Este artigo foi republicado depois de o prémio Nobel da Física ter sido entregue à investigação que comprova e estuda a existência das ondas gravitacionais.

O Observatório de Ondas Gravitacionais por Interferómetro Laser (LIGO) e o Interferómetro Virgo (VIRGO) encontraram novas ondas gravitacionais causadas pela fusão de dois buracos negros, uma região do espaço da qual nada, nem mesmo partículas que se movem na velocidade da luz, podem escapar. É a quarta deteção do LIGO desde 2015, mas a primeira vez que os astrofísicos descobrem ondas gravitacionais através de três interferómetros laser, as mais sensíveis máquinas construídas pelo Homem : em Hanford, Livingstone (LIGO) e em Pisa (VIRGO). O anúncio, o primeiro desde que o observatório LIGO e o VIRGO formaram uma parceria, foi feito esta tarde numa primeira parte do encontro G7 para ministros da Ciência em Turim, Itália, que começa oficialmente esta quinta-feira e segue até ao dia seguinte. Siga tudo aqui.

Estas notícias são importantes porque o facto de a onda gravitacional ter sido encontrado por três interferómetros laser — que são como antenas — melhora muito a nossa capacidade de localizar a origem dessas perturbações. Agora, fomos capazes de reduzir a região provável do espaço de que a onda veio em 90%, tornando as informações muito mais precisas. No futuro, poderemos entender melhor o que se passa nos confins do Universo e como é que isso afeta o planeta Terra. Além disso, as notícias são importantes porque esta foi a primeira vez que um observatório fora dos Estados Unidos captou estas perturbações.

A aventura do LIGO em busca de ondas gravitacionais, deformações no tecido espaço-tempo do universo causadas por violentos choques entre corpos muito densos (buracos negros ou estrelas de neutrões, por exemplo), já vai longa. Fundado há 25 anos, o observatório fez história em fevereiro de 2015 quando anunciou a deteção, pela primeira vez, de ondas gravitacionais que viajaram até à Terra após o choque entre dois buracos negros a 1,3 mil milhões de anos-luz de nós, um fenómeno previsto por Albert Einstein na Teoria da Relatividade Geral precisamente 100 anos antes. Desde então e até junho deste ano, o LIGO já encontrou quatro ondas gravitacionais, mas todas elas com origem em buracos negros.

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Oiça: som de buracos negros a colidirem prova Teoria da Relatividade Geral

As observações espaciais que permitiram descobrir estas ondas gravitacionais foram feitas a 14 de agosto deste ano. Esses dados foram recolhidos duas semanas depois de a antena do VIRGO, um observatório europeu em Pisa (Itália), ter sido desligada para uma atualização de software que a tornará mais sensível à deteção de perturbações vindas do espaço. Essas perturbações foram detetadas através de dois tubos idênticos (com 4 quilómetros de comprimento) montados em forma de “L”. Os cientistas enviam um raio laser para dentro dos tubos: quando esse raio chega aos espelhos que cada tubo tem numa das extremidades, ele é enviado para um detetor. O normal é que os lasers de ambos os tubos cheguem ao detetor perfeitamente alinhados, anulando-se um ao outro. No entanto, se uma onda gravitacional chega até nós, o comprimento dos tubos altera-se: enquanto um se contrai, o outro expande até que o efeito da onda gravitacional deixa de se fazer sentir. Ao mesmo tempo, os lasers que viajam nos tubos não chegam alinhados ao detetor e, portanto, não se anulam. Estes movimentos são muito ténues: seriam precisos 10 biliões deles para igualar a largura de um cabelo humano.

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Uma notícia importante, mas pouco entusiasmante

Desde meados de agosto que a comunidade científica desconfiava que as grandes novidades do LIGO eram outras. Tudo começou depois de J. Craig Wheeler, um astrofísico da Universidade do Texas, ter escrito no Twitter: “Rumores de uma excitante nova fonte LIGO”. Três dias mais tarde, outro tweet dizia: “Novo LIGO. Fonte com parelha ótica. Muito entusiasmante”. O último tweet do astrofísico foi escrito apenas quatro dias depois da observação a que se refere o comunicado de esta tarde: a parelha a que se refere J. Craig Wheeler podia ser um sistema de duas estrelas de neutrões em rota de colisão por que a comunidade científica tanto espera. Seria a primeira vez que a perturbação sugerida por Einstein era encontrada na interação entre dois corpos celestes além dos buracos negros.

Mas os rumores adensaram-se ainda mais porque, de acordo com Ethan Siegel (um astrofísico teórico que estudou a Teoria do Big Bang), quatro dias depois do tweet de J. Craig Wheeler, o Telescópio Espacial Hubble sinalizou um sistema binário de estrelas de neutrões em rota de colisão na galáxia NGC 4993, a 130 milhões de anos-luz de nós. Tudo isto seriam boas notícias para os astrofísicos porque, se as ondas gravitacionais tivessem origem em estrelas de neutrões, era possível estudá-las através da luz visível que viaja até nos vindas do choque — algo que é impossível caso as perturbações só sejam produzidas por buracos negros, cuja colisão não provoca a dispersão de raios de luz visível. Mas o LIGO nunca respondeu a estes rumores: diziam apenas que as novidades eram “excitantes”.

O potencial deste estudo não se esgotaria por aí. Ethan Siegel prevê que estas ondas gravitacionais com origem na colisão de duas estrelas de neutrões teriam menor amplitude e ocorriam durante períodos de tempo mais longos do que as perturbações com origem em buracos negros. As diferenças seriam tão significativas que, para detetar ondas gravitacionais vindas de buracos negros com as características das perturbações vindas das estrelas de neutrões, teríamos de estar 10 vezes mais perto deles.

Porque é que as ondas gravitacionais são importantes?

Para entender o que são as ondas gravitacionais é imperativo compreender também a Teoria da Relatividade Geral e aqui que realmente a diferencia nas leis de Newton. Em 1687, quando publicou a lei da gravitação universal na obra “Princípios Matemáticos de Filosofia Natural”, Isaac Newton defendia que, se dois corpos celestes com massas perfeitamente estáveis orbitassem um em redor do outro, esse movimento de translação seria eterno. Em 1915, Albert Einstein negou esta teoria de Newton: segundo a Teoria da Relatividade Geral, se dois corpos com massas constantes orbitassem um em redor do outro, uma pequena parte de energia perde-se sempre que um deles passe no campo gravitacional do outro. Essa energia não se dispersa: ela é empurrada pelo espaço foram sob a forma de ondas gravitacionais, que perturbam o tecido do espaço e do tempo que compõe o universo. Ao longo do tempo, essa energia será tanta que a órbita dos corpos celestes acaba por desgastar-se, fazendo com que acabem por se tocar e fundir. Essa fusão é um dos mais violentos fenómenos que podem ser encontrados no espaço.

Isto acontece com qualquer corpo celeste, mas o LIGO consegue detetar essas ondas gravitacionais vindas de buracos negros porque eles têm uma massa incrivelmente grande, porque são extremamente compactos (os mais compactos do Universo) e orbitam na frequência correta para serem detetáveis pelas antenas montadas na Terra. Há, no entanto, outros corpos celestes que também reúnem estas três condições: as estrelas de neutrões, que nascem depois da morte de uma estrela gigante vermelha. Embora não sejam tão massivas como os buracos negros (duas a três vezes a massa do Sol), são quase tão compactas como eles. No entanto, ao contrário do que a comunidade científica julgava, esse fenómeno ainda não foi detetado pelo LIGO ou pelo VIRGO.

E se fossem estrelas de neutrões?

De acordo com o astrofísico Ethan Siegel, há pelo menos cinco perguntas a que vamos poder responder se um dia forem descobertas ondas gravitacionais vindas da fusão de duas estrelas de neutrões.

Será que a fusão de duas estrelas de neutrões cria explosões de raios-gama? As erupções de raios-gama são flashes de raios gama muito comuns no universo, mas que são extremamente energéticos, muitíssimo curtos e que parecem atravessar o espaço de forma aleatória. Os cientistas sabem que eles costumam ter origens em galáxias tão antigas que já não existem estrelas em nascimento no seio das nuvens de gases e poeiras que lá existem. Por isso, os astrofísicos pensam que elas podem vir da fusão de estrelas de neutrões. Se esta teoria se verificar, os raios-gama devem chegar à Terra pouco depois de as ondas gravitacionais serem detetadas pelas nossas antenas.

Que quantidade de massa não se transforma num buraco negro quando duas estrelas de neutrões colidem? Olhe para a tabela periódica: os elementos mais pesados do mundo (mercúrio, ouro, tungsténio, por exemplo) foram criados durante as colisões de estrelas de neutrões. Grande parte da massa dessas estrelas em fusão dá origem a um buraco negro, enquanto uma parte muitíssimo mais pequena origina esses elementos pesados. Sabemos que isto é verdade, mas não sabemos exatamente que percentagem da massa origina cada um dos fenómenos.

Qual é o alcance do LIGO? O LIGO é um observatório extremamente complexo criado por Kip Thorne e Ronald Drever (Caltech), Rainer Weiss (MIT) e pela National Science Foundation (NSF). Mais de 365 milhões de dólares depois, este que é o maior e mais ambicioso projeto da NSF ainda nos guarda segredos: não sabemos exatamente qual é o seu alcance e quão sensível é. Os buracos negros podem ser observáveis mesmo que estejam a muitos milhões de anos-luz de nós, mas as ondas gravitacionais vindas das estrelas de neutrões devem estar muitíssimo mais perto para serem encontradas.

O que acontece nos corpos celestes vizinhos depois da colisão de estrelas de neutrões? Os cientistas desconfiam que a colisão destes corpos celestes lançam raios-gama pelo espaço fora, mas não sabem se esse evento violento só cria esse tipo de “assinatura ou brilho remanescente”, como lhe chama Ethan Siegel. Pode ser que a fusão de estrelas de neutrões origine radiação ultraviolenta ou infravermelhos, mas nesse aspeto estamos às escuras.

Será que algum dia poderemos literalmente olhar para a formação de ondas gravitacionais? É verdade que encontrámos ondas gravitacionais através de um sistema de triangulação formado por antenas espalhadas por uma ampla região. Mas nunca conseguimos realmente observar a sua formação porque a fusão de dois buracos negros não origina radiação visível. Com ondas gravitacionais vindas de estrelas neutrões em colisão, um evento que origina luz visível, é possível aperfeiçoar os nossos métodos de deteção até ao ponto de conseguirmos saber exatamente de onde é que essas perturbações vêm e como é a sua assinatura eletromagnética.