O debate não afunilou num único tema — como tem sido hábito nos últimos, em que a banca tem tomado o tempo quase todo — e o primeiro-ministro tentou desviá-lo para as questões sociais. Acabou por ser uma ratoeira, que expôs as insatisfações à esquerda com a proposta do Governo para a antecipação de reforma para as carreiras contributivas mais longas. António Costa acabou por ter de dar um passo ao lado na proposta, começando já a ceder, entre avisos dos riscos que isso pode acarretar para a Segurança Social. À direita, as questões foram do arrendamento a Dijsselbloem. Este último ponto foi o que acendeu o rastilho entre PSD e Governo socialista. O tom subiu, mas nada comparado com o último debate em que o líder do PSD interveio. Desta vez, Passos Coelho ficou em silêncio, ao lado de Luís Montenegro, bem como no último debate. Mas vamos por pontos:

Reformas antecipadas: um problema, uma cedência e uma promessa para acalmar a esquerda

António Costa entrou de peito feito, com uma intervenção preparada sobre políticas sociais (desta vez o tema do quinzenal era escolha do Governo) a tentar colar-se à esquerda. Mas acabou por puxar por um ponto sensível para essa mesma esquerda que aproveitou a deixa para exigir mais para as carreiras contributivas longas e até — no caso do PCP — expressar a “desilusão profunda” com a solução do Governo. Acabou com o primeiro-ministro a prometer abrir os cordões, mas ao mesmo tempo a deitar água na fervura das exigências, avisando que está muito limitando tendo em conta os efeitos que a atribuição de mais reformas antecipadas sem penalização podem trazer aos cofres da Segurança Social — a velha história da falta de sustentabilidade do sistema.

Costa até abriu o debate citando Soeiro Pereira Gomes, o escritor e militante comunista que dá nome à rua onde o PCP tem a sua sede nacional, lembrando os “Esteiros” para falar na “geração de ‘homens que nunca foram meninos'”. Sobretudo os que começaram a trabalhar cedo e que agora é preciso proteger, disse Costa, começando logo ali a avisar que não era possível esquecer o problema de sustentabilidade da Segurança Social, da qual quer “diversificar as fontes de financiamento”. Mas o apoio num escritor de esquerda não amoleceu o Bloco que quer alargar o universo no acesso à reforma antecipada sem penalizações. Foi isto mesmo que disse a líder Catarina Martins: “Só se responde à geração que começou a trabalhar criança, se se der reforma sem penalização a quem começou a trabalhar aos 14”. A proposta do Governo fala em 12 anos. Costa admitiu aí “abertura de espírito” para ir mais longe, disse que “os que começaram a trabalhar aos 12 ou aos 14 anos se podem reformar aos 60 sem penalização”. Mas já fala em faseamento da medida, porque haver que cuidar da sustentabilidade da Segurança Social. Leu, de um papel, dois exemplos para mostrar esta sua preocupação:

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  • “Uma pessoa que trabalhou 40 anos e se reforme aos 60 em penalização, se tiver um vencimento inicial de 500 euros, tendo em conta a esperança média de vida aos 60 anos (que é de 23 anos de vida), deixaria a descoberto na Segurança Social cerca de 29.678 euros”.
  • “Se ganhar 1.000 euros de vencimento inicial, o que ficaria a descoberto seriam 57.963 euros”.

Quando no PCP, Jerónimo de Sousa falou na “desilusão profunda” com a proposta do Governo das reformas antecipadas, António Costa voltou a responder na mesma medida: há abertura para trabalhar numa proposta que “não é fechada” e até dizendo que o Governo “vai corrigir a antecipação da reforma, tendo em conta a idade em que as pessoas iniciaram a sua atividade”, mas sublinhando as cautelas para não descapitalizar a Segurança Social.

Conclusão: Há abertura para mudar a proposta inicial e Costa até já disse que também quem começou a descontar aos 14 anos deixará de ter penalização (e não só quem trabalhou a partir dos 12), mas há que ter em consideração os impactos para a Segurança Social. Assim, o mais certo é que a medida seja aplicada de forma faseada. “Há mais vida para além de 2017”, disse para tentar tranquilizar a esquerda.

Novo Banco: O desafio do BE e a admissão de Costa

Depois da manhã de audição do ministro das Finanças, também no Parlamento, esperava-se que o tema do Novo Banco fosse incontornável para todas as bancadas, mas só o Bloco de Esquerda lhe tocou pôr uma questão a Costa: “Como é que é possível o porta-voz do PS defender a nacionalização, e o Governo dizer que está tudo em aberto e agora a comissária europeia dizer que o Governo nunca pôs essa hipótese?”. Esta semana, numa entrevista ao jornal Público, a comissária europeia da Concorrência, Margrethe Vestager, disse que Portugal nunca apresentou em Bruxelas um plano para a nacionalização permanente do Novo Banco. O PS chegou a defender publicamente uma nacionalização temporária, mas o mantra socialista nessa fase era: “Não excluímos nenhuma hipótese”. E deixava a porta aberta para a nacionalização que os seus parceiros de esquerda reclamavam. Na resposta, Costa admitiu que a questão nunca foi colocada à Comissão Europeia: “Não formalizámos porque entendo que [a nacionalização] era a solução mais penalizadora para os contribuintes”.

Conclusão: O BE não gostou da resposta, mas já contava com ela, tanto que Catarina Martins acabou o confronto com o primeiro-ministro a criticar a venda parcial do Novo Banco à Lone Star — “é uma conta demasiado grande para o Governo seguinte” — e a anunciar que na semana que vem, dia 21, o BE vai insistir no Parlamento com uma proposta para a nacionalização do Novo Banco e outra para obrigar a votação “destas questões”.

Dijsselbloem: Governo entrou “à leão”, saiu à “ratinho”. Mas antes “ajoelhava-se”

Foi o ponto mais tenso, com o PSD — ainda que Pedro Passos Coelho tenha voltado a ficar em silêncio num quinzenal — por causa da reação do Governo ao atual presidente do Eurogrupo Jeroen Dijsselbloem. Luís Montenegro, líder parlamentar do PSD, atacou por dois lados: primeiro, “aquele momento ridículo de criar a encenação no Eurogrupo”, referindo-se ao momento em que o secretário de Estado das Finanças, Mourinho Félix, exigiu em pessoa um pedido de desculpas a Dijsselbloem sobre as polémicas declarações relativas aos países do sul; segundo, “porque é que o Governo não pediu a demissão do presidente do Eurogrupo” diretamente, em Bruxelas?. Montenegro até usou uma imagem sugestiva:

Em Portugal, o Governo fala como uma leão e pede a cabeça do presidente do Eurogrupo, mas nas reuniões em Bruxelas, essas entradas de leão são substituídas por saídas de ratinho.”

A resposta de Costa foi igualmente sugestiva e já uns decibéis acima do que tinham sido usados até aí pelo primeiro-ministro: “Todos estamos recordados de quando os representantes do Governo português entravam no Eurogrupo e se ajoelhavam para falar com os colegas”. Pelo meio, disse que Mourinho Félix tinha “transmitido com grande firmeza e pessoalmente” a Dijsselbloem que ele devia pedir desculpas. A palavra “firmeza” fez as bancadas da direita explodirem numa gargalhada.

Conclusão: O Governo considera que o que fez em Bruxelas — aquele momento de Mourinho Félix a exigir desculpas — foi suficiente. O que se disse em Portugal, onde se pediu sempre a sua demissão, não tem de ser repetido todos os dias. Não explicou, porém, por que razão não foi o ministro das Finanças a ir ao Eurogrupo fazer aquele número.

Rendas: Costa responde a direita com picardia política

Foi o primeiro ponto suscitado pelo PSD no debate e, depois, referido também pelo CDS. Começou com Luís Montenegro, do PSD, a falar na “nova reversão” do Governo, referindo-se ao arrendamento urbano: “A geringonça impôs um novo congelamento das rendas. Desistiu de implementar o subsídio de renda para os inquilinos com mais 65 anos ou alto nível de incapacidade”. E perguntou: “Restinguiu os critérios para facilitar as obra de restauro edifícios e não quis melhorar as condições de aplicação do programa porta 65. O que quer o Governo com este retrocesso? Que dinamização do mercado de arrendamento?” Mas Costa respondeu com política, dizendo que o assunto foi debatido e votado no Parlamento e que a bancada do PS é que decidiu — e que ele concorda. Perante a insistência, Costa acabaria por chutar ainda mais para canto: “Até diria, se não se ofender, é só uma pequena graça, vir aqui condicionar a bancada do PS seria um caso de verdadeira claustrofobia democrática na Assembleia da República”. A expressão do social-democrata Paulo Rangel, aplicada ao Governo de Sócrates, voltou à berlinda.

Foi também com política que Costa respondeu à mesma pergunta colocada pela líder do CDS e criticou que o período transitório para o pagamento do subsídio de renda para os mais velhos tenha passado de cinco para dez anos. Na resposta, António Costa acusou Cristas de ter feito parte de um Governo que, em virtude da mudança da lei do arrendamento, “penalizou sem qualquer cuidado todos os arrendatários, que sabia que não tinham cobertura orçamental para pagar”. Cristas disse então ao primeiro-ministro que lhe “fugiu a boca para a verdade”: “Não paga subsídio de renda, porque não tem cobertura orçamental”. “Prefere deixar a cidade a degradar-se”, disse a líder do CDS e também candidata do partido à Câmara de Lisboa.

Conclusão: O primeiro-ministro nunca respondeu diretamente à questão e refugiou-se sempre numa decisão do Parlamento, ou em decisões passadas do anterior Governo. Atirando para cima da mesa não só picardias política, caso da “clautrofobia democrática”, como também decisões do Governo em matéria de reabilitação urbana.

IRS: promessa para trabalhar a progressividade

Foi meia promessa por parte do Governo. A esquerda tem insistido e traçou uma linha vermelha: a progressividade nos escalões de IRS entra em 2018. Catarina Martins quis ouvir o compromisso da boca do primeiro-ministro, mas não conseguiu muito mais do que isto: “Esse é um trabalho que estamos a fazer e que temos de concluir a tempo e horas do próximo Orçamento do Estado”. Nem mais uma palavra, num modelo que está a ser trabalhado pelo Governo, mas que ainda estará longe de uma conclusão.