O antigo presidente da Câmara Municipal de Lisboa, João Soares, considera “um disparate” a intenção da autarquia liderada por António Costa de não recuperar os brasões em buxo dos antigos territórios ultramarinos na Praça do Império, em Belém.

Para o ex-autarca, apoiante de António José Seguro nas primárias do PS que opõem o atual líder a António Costa, “a História tem de ser assumida sem complexos”. E dá exemplos de quando foi presidente da câmara: a recuperação de uma estátua de Óscar Carmona que estava apeada no Jardim do Campo Grande (atualmente no Museu da Cidade) e a descoberta e posterior reabilitação de “uns brasões da Casa Real” existentes numa das salas do edifício da câmara, após o incêndio de 1996. “Uma coisa é a exteriorização do desagrado perante um regime” no período imediatamente à queda desse regime, defende. “Outra é [fazê-lo] uma data de anos depois.”

E refere o que sucedeu em Cabo Verde. “Uma das coisas que me tocou”, relata, foi Carlos Veiga, primeiro-ministro de Cabo Verde entre 1991 e 2000, ter mandado “repor as estátuas dos descobridores portugueses que estavam lá apeadas”, naquilo que classifica como uma prova de “maturidade democrática”.

A câmara de Lisboa decidiu não recuperar os brasões dos antigos territórios ultramarinos portugueses. “Não há brasões no local. Os brasões não existem“, na medida em que a sua leitura é impossível atualmente, afirma ao Observador o assessor de imprensa de José Sá Fernandes, vereador dos Espaços Verdes. Este responsável adianta que “a câmara vai recuperar alguns desses elementos” florais mas decidiu deixar de fora os oito relativos às antigas colónias portuguesas porque “hoje em dia não faz muito sentido”. E sublinha: “Há uma recuperação do património, não uma destruição”.

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Em Cabo Verde, uma das medidas tomadas pelo governo foi a reposição das estátuas do período colonial português. Uma prova de “maturidade democrática”, para João Soares.

A Associação de Defesa do Património de Lisboa (ADPLx) convocou para esta quinta-feira uma manifestação ao fim da tarde junto à Praça do Império. Aline de Beuvink, presidente da ADPLx, diz-se incrédula. “Nem tenho adjetivos para descrever” a ideia, afirma. E diz não conseguir entender a decisão da autarquia. “Se não fizeram isto durante o verão quente [de 1975], não vejo justificação agora”, comenta, frisando que a ADPLx não está “a fazer a apologia do colonialismo” ao convocar o protesto. “É uma questão de património, não podem politizar o património”, acrescenta.

Para já, a recuperação prometida pela autarquia não tem ainda data para avançar, porque, ainda segundo o assessor de Sá Fernandes, está a decorrer um estudo na Câmara com vista a esses trabalhos, que serão “complexos” por envolverem 26 elementos em arbusto de grandes dimensões. Entre aqueles que serão recuperados estão os brasões dos 18 distritos portugueses, uma Cruz de Cristo e uma Cruz de Avis, entre outros.

“Vamos estar no jardim para assinalar a nossa indignação perante esta ideia”, afirma Aline de Beuvink, que vai pedir aos que a ela se juntarem para “retirar algumas ervas daninhas” do local.

A Praça do Império – e respetivo jardim – foram construídos em 1940 por ocasião da Exposição do Mundo Português, um certame organizado pelo Estado Novo para comemorar os oito séculos da fundação do país e os 300 anos da sua independência. A exposição é considerada um dos expoentes máximos da propaganda salazarista e dela ainda subsistem o Padrão dos Descobrimentos, a Praça do Império e o atual edifício do Museu de Arte Popular.