E ao décimo minuto Paulo Portas decretou aos dois jornalistas do Diário Económico: “Termina agora a entrevista”. Na resposta anterior já tinha dito: “A entrevista termina exatamente agora”, mas o então líder do CDS ainda fez considerações que valeram quatro linhas de texto, até se levantar da mesa e deixar os entrevistadores perplexos com a deixa final: “Pronto, ficam só com as entrevistas do PS e do PSD!”. Enganou-se. O jornal publicou o texto na íntegra, com “a frase” na capa e no título interior.
António Costa também foi definitivo esta quarta-feira à noite, quando, irritado, acabou abruptamente uma entrevista à Renascença no segundo minuto de conversa e repetiu três vezes: “Esta entrevista está concluída! Concluída! Concluída!”. E estava mesmo concluída.
António Costa irrita-se e interrompe entrevista à Renascença a meio
Naquele tempo, Paulo Portas lutava todos os dias pela sobrevivência política. A entrevista foi publicada a 23 de novembro de 2001, uma semana antes de arrancar a campanha para as autárquicas. Paulo Portas era líder do CDS, como Assunção Cristas. Era candidato à câmara de Lisboa, como Assunção Cristas. As sondagens é que eram péssimas, ao contrário das de Assunção Cristas. O contexto era muito mais difícil do que o atual. Do outro lado, tinha Pedro Santana Lopes, pelo PSD (do que Assunção Cristas se livrou…), a cobrir um vasto terreno da direita e João Soares, coligado com a CDU, a ocupar toda a esquerda. Foi esta a célebre campanha do cartaz em mangas de camisa e a dizer: “Eu fico!” Mas, tal como na entrevista, Paulo Portas não ficou (na vereação da câmara).
Ao contrário de Cristas hoje, Portas tinha um discurso de direita puro e duro: “Mais polícias nas ruas de mão pesada em relação à criminalidade”, para atacar os “bairros sequestrados pela lei dos traficantes e dos gangs“. O candidato defendia a videovigilância que ainda estava para se tornar normal no discurso político e dizia frases que hoje o CDS não se atreve a pronunciar sem corar pela semelhança com a narrativa de André Ventura — o candidato do PSD a Loures, a quem o CDS tirou o apoio. Em apenas 10 minutos, Portas ainda teve tempo de afirmar ao Diário Económico: “Mais de 70% da criminalidade de gangs acontece na Área Metropolitana de Lisboa. Dessa, 60% é cometida por jovens de minorias étnicas. Dizer isto é proibido? Pensar isto é proibido?” Daí à limitação à entrada de imigrantes era um passo: “[O Governo] tinha previsto 70 mil autorizações de permanência em 2000, e vamos a caminho das 120 mil. Tenho a certeza que o Governo não sabe se há casa para esta gente toda”. Eis o sumo político da transcrição, um aspeto secundário para perceber o fim desta história.
Apesar de tudo, não foi este discurso — que Paulo Portas trazia gravado na memória e repetia como uma cassete — a levar ao fim da entrevista. O caldo começou a entornar-se quando os jornalistas Filipe Santos Costa e Mário Baptista lhe perguntaram como podia usar a expressão “quando for presidente da câmara” se nem chegara a 10% nas legislativas e tinha sondagens muito abaixo disso. “Não é surrealista esse discurso?” E foi então que o fim da entrevista começou: “Não, surrealista é um jornal ou político substituir-se aos eleitores”, respondeu Portas.
Dali até se levantar, porém, a conversa azeda foi sobre os alegados jornais do regime que privilegiavam o PS e o PSD — sobretudo o Expresso — e censuravam a direita: “Portugal é o única país da Europa que tem esquerda, esquerdinha, esquerdoso e centrinho e que proíbe a direita. Estão enganados!” Entretanto, depois desse pingue-pongue sobre comunicação social, e que metia acusações à TVI que então pertencia à mesma empresa do Diário Economico, os jornalistas disseram: “Como imagina, esta parte da entrevista interessará pouco aos nosso leitores. Voltando à questão…” Era este o décimo minuto, o derradeiro e central: “Pois, admito… admito… E ela pode, aliás, terminar agora”. Não foi um bom momento. Nem aquele, nem as três semanas que se seguiram.
Na noite eleitoral de 16 de dezembro, os seus 7% representaram uma enorme derrota. Portas só não se demitiu do CDS — esteve prestes a fazer o discurso — porque António Guterres se demitiu antes de primeiro-ministro. Três meses depois, o líder do CDS era ministro da Defesa do Governo de Durão Barroso.
Tal como António Costa estava irritado com os encontrões à saída de um comício na Maia — e exasperado com as conversas com os professores e enfermeiros que se manifestavam contra o Governo –, há 16 anos Paulo Portas estava irritadíssimo. Nervosíssimo. O líder do CDS tinha acabado de chegar de uma conferência de imprensa sobre uma polémica acerca dos debates televisivos dos candidatos à câmara de Lisboa. Lição a tirar: nunca dê uma entrevista se estiver muito irritado. Dê primeiro umas voltas ao ar fresco, respire fundo e sim, enfrente depois os jornalistas. Diferença para António Costa? A entrevista ao secretário-geral do PS não estava a ser especialmente adversativa.
O caso Ricardo Rodrigues: o pai do fim de todas as entrevistas
Esta foi a fuga das fugas: a mãe (ou o pai) do fim de todas as entrevistas. O deputado socialista Ricardo Rodrigues perdeu de tal forma o controlo perante as perguntas incómodas dos jornalistas da Sábado — em maio de 2010 — que se esqueceu que estava a ser filmado. Já tinha ameaçado acabar com as perguntas e respostas. A certa altura, levantou-se. Foi-se embora. Saiu porta fora. Mas não se limitou a dar a sessão por terminada. Foi rápido. Habilidoso. Cerebral. Impulsivo. Abstraído da existência de uma câmara de filmar diante de si, pegou não em um, mas em dois gravadores. E com uma mestria incopiável, meteu-os nos bolsos e desapareceu da biblioteca da Assembleia da República. A forma como o fez foi tão subtil que, só longos segundos depois, os dois entrevistadores deram conta de que os aparelhos que registavam o som tinham desaparecido. Veja aqui as imagens:
O caso fez escândalo pelo insólito. Tornou-se anedota nos país e nos corredores parlamentares e chegou a ser noticiado por jornais estrangeiros. Dez minutos depois da entrevista, os jornalistas Fernando Esteves e Maria Henrique Espada encontraram o então deputado açoriano — hoje presidente da câmara de Vila Franca do Campo, nos Açores — a conversar com duas pessoas à saída do Parlamento. “O senhor deputado tem algo que nos pertence”, disseram-lhe. O socialista explicou, então, que os gravadores estavam com um “fiel depositário” e que este lhes daria “o tratamento adequado”. Quatro dias depois, a Sábado apresentava uma queixa no Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP), contra Ricardo Rodrigues por furto e atentado à liberdade de informação.
O deputado ainda convenceu o então líder parlamentar do PS, Francisco Assis, a fazer uma conferência de imprensa, onde compareceram alguns deputados cabisbaixos, a explicar porque é que Ricardo Rodrigues tinha tomado posse dos gravadores, depois de se ter sentido alvo de uma “violência psicológica insuportável”. Ricardo Rodrigues acabaria condenado, em 2012, a uma pena de multa de 4.950 euros pelo crime de atentado à liberdade de imprensa e de informação.
A entrevista estava a tornar-se desconfortável. Recordava casos em que o socialista tinha estado envolvido e investigações de que tinha sido alvo. Ricardo Rodrigues era, nessa época, uma peça fundamental do partido na área da Justiça e coordenador para a Administração Interna. Fazia parte da comissão eventual contra a corrupção e integrava a Comissão de Inquérito para apurar se o primeiro-ministro José Sócrates tinha mentido no caso da tentativa de compra da TVI por parte da Portugal Telecom.
O primeiro tema que irritou Ricardo Rodrigues teve a ver com questões relacionadas com o caso Débora Raposo, condenada dois anos antes a cinco anos e dois meses de prisão por burla e falsificação de documentos, por ter defraudado a CGD de Vila Franca do Campo em vários milhões de euros. O deputado tinha sido advogado, sócio e procurador da visada em offshores. Mas o tema que levou o deputado a dar a entrevista por terminada era mais delicado: os boatos que tinham corrido nos Açores e que o davam como ligado a casos de pedofilia. O caso tinha ganho contornos políticos, mas não judiciais, e levara à saída de Ricardo Rodrigues dos Açores. Até merecera comentário de Carlos César, então presidente do Governo Regional: “O dr. Ricardo Rodrigues veio para a política para ajudar, sai para ajudar e espero que, inocentado, regresse para continuar a ajudar-nos”.
E qual foi declaração terminal antes do fim de entrevista mais célebre de Portugal? “Os tribunais não me acusam e… e agora… os tribunais… os senhores não estão bons da cabeça”.
Santana Lopes: o fim de uma entrevista em direto e a cores
A guerra no PSD estava ao rubro (mais uma vez). E desta vez era mesmo uma guerra das feias: Luís Filipe Menezes e Luís Marques Mendes lutavam nas diretas do partido com truques baixos, acusações mútuas de pagamento de quotas e violação das regras do partido, o caciquismo mais exacerbado de sempre no PSD. Era setembro de 2007. Convidado de Ana Lourenço na SIC: Pedro Santana Lopes. O ex-presidente do partido comentava, indignado, a “situação a que se chegou, inadmissível”, com o escândalo do pagamento massivo de quotas de militantes no multibanco. “Não é a democracia funcionar”, lamentava, “andarem a pagar quotas por nós”. Eis senão quando Santana é interrompido: enquanto falava da democracia interna do partido, algo de muito importante se passava no aeroporto de Lisboa…
Ana Lourenço passa a emissão em direto para a Portela. Motivo? José Mourinho chegava triunfante de Inglaterra, mesmo depois de ter rompido com o Chelsea… o problema foi quando a jornalista quis recuperar o fio à meada. “Regresso agora à conversa com o dr. Pedro Santana Lopes…”
https://youtu.be/v2NRfdJ-IBg
Não foi bem uma conversa. Os dois minutos seguintes foram de Pedro Santana Lopes a dar um sermão e a pôr um ponto final na entrevista: “Sabe onde é que estava?”, ironizou. “E acha que isso se justifica?”, perguntou, para lançar mais duas frase cheias de ironia à jornalista: “O Mourinho é mais importante do que qualquer um de nós, sem dúvida. E a chegada dele pôs o país em delírio.” A seguir meteu o alfinete para doer no fundo: “Os problemas do sistema político e dos partidos não interessam nada.” E rematou com uma nota personalizada: “Convidaram-me para vir aqui falar destes assuntos importantes. Eu vim com sacrifício pessoal. E interrompem-me por causa da chegada de um treinador de futebol… Acho que o pais está doido, portanto não foi vou continuar a entrevista”.
O caso não fez o furor nas redes sociais que faria hoje, porque o mundo ainda era diferente, mas teve eco mediático. Ricardo Costa, então diretor-adjunto de informação da SIC, fez um comunicado a achar a atitude exagerada: “A SIC Notícias lamenta que a decisão de fazer um direto para a chegada de José Mourinho ao aeroporto tenha provocado uma reação que consideramos desproporcionada de Pedro Santana Lopes”. E acrescentava uma justificação editorial: “A SIC Notícias não falta ao respeito aos seus convidados nem aos telespectadores”, isto porque a chegada de José Mourinho “era um acontecimento que também marcava a noite”. Afinal, a noite ficou marcada de outra maneira.
Manuel Pinho acabou entrevista que estava a ser demasiado dura
O ministro da Economia de José Sócrates chegou à entrevista com a Sábado, numa sala do ministério da Rua da Horta Seca, com um pequeno modelo de um aviãozinho da Embraer na mão. Colocou a miniatura a seu lado em cima da mesa, para mostrar os investimentos que estavam a ser feitos em Portugal, neste caso que ia ser produzido em Évora. Em julho de 2008 — quando foi realizada a entrevista –, ainda não se antecipava o desfecho da crise em Portugal, mas já se faziam sentir os efeitos da recessão. Título: “O desemprego vai baixar? Nenhum político sério o pode garantir”. A irritação de Manuel Pinho, que não estava habituado a entrevistas mais confrontativas, foi crescendo ao longo de 64 minutos.
Uma questão: “Disse que o seu negócio é bater previsões. E agora recua…” Resposta: “Eu não recuo! Atenção, eu não recuo! Sou apenas uma pessoa no Governo que quer fazer o melhor possível.” Outra pergunta, depois de Manuel Pinho ter acusado Manuela Ferreira Leite de ter comprado dois submarinos por mil milhões de euros: “Seria contra a compra dos submarinos?” Resposta: “É uma despesa totalmente extravagante.” Comentário dos jornalistas: “Essa decisão foi do PS, em 2001″. Reação do ministro:”O contrato foi assinado em 2004”. Réplica: “O Governo seguinte só manteve o compromisso.” O argumento de Manuel Pinho: “Acho uma despesa extravagante. Gastar mil milhões de euros a passar a despesa para 2010 tira força aos argumentos do PSD”. A inistência no tema: “Em três anos, as auto-estradas sem portagens custam o mesmo que os submarinos”. Nova resposta: “Exatamente. Entre estradas que sirvam as populações, sobretudo as mais desfavorecidas, não tenho qualquer hesitação”.
A entrevista aproximava-se do fim. Havia uma pergunta que levaria Manuel Pinho ao limite. Como o as contrapartidas pelos submarinos eram um assunto que estava na tutela do ministro da Economia, a questão final foi esta: “E os 1,3 mil milhões de euros de investimentos na economia portuguesa, como contrapartidas pela compra dos submarinos, onde estão?” O entrevistado repetiu a resposta anterior. “Mas como está a questão das contrapartidas?”. Perante os sinais que a assessora lhe fazia com insistência, o ministro levantou-se apenas com um “está bom?…” e foi-se embora. Quando os jornalistas chegaram à redação já estavam a receber chamadas do gabinete do primeiro-ministro a tentar saber o que se tinha passado…