Em política não basta ter razão, é preciso saber ter razão. Mas nem sempre os nossos representantes são amigos de si próprios o suficiente para conjugarem argumentos razoáveis com saber argumentar razoavelmente. Esta tarde, no passeio quinzenal de António Costa pela Assembleia da República, nem o PSD se esforçou para ter razão, nem a esquerda foi consequente com as suas razões contrárias ao Governo que vai viabilizando. Mas foi o primeiro-ministro o primeiro a perder a razão por não saber travar-se de razões.
O mau gosto da imagem que António Costa utilizou quando o PSD lhe perguntou porque é que Portugal não tinha pedido a demissão do holandês Jeroen Dijsselbloem na reunião do Eurogrupo, tira-lhe toda a razão. A triste frase é esta: “Todos estamos recordados de quando os representantes do Governo português entravam no Eurogrupo e se ajoelhavam para falar com os colegas”. A visualização é imediata: o então ministro das Finanças Vítor Gaspar, agachado, a pedir apoio ao homólogo alemão Wolfgang Schäuble, que não se pode levantar porque está numa cadeira de rodas. É fácil odiar o alemão, mas não foi um momento feliz. Havia outras formas de dizer que este Governo bate o pé em Bruxelas, blá, blá, blá, e que o anterior não o fazia, mas Costa preferiu o golpe abaixo da cintura.
No essencial, o primeiro-ministro não respondeu ao que o PSD queria saber. De tanto peito feito estava Mourinho Félix ao confrontar Dijsselbloem — naquilo a que os sociais-democratas chamaram uma “encenação” para as televisões –, que depois não se percebe por que não pediu a demissão do holandês da presidência do Eurogrupo durante a reunião. A isso, Costa não respondeu.
Mas o papel do PSD, como principal partido da oposição, não é apenas procurar ter razão. Isso não chega. Para vingar, precisa de saber ter razão. E conseguir convencer as pessoas que está cheio de razões e que o Governo é que está cheio de enganos. E isso Pedro Passos Coelho não conseguiu fazer neste debate. Nem no debate anterior. Por uma razão muito simples: não falou. E as pessoas caladas, a não ser que digam muitas asneiras quando falam, não costumam conseguir convencer as outras pessoas das suas razões. É assim. Foi mais uma vez Luís Montenegro a debater com António Costa em nome do PSD, uma semana depois de Passos ter feito uma marcação cerrada ao primeiro-ministro com uma entrevista à SIC — depois da entrevista de Costa à Renascença — que não lhe correu muito bem. Se prefere não se desgastar, vai deixando Costa à vontade para apregoar, entre outras coisas, o défice mais baixo da democracia portuguesa (que afinal agora é de 2%). E assim não convence ninguém “para futuro”, expressão que tanto gosta de empregar.
A esquerda, na semana em que o Governo fez 500 dias, teve de ouvir António Costa a fazer rasgados elogios à atitude de todos no sucesso da solução governativa. No entanto, o mesmo raciocínio impõe-se. O Bloco e o PCP têm as suas razões, mas mais do que os outros partidos essas razões são as razões fundamentais para existirem. Se formos analisar as decisões do Governo, na maioria não agradam a bloquistas nem a comunistas. São totalmente contra a venda do Novo Banco, seja qual for o modelo (defendem uma nacionalização), são totalmente contra despedimentos na Caixa e fecho de balcões, são totalmente contra os pressupostos que baseiam toda a ação governativa (os critérios europeus), são contra etc., etc., etc.. Baseiam o seu apoio a Costa na barragem à direita e no permanente regateio de medidas, que vão além dos acordos que ainda não estão totalmente cumpridos: se não for possível 10, aceita-se 4 ou 5, aquilo que for possível.
Foi a isto que se assistiu mais uma vez no Parlamento. O Bloco a sentir-se traído por Centeno não ter colocado na mesa em Bruxelas a nacionalização do Novo Banco. O PCP a sentir-se defraudado e com uma “desilusão profunda” em relação às penalizações para as reformas antecipadas das carreiras contributivas mais longas. A estabilidade política em Portugal assenta nos conceitos orwellianos da “novilíngua” e do “duplipensar” do Bloco e do PCP (como se verifica nesta entrevista de João Oliveira ao Observador). É mau mas é bom. Não é bom, mas podia ser pior.
A tensão entre Costa e os seus parceiros é uma luta entre as razões da existência do Bloco e do PCP e as possibilidades de governar razoavelmente. Vimos isso esta tarde na discussão sobre as penalizações às reformas antecipadas das pessoas que começaram a trabalhar ainda em criança. Ou na parte relativa aos escalões do IRS. Costa a dizer que há injustiças a corrigir, mas a Segurança Social não dá para tudo. E a prometer estudar a parte fiscal. No fim da linha, tudo se há-de compor.
A partir de algum dia o Bloco e o PCP terão dificuldade em explicar ao seu eleitorado tanto apoio a gente que nunca tem razão. Ou pior, porque se contentam com as migalhas que o PS lhes dá. O PSD terá razões que a razão desconhece para se esforçar tão pouco no sentido de convencer as pessoas a dar uma maioria à direita. O CDS está entretido a levar Assunção Cristas a uma posição relevante em Lisboa que contamine o país. E o PS vai passando por todos os apertos e situações difíceis com uma facilidade inesperada, quando tem razão, mas sobretudo quando não tem.