margem para otimismos. E na sala onde se falou de Educação sublinhou-se a necessidade de serem recuperadas as Novas Oportunidades e a educação de adultos. No debate sobre o acordo das esquerdas, o politólogo André Freire, acusou Francisco Assis de “patologia”, por estar parado no tempo da Guerra Fria.
Avisos, sugestões, críticas. E um ministro a defender o Governo
Frederico Fortunato, presidente da Kyaia, a empresa dona da marca de sapatos FlyLondon, foi o primeiro a arrancar uma gargalhada da assistência: pediu cuidado com as políticas que facilitam os empréstimos, “foram todos comprar automóveis”, atirou, frisando que depois as consequências não ficam só para quem contrai os empréstimos, mas também para os patrões desses mesmos trabalhadores.
A sala ouvia quatro palestrantes que estavam em busca de um modelo económico para reforçar a competitividade, mas que consiga fintar os baixos salários. E o empresário estava imparável. Olhando de frente para João Galamba, deputado do PS à Assembleia da República que naquele momento exercia a função de moderador, denunciou uma decisão que “só atrapalha”: a atribuição de três dias de descanso extra aos trabalhadores com boa assiduidade.
Fortunato Frederico não tem dúvidas: “Eu preferia que se desse mais salário; aqueles três dias desorientam-me a produção contínua”.
Ficou registada a nota. O aviso seguinte veio de Sandro Mendonça, economista e professor no ISCTE. “A governação atual ainda não tem uma ideia articulada do lado da oferta”, defendeu. De seguida, apresentou sugestões para ajudar a economia a melhorar a qualidade e a competitividade da sua oferta. Por exemplo, denunciou a proliferação de “pequenos reguladores” que há em Portugal – um modo de organização que lhes retira peso e poder, além de representar despesa pública desnecessária. Há que criar antes “um grande regulador”, defendeu o economista.
Mas não ficaria sem resposta. Caldeira Cabral, ministro da Economia, entrou na sala a meio da intervenção de Sandro Mendonça e aproveitou a abertura do debate a perguntas da plateia para defender o Governo. Depois de concordar sobre as observações feitas no que toca aos reguladores – “concordo”, disse, “e acho que se tem de avançar por aí” – argumentou que a “ideia de colar só a estratégia de estímulo ao consumo à imagem do Governo é completamente falsa”.
Os outros quatro défices: Resolver a demografia demora décadas
Não foi o défice das contas públicas que esteve em discussão, foram outros. No painel “Quatro défices da sociedade portuguesa”, debateram-se as debilidades portuguesas nas qualificações, nas desigualdades, na demografia e no território. O quadro mais negro foi traçado pelo sociólogo Rui Pena Pires, do ISCTE e do Observatório da Emigração. “Estamos muito longe de assegurar a substituição das gerações”, afirmou o sociólogo, que apresentou dados que acentuam o pessimismo e a preocupação que atravessa os vários partidos. Portugal tem o índice de fecundidade mais baixo da Europa: “Temos mais idosos, menos jovens e menos ativos por cada inativo”. As tendências não são fáceis de reverter, porque são “pesadas” e demoram décadas. “Se amanhã a fecundidade começasse a subir para níveis da Suécia, para ter efeito sobre os efetivos populacionais tínhamos de esperar décadas”.
O problema demográfico podia ser atenuado com a imigração, mas “nunca tivemos grande imigração”, disse Rui Pena Pires. “Portugal é capaz de ser um país tolerante com a imigração, mas nunca tivemos a experiência da Àustria ou da Alemanha. Só tivemos essa experiência com os retornados em 1975”. As políticas públicas neste domínio são complexas: não é possível mandar as pessoas terem mais filhos nem proibi-las de sair do país. Para Pena Pires, uma adjuvante podem ser políticas que eliminem os obstáculos para conciliar família e trabalho. A conclusão parece fácil: se formos atrativos, criamos empregos, e haverá menos gente a querer sair e mais a querer entrar.
Sobre qualificações, Luís Rothes, coordenador da Escola Superior de Educação do Politécnico do Porto, identifica problemas “gravíssimos” na qualificação de adultos. “Preocupa-me o exercício de descredibilização das Novas Oportunidades, porque conseguimos avanços sérios na qualificação dos adultos”. Outro problema, na opinião deste especialista, são as “taxas de retenção elevadíssimas, acompanhadas por um discurso assumido pelos atores políticos do Governo anterior, de que sistema educativo está cheio de gente facilitista em relação aos estudantes.”
Os défices da interioridade também foram debatidos. “As políticas territoriais só têm um impacto de 20 a 30 por cento, porque o resto tem a ver com o sistema económico”, afirmou Mário Vale, diretor do Centro de Estudos Geográficos da Universidade de Lisboa. Fez outra afirmação polémica: “É difícil que os fundos estruturais vão atenuar as assimetrias regionais”. A economista Francisca Guedes de Oliveira fez uma análise do programa de ajustamento para dizer que foi feito ao contrário: não devia ter sido realizado no sentido sequencial de finanças públicas — economia — bem estar final, mas tocando todos estes aspetos em simultâneo.
Acabar com a “suborçamentação estúpida” e mais cultura na Educação
O que se quer na área da Cultura? Mais dinheiro e mais ligação à área da Educação. Foi sobretudo isto que ligou oradores e ouvintes do painel “Por uma política cultural para o século XXI”. Também por lá passou um autarca — no caso, o socialista Vítor Aleixo, de Loulé — a garantir que a cultura é uma das principais apostas locais.
Na sala estava o secretário de Estado da Cultura que ouviu um desfiar de queixas, a começar pela suborçamentação da área. Mas ali, Miguel Honrado só esteve a ouvir a consultora de projetos culturais Vânia Rodrigues dizer que a “suborçamentação da cultura não é só injusta, é estúpida”. E a actriz e produtora Zia Soares, a outra oradora convidada, atirava ao mesmo alvo.
Na plateia, o governante ainda ouviu uma voz conhecida do cinema, António Pedro Vasconcelos, a queixar-se que Portugal é “o único país da Europa onde o Estado não mete um tostão no cinema desde o 25 de abril” e também das taxas cobradas no setor que, garante, estão a “criar um mal-estar terrível”. Só o presidente da Câmara de Loulé contrastava com a realidade ali traçada, garantindo um orçamento anual na sua autarquia de 6 milhões de euros para a área cultural.
O moderador e organizador do painel foi o gestor cultural António Pinto Ribeiro, que introduziu o debate a alertar que uma “política cultural isolada de uma política para a educação” é incapaz de combater “este retrocesso civilizacional”. Foi seguido por Vânia Rodrigues que considerou que “só uma desatenção muito grave justificaria que os ministérios da Cultura e da Educação não estivessem já a preparar projetos conjuntos”. Inês Lapa, atriz e parte do projeto cooperativo Espaço das Aguncheiras dava corpo à crítica dizendo que “se os projetos não são apoiados centralmente, as escolas não os podem ter lá. Não vivemos do ar”.
Para Inês de Medeiros, hoje presidente do Inatel mas nos últimos anos deputada do PS, dava conta da sua insatisfação noutra matéria: a protecção dos artistas. E revelou que a lei que regula o direito e a propriedade intelectual “não está a ser cumprida”, depois de uma aprovação “unânime” no Parlamento há um ano.
Retomar a herança de esquerda e socialista da educação de adultos
O colóquio sobre Educação acabou por centrar-se, sobretudo, numa discussão sobre a necessidade urgente de relançar as bases para a educação de adultos. Por entre muitas críticas à herança do Governo de Pedro Passos Coelho, Paulo Pedroso, um dos intervenientes no debate, não deixou de questionar a “passividade” com o PS absorveu uma ideia “neoelitista” de que “se a educação for para todos prejudica as elites”.
Na intervenção que levou a debate, o socialista alertou para a necessidade de o Estado português concentrar esforços na correção das desigualdades sociais alimentadas pela alta taxa de abandono escolar. A educação permanente é a única forma de travar o problema da “exclusão social”, sublinhou o socialista. Retomar a aposta na formação de adultos deve ser o desígnio dos socialistas como partido democrático e de esquerda, insistiu Pedroso, à semelhança do que foram fazendo os intervenientes que se lhe seguiram.
Alberto Eduardo da Silva e Melo, responsável pela implementação do Projeto de Sociedade SABER+ — que lançaria as bases para os programas de educação de adultos –, não seria diferente. O investigador também destacou a falta de “uma política pública coerente, articulada e estruturada de educação de adultos” em Portugal. “É [vista como] a irmã feia da Cinderela”.
Antes de Pedroso e Alberto da Silva Melo, também a pedagoga Maria Emília Brederode Santos alertou para a necessidade de repensar a escola, no sentido de “formar pessoas capazes de aprenderem ao longo de toda a vida”. Igualmente importante, assinalou, é garantir uma diversificação de currículos e de fórmulas de aprendizagens mais coerentes com os desafios do século XXI.
Pedro Abrantes, investigador e sociólogo, deixou, sobretudo, uma mensagem: “Só há liberdade quando as pessoas crescem e vivem em diversidade”. É preciso combater a exclusão e todas as formas de discriminação nas escolas, assim como dar liberdade às famílias para fazerem escolhas em função daquilo que acreditam ser o melhor para o futuro pessoal, académico e profissional.
A terminar, o secretário de Estado da Educação, João Costa, tomou a palavra para, mais uma vez colocar a tónica na educação de adultos. O governante começou por criticar “a campanha negra que foi feita em torno das Novas Oportunidades” e garantiu que o Governo socialista tudo fará para relançar as bases do ensino permanente.
“Uma coisa patológica”, a posição de Francisco Assis, acusou André Freire
Um outro painel, em que foram oradores os politólogos André Freire e Tiago Fernandes debateu o “Governo de esquerdas: a importância das alianças sociais e políticas – caso português no contexto europeu” e fez-se a defesa da solução governativa atual.
Depois de a deputada Isabel Moreira ter afirmado, numa pequena intervenção no período de debate, que a sua geração estava “sequiosa” para que se ultrapassem os traumas do Período Revolucionário em Curso (PREC) que impediam entendimentos à esquerda, André Freire criticou Francisco Assis, pelas suas posições dissonantes.
O politólogo disse que os problemas entre as esquerdas se prendem também com a Guerra Fria e disse que “Francisco Assis tem um trauma desse género” parece que “está parado no período entre guerras” e “nem reparou no Kruschov”.
“Acho que é uma coisa patológica”, ironizou André Freire sobre Francisco Assis.
A questão da duração da atual solução de Governo foi também tema de discussão. André Freire recusou fazer da questão do cumprimento dos quatro anos de mandato “o alfa e o ómega”, mas considerou que “é preciso que esta solução perdure”.
“Esta solução para vingar deve desejavelmente durar a legislatura”, disse.
Pedro Bacelar de Vasconcelos, atualmente deputado do PS e presidente da comissão de Assuntos Constitucionais, foi particularmente veemente na afirmação de que é importante que a solução governativa “se afirme em atos e resultados pelo mais longo período possível”.
“Não é fundamental que dure quatro anos, mas não é indiferente”, argumentou, sublinhando a possibilidade de “fatores externos”, vindos da Europa “controlada pelo PPE [Partido Popular Europeu]”, poderem “ditar desenvolvimentos adversos e imprevisíveis”.
Já Tiago Fernandes, considerou que “o que interessa é que no período em que existe o casamento se façam transformações na sociedade portuguesa”.