O filme “Nos interstícios da realidade”, de João Monteiro, sobre o cinema do realizador António de Macedo e a rejeição de que foi alvo, estreia-se no sábado, no encerramento oficial do Festival Internacional de Cinema DocLisboa.
“Nos interstícios da realidade ou o cinema de António de Macedo” reúne imagens de arquivo, excertos de filmes, depoimentos e entrevistas que traçam o percurso de António de Macedo, desde a década de 1960 até à homenagem que a Cinemateca lhe prestou em 2012.
António de Macedo, 85 anos, é considerado um dos fundadores do movimento do Cinema Novo Português, ao lado de Fernando Lopes e Paulo Rocha, mas o nome dele foi sendo consecutivamente esquecido. O cineasta terminou a carreira nos anos 1990, ao fim de várias décadas de polémicas, incompreensão e falta de apoios financeiros.
“Não queria apresentá-lo como uma vítima do cinema português, porque ele fez o que quis e como quis. Mas há todo um contexto do cinema dele, um clima político e social crispado”, contou João Monteiro à agência Lusa.
João Monteiro, que se estreia na realização de longas-metragens, começou a fazer o filme em 2009. Falou com atores, produtores, críticos de cinema, investigadores e realizadores, alguns dos quais já desaparecidos, como Fernando Lopes e José Fonseca e Costa.
Com a estreia num festival como o DocLisboa, João Monteiro espera que se fale mais do cinema de António de Macedo e se comece a questionar a razão de ser pouco conhecido e divulgado.
“O filme foi feito a pensar no público português e gostava de conseguir lançar os filmes dele em DVD. Se se despertar a vontade de ver o cinema dele e depois não estiver disponível…”, sublinhou João Monteiro.
Com formação em arquitetura, António de Macedo foi cineclubista, filmou entre as décadas de 1960 e 1990, esteve na origem da primeira cooperativa de cinema e deixou cerca de uma dezena de longas-metragens e quase meia centena de curtas-metragens, com um pendor experimental e contra-corrente, com o que vigorava no cinema.
“Foi o primeiro a ir a Veneza, o primeiro a estar em Cannes, o primeiro a filmar um nu integral, a usar jazz e eletrónica; é o único cineasta com obra contínua no campo do fantástico e ninguém sabe, ninguém se lembra”, afirmou João Monteiro.
No documentário fala-se, por exemplo, da primeira longa-metragem, “Domingo à tarde” (1965), fundadora do Cinema Novo, da polémica estreia de “As Horas de Maria” (1979), filme com o qual António de Macedo foi considerado blasfemo e chegou a receber ameaças de morte.
“Entre críticos e cineastas, tenho vergonha de o dizer, quiseram apagá-lo da história do cinema português”, afirma Fernando Lopes no filme. José de Matos-Cruz, investigador, acrescenta que António de Macedo radicalizou o seu percurso no cinema, mas “tornou-se numa ‘persona non grata'”.
Os realizadores João Salaviza, Alberto Seixas Santos e António-Pedro Vasconcelos, que se diz arrependido de ter feito uma crítica negativa a um filme de António de Macedo, o produtor António da Cunha Telles, a realizadora Susana de Sousa Dias – filha do cineasta -, o crítico de cinema Jorge Leitão Ramos e o ator Sinde Filipe são algumas das figuras que participam no documentário.
Quase no final do filme, António de Macedo afirma: “Procurei sempre tentar inovar, fazer qualquer coisa que movimentasse, que agitasse este país em termos cinematográficos, e nunca tive resposta positiva”.