O projeto vencedor do concurso de ideias lançado pela Câmara de Lisboa para a requalificação do Jardim da Praça do Império, em Belém, prevê a substituição dos históricos brasões florais por um espaço relvado. Os 30 brasões florais que representam as armas das cidades capitais de distrito do país e das antigas províncias ultramarinas teriam um custo de manutenção de 24 mil euros anuais, segundo afirmações de José Sá Fernandes, vereador dos Espaços Verdes da autarquia. Daí a ideia de os substituir.

Sá Fernandes assumiu em 2014, em declarações à TVI24 que a iniciativa de não recuperar os brasões ligados à História do colonialismo era “uma opinião pessoal [sua], não da câmara”. Nessa altura a ideia foi amplamente contestada, mas tudo indica que vá mesmo avançar na sequência da ratificação da decisão do júri que definiu o vencedor, segundo e terceiro classificados do concurso de ideias lançado pela câmara. Segundo o DN, é expectável que a aprovação aconteça na deliberação desta terça-feira da câmara lisboeta.

No verão de 2014, o CDS considerou a ideia “medíocre” e acusou o executivo camarário de uma atitude de “quero, posso e mando”. Para os centristas, a “História deveria ser preservada”, mesmo que os brasões aludam ao passado colonial português. Uma opinião partilhada por João Soares, ex-presidente da Câmara Municipal de Lisboa. O ex-autarca socialista afirmou na altura que o novo projeto é “um disparate” e reforçou que “a História tem de ser assumida sem complexos”.

Apesar da Associação de Defesa do Património de Lisboa (ADPLx) ter convocado uma manifestação na Praça do Império contra a destruição dos brasões e ter lançado uma petição online que foi assinada por mais de 1.700 pessoas, a decisão pode mesmo avançar, dependendo de como correr a votação desta quarta-feira.

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“É um apagão da História”

João Gonçalves Pereira, vereador do CDS na Câmara Municipal de Lisboa mantém a posição sobre o assunto e disse em declarações ao Observador que vai votar contra a proposta. Para os centristas, este avançar do processo “causa enorme indignação” e o sentimento de que “foram enganados”.

Quando o vereador Sá Fernandes decidiu há dois anos que iria tirar os brasões da Praça do Império, António Costa, então Presidente da Câmara mostrou-se “surpreendido” com a decisão. E disse, na altura, que iria tentar arranjar uma solução inovadora para os jardins da Praça, que implicasse menos custos de manutenção mas que respeitasse a História.

Agora que o projeto da substituição dos brasões pela relva é uma realidade, o vereador do CDS atribui culpas à autarquia:

“Os projetistas apresentam os projetos com base nas orientações que têm e agora é dado a perceber que não foi dada nenhuma orientação, relativamente à criação de uma solução que respeitasse aquele período da História de Portugal. Não há apagões da História, é a realidade que temos.”

Em comunicado, o PSD considera a destruição dos brasões uma “obsessão de Sá Fernandes” e indicia “um preconceito ideológico gritante próprio da pequena dimensão intelectual” do vereador dos Espaços Verdes. Na missiva, Sérgio de Azevedo da Bancada Municipal do PSD deixa um apelo a Fernando Medina, Presidente da Câmara de Lisboa:

Ponha cobro a estes devaneios intelectuais e que assuma de uma vez por todas a liderança do município que honrosamente herdou e que defenda a relevância histórica do nosso país em detrimento da irrelevância da personagem de Sá Fernandes”, lê-se no documento.

Embora o sentido de voto na deliberação da Câmara Municipal não esteja expresso de forma clara no comunicado, é previsível que o voto seja contra, como o do CDS. A reunião promete fazer renascer a polémica em relação ao espaço verde que foi projetado pelo arquiteto Vasco Lacerda Marques, integrado no desenho da Praça do Império, da autoria do arquiteto Cotinelli Telmo construída para a Exposição do Mundo Português, que se realizou em 1940.

Brasões florais não fazem parte do projeto original

Mas Maria Simoneta Luz Afonso, presidente júri que foi nomeado pela Câmara Municipal de Lisboa para avaliar as propostas de requalificação do jardim da Praça do Império, atribui pouca importância à polémica que, na sua opinião, se baseia no desconhecimento do desenho original do espaço.

“Os brasões são um pormenor, o que interessa é a requalificação do jardim”, justificou. Um pormenor que é importante para os vereadores de CDS e PSD em termos históricos e que a presidente do júri fez questão de enquadrar:

O projeto original do arquiteto Cotinelli Telmo não continha brasões, a não ser no lago. E eles lá estão, em pedra, à volta do lago central. Os brasões foram postos temporariamente para uma exposição de floricultura, para as comemorações henriquinas, em 1961. Portanto, não fazem parte integrante do jardim”, explicou ao Observador.

Além disso, os brasões florais “estão em muito mau estado” e a equipa projetista “propôs uma utilização muito mais interessante para o espaço” que inclui a substituição dos brasões por algo que “permite que as pessoas se sentem e usufruam”. Este “é o melhor projeto e foi escolhido por unanimidade”, frisou Maria Simoneta Luz Afonso. O projeto do gabinete de arquitetura ACB Paisagem, de Cristina Castel-Branco “envolve toda a praça e envolve o monumento do Mosteiro dos Jerónimos com o rio e dignifica o próprio jardim”.

Para a presidente do júri, não há dúvida que o projeto escolhido respeita a “traça original do jardim” e dá-lhe “uma dinâmica própria para o século XXI”. Questionada pelo Observador acerca da intenção de voto contra do CDS e opinião do PSD, disse que “não fazia prognósticos”. E reforçou que “os brasões são a menor das coisas, os originais estão no lago e só quem não conhece o projeto original é que continua a insistir nessa história“.

Artigo atualizado às 19h15m com as reações de Maria Simoneta Luz Afonso, presidente do júri nomeado pela CML para avaliar os projetos de requalificação do Jardim da Praça do Império.