Tinha apenas dois anos quando começou a praticar ginástica. A mãe também andara pela modalidade na escola quando era mais nova, mas Aly Raisman queria mais e inspirava-se nas cassetes VHS das Sete Magníficas que ganharam a medalha de ouro em Atlanta nos Jogos Olímpicos de 1996 (Shannon Miller, Dominique Moceanu, Dominique Dawes, Kerri Strug, Amy Chow, Amanda Borden e Jaycie Phelps). Também ela brilharia nesses palcos, com um total de seis medalhas no maior evento desportivo do mundo. Mas hoje, aos 23 anos, transformou-se num exemplo por outras razões.

Depois de meses a fio sem reações de maior às dezenas de acusações de abusos sexuais ao médico Larry Nassar, que trabalhou durante quase 30 anos com a equipa de ginástica norte-americana, a capitã da equipa campeã olímpica de 2016 tomou uma posição pública sobre o assunto e contra a figura que apelida de “monstro”. Como destaca o Washington Post, foi o momento de falar sobre “o elefante que está na sala”.

“Temos de abordar esta questão. As raparigas deveriam sentir-se cómodas em chegar à equipa e dizer claramente: ‘Preciso de ajuda, quero terapia’. Parece que as pessoas ainda não se deram conta de que este senhor foi médico da equipa durante 29 anos. Tenha ou não feito algo a cada uma das ginastas, elas conhecem-no, sabem quem é. Para aquelas de quem não abusou, fica sempre o trauma e a ansiedade de pensar o que poderia ter acontecido. Estas coisas têm de ser faladas”, destacou.

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Em paralelo, Raisman abordou também a alegada indemnização de um milhão de dólares a Steve Penny, antigo líder da Federação Americana de Ginástica, que saiu em março pressionado com o escândalo. “Um milhão de dólares é muito dinheiro, podíamos fazer imensas coisas para mudar. Podiam criar um programa, podiam contactar as famílias e sugerir que as suas filhas pudessem ter terapia”, argumentou, agarrando no caso como mais um exemplo de que como o problema não está a ser encarado de frente.

“Todos somos importantes nisto. Não interessa se somos campeãs olímpicas, uma miúda de oito anos que vai para a ginástica ou mesmo se está nos Estados Unidos. Todas as crianças são importantes e quero que a Federação Americana de Ginástica faça um trabalho melhor. Passaram demasiado tempo a varrer o lixo para debaixo do tapete. Sinto que se fizeram inúmeros artigos sobre o caso, mas ninguém disse ‘Isto é horrível, é isto que temos de fazer para mudar”, concluiu Aly Raisman, que não quis abordar a sua relação com Nassar, no final de uma cerimónia onde as Final Five (a equipa campeã olímpica em 2016, que tinha, além de Raisman, Simone Biles, Gabby Douglas, Laurie Hernandez e Madison Kocian) passaram a figurar no Hall of Fame.

Recorde-se que, no seguimento de uma grande reportagem do Indy Star, de Indianapolis, sobre os alegados abusos sexuais de treinadores e membros do staff em alguns dos 3.500 ginásios em todo o país, a Federação Americana de Ginástica iniciou uma investigação independente para aferir sobre a situação e alterar as políticas adotadas pela organização. Em junho, 70 recomendações feitas pela antiga procuradora Deborah Daniels foram aceites e qualquer ginásio que não seguisse esse guião seria automaticamente excluído da USA Gymnastics. Foi também contratado Toby Stark, advogado, para dirigir o programa SafeSport.

Larry Nassar encontra-se nesta altura detido no Michigan, depois de se ter declarado culpado por três crimes de posse de pornografia infantil. Ao mesmo tempo, o antigo médico aguarda por uma série de julgamentos noutras cidades do país, como a Califórnia, por crimes de abusos sexuais apresentados por mais de 100 mulheres. Em relação a estes processos, Nassar, de 53 anos, declarou-se inocente. As antigas ginastas Jamie Dantzscher, Jeanette Antolin e Jessica Howard foram das primeiras a denunciar publicamente o comportamento de Nassar. O Michingan News fez o apanhado de todas as acusações já existentes no passado mês de março.

O médico Larry Nassar rodeado pelos seus advogados numa sessão do julgamento