Portugal terá cumprido a meta do défice de 2016 e este não será superior a 2,3% do PIB em 2016. A garantia foi dada pelo primeiro-ministro num momento em que ainda não são conhecidos os dados do último trimestre do ano, mas há já uma medida cuja receita permite garantir inequivocamente um défice abaixo dos 2,5% acordados: o perdão fiscal. E não é a única.
Ponto prévio: ainda não há números, pelo menos que sejam conhecidos publicamente. Mas já há uma garantia de quem tem mais acesso a informação, como o primeiro-ministro, que disse esta terça-feira no Parlamento: “Com os números de que já dispomos, posso garantir hoje, nesta Assembleia, que o défice de 2016 não será superior a 2,3%. Ou seja, como disse repetidamente, o défice ficou confortavelmente abaixo do limite fixado pela Comissão Europeia”.
A garantia foi dada por António Costa durante o debate quinzenal na Assembleia da República, sem possibilidade de contraditório, pelo menos para já.
O perdão fiscal que não contava
No entanto, há já alguns números que ajudam a explicar este resultado. Os primeiros e mais importantes são os do perdão fiscal, o PERES – Plano Especial de Redução do Endividamento ao Estado. O Governo insiste, porém, que este programa não é um perdão fiscal e que não estava a contar com o resultado da medida para alcançar a meta de 2016, de 2,5% do PIB. Mas o PERES terá contribuído com pelo menos 551 milhões de euros para a redução do défice orçamental no ano passado.
Terá, porque o resultado final ainda não é conhecido. A receita que já tinha sido encaixada tanto pelo fisco como pela Segurança Social em impostos e contribuições sociais a 23 de dezembro permitia descontar 0,3 pontos percentuais do PIB ao défice de 2016. Mas como entre 23 de setembro e 31 de dezembro os contribuintes ainda podiam fazer pagamentos, os valores aumentaram. No caso da Segurança Social, a verba quase duplicou: foram 92 milhões de euros. No entanto trata-se de um valor registado até ao dia 13 de janeiro deste ano, não sendo ainda claro quanto contará para o défice de 2016.
Se o défice de 2016 ficar perto dos 2,3%, a receita do perdão fiscal poderá ter mesmo garantido que a meta foi cumprida. Caso contrário teria ficado muito perto, mas não seria atingida.
Falamos da meta que entretanto foi revista em agosto, quando o Governo e a União Europeia chegaram a acordo para novas metas do défice em 2016 e 2017. O objetivo original era de um défice não superior a 2,2% do PIB. Foi isso que o Governo inscreveu no orçamento de 2016. O número foi revisto já na proposta de orçamento para 2016, de 2,2% para 2,4%.
O Governo nunca avançou com uma estimativa para a receita que previa receber via PERES em 2016, mas Mário Centeno disse que deveria andar à volta do previsto para os restantes anos, o que na altura era de cerca de 100 milhões de euros. Foi mais de cinco vezes esse valor.
O dinheiro do resgate
Mas não foi só de perdão fiscal que se fez a redução do défice. Ainda sem os números dos últimos três meses do ano, há já alguns fatores extra que podem ajudar a explicar as contas, alguns deles one-off, ou seja, que não se irão repetir em 2017.
O caso mais relevante é o da devolução de 264 milhões de euros por parte do fundo de resgate do euro, de prepaid margins do empréstimo do Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (FEEF). O empréstimo, feito em 2011, tinha uma maturidade de cinco anos e venceu o ano passado, com o Estado português a receber de volta uma margem de lucro que deixou de existir nos empréstimos europeus — agora que esta parte do empréstimo foi refinanciada pelo Mecanismo Europeu de Estabilidade (o sucessor do FEEF).
A ajuda à Grécia que não o era
Outro fator a ter em conta são os 106,9 milhões de euros que o Estado não entregou à Grécia, apesar de o ter previsto no Orçamento do Estado para 2016. Este valor diz respeito a um compromisso que os países do euro fizeram em novembro de 2012 com a Grécia, ao abrigo do qual abdicavam dos lucros que o Banco Central Europeu lhes entregava todos os anos e que eram resultado da compra de dívida pública grega.
Portugal, como todos os outros países, recebia este dinheiro via dividendos do Banco de Portugal e aceitou abdicar todos os anos deste valor, transferindo o dinheiro do orçamento para o Mecanismo Europeu de Estabilidade, que depois o transferia para Atenas.
No entanto, quando o segundo resgate expirou em junho de 2015, também este acordo ficou sem validade e foi assim que os países do euro procederam. Portugal, ao contrário dos restantes, decidiu prever no orçamento esta despesa, mesmo sem qualquer indicação de que teria de a fazer, por uma questão de precaução. Como esta despesa não se fez, são mais 106,9 milhões de euros que ajudam às contas. A despesa já não está prevista no orçamento de 2017.
Mais uns pozinhos caídos do céu
Numa perspetiva mais pequena, mas também considerada como uma medida one-off, está a venda (que já estava prevista) de aviões F-16 à Roménia, uma operação avaliada em 70 milhões de euros pelo INE. Os aviões foram comprados o ano passado, por isso nem chegam a ter impacto no PIB.
Tudo junto, são pelo menos 991 milhões de euros, mais de 0,5 pontos percentuais do PIB e sem os quais o défice ficar perto dos 2,8% do PIB.
Na próxima semana, a Direção-Geral do Orçamento dará a conhecer os dados da execução orçamental até ao final do ano de 2016, que permitirá ter mais algum detalhe sobre estes resultados. Contudo, como os dados são em contabilidade pública, só no final de março serão conhecidos valores finais em contabilidade nacional, os valores apurados pelo INE que contam para Bruxelas.
Dos números que já são conhecidos — sejam os que foram dados a conhecer pelo Governo ou por entidades independentes como a UTAO ou o Conselho das Finanças Públicas — há algumas dúvidas que saltam à vista.
Em primeiro lugar, onde foram as cativações feitas e quanto valem? Ou seja, o que é que foi tornado em corte definitivo do valor que o Governo fez depender de autorização dos ministros sectoriais para ser gasto. O Governo garantiu a Bruxelas que pelo menos 445 milhões de euros não seriam utilizados, mas até ao final do ano o valor cortado poderá ter sido maior (este é um procedimento que tem sido usado regularmente pelos governos das várias cores políticas, em especial nos últimos anos).
A UTAO colocou ainda dúvidas sobre como ficarão algumas das despesas previstas no orçamento. As despesas com pessoal estavam a crescer até setembro mais do que o previsto, o que poderá ter piorado considerando a rigidez desta despesa, a inexistente saída de funcionários (que estava prevista) e o fim dos cortes salariais na última parte do ano, juntamente com o regresso ao horário semanal de trabalho de 35 horas.
Outro fator a ter em conta é o crescimento das despesas com consumos intermédios, os gastos de funcionamento do Estado, que cresceram até setembro mais que o previsto.
Por outro lado, o resultado estava a ser alcançado à custa de uma redução muito superior à esperada nas despesas de capital (em especial do investimento) na Administração Central, mas também nas regiões e nas autarquias.