A entrevista decorria no carro de António Costa. Aproveitando uma viagem entre a Maia e o Porto, e depois de ter entrevistado todos os líderes partidários à exceção do secretário-geral do PS, a Rádio Renascença acompanhava o socialista entre ações de campanha. Falou-se sobre um protesto de enfermeiros, sobre professores e, finalmente, sobre os cenários eleitorais para a gestão do Porto. Foi aí que Costa cortou: “Esta entrevista é melhor fazer ao Manuel Pizarro. Está concluída.” Sem mais.

Não foram mais de cinco perguntas, a julgar pela transcrição da conversa que a Renascença publicou no seu site. Menos de dois minutos de pergunta e resposta. Quatro das questões incidiram sobre as eleições para a câmara do Porto, uma corrida para a qual o PS lançou Manuel Pizarro como cabeça de lista, numa solução de recurso depois de o atual vereador (com responsabilidades no executivo até há poucos meses) e Rui Moreira se terem incompatibilizado. O independente Moreira rejeitou o apoio do PS e Pizarro, que estava nas listas do presidente, passou para uma pista própria.

Foi precisamente quando os jornalistas tentavam perceber como se vai posicionar o PS no pós-eleições, caso nenhum dos candidatos consiga chegar à maioria dos mandatos, que Costa deu a entrevista por terminada. “Se não houver uma maioria absoluta, o PS está disponível para voltar a conversar com Rui Moreira?”, perguntaram os jornalistas. Costa empurrou o tópico para o candidato do PS. “Esses assuntos tem de perguntar ao candidato Manuel Pizarro, eu não falo sobre os assuntos da concelhia”, disse o secretário-geral do PS.

Não será tanto assim. Quando as relações a norte começaram a esfriar, o próprio António Costa interveio na escolha do candidato do PS ao Porto. Segundo escreveu o jornal Público em maio, o líder socialista ligou ao presidente da concelhia e deputado à Assembleia da República, Tiago Barbosa Ribeiro, dando conta de que o partido teria de apresentar o seu nome às eleições. Por “uma questão de dignidade partidária”.

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Desta vez, Costa — que vai encerrar na cidade do Porto a campanha do PS para as autárquicas — preferiu deixar o assunto para outros. “Não vou falar sobre esse assunto”, disse, segundos antes de interromper a entrevista a caminho do Porto. O jornalista fez referência a uma proximidade das posições dos candidatos do PS e do PSD naquela cidade, mas já não obteve mais respostas. “Esta entrevista é melhor fazer ao Manuel Pizarro, está bem?” Ainda um pedido para continuar, mas Costa cortou de imediato: “Está concluída, está concluída. Muito obrigado.” E repetiria. “Está concluída, muito obrigado.”

Mais de 100 professores e enfermeiros fizeram ‘espera’ a António Costa à saída de comício na Maia

A tensão manifestada pelo secretário-geral do PS não tinha, porém, começado dentro do carro. Ao sair de um comício na Maia, antes de começar a entrevista, Costa era esperado por cerca de 100 enfermeiros e professores. Queriam pedir “justiça” e entregar uma carta aberta ao também primeiro-ministro. “O Ministério da Educação tem estado a falar convosco”, chegou a dizer o líder socialista. “Pense em nós, na nossa solução, nas nossas reivindicações”, chegou a dizer um dos manifestantes. “Até o provedor de justiça nos deu razão!”, gritou outra, num episódio registado pela agência Lusa.

Por duas vezes, no trajeto entre o pavilhão e o carro, foi o próprio Costa quem pediu “calma” a elementos do seu corpo de segurança pessoal. “Calma, calma, espere aí, espere aí”, diz a um dos elementos que afastava os manifestantes para abrir caminho. Já perto do carro, o socialista voltou a intervir. “Pense em nós”, dizia uma das manifestantes quando o agente da PSP se colocou entre Costa e a mulher. “Desculpe lá, não empurre as pessoas“, começou por dizer. Para depois pedir (no tom que mais soava a ordem) ao mesmo agente: “Pode-se afastar? Pode afastar. Bem.” E o homem desaparece do plano de reportagem da SIC.

A conversa seguinte não correu de feição ao secretário-geral do PS, que por alguns minutos vestiu a pele de primeiro-ministro. Uma professora recordou Costa da promessa de uma solução para o problema de colocação dos docentes, o governante respondeu que foi prometida uma audição; Costa diz que os sindicatos estão em diálogo com o ministério da Educação, a mulher diz-lhe que “os sindicatos não foram ouvidos”; o socialista ainda diz que haverá, para o ano, um novo concurso, mas a resposta é a de que o concurso não resolve” a situação. Nada feito naquela troca de bolas. O primeiro-ministro remete a conversa para uma mesa no Ministério da Educação e fecha o debate, para entrar de seguida no carro.

Foi por aí que a entrevista começou. Que podia dizer o primeiro-ministro ao manifestantes, perguntaram os jornalistas. “As negociações com os enfermeiros têm vindo a decorrer normalmente no Ministério da Saúde e é lá que devem decorrer e não à porta de ações partidárias”, respondeu sobre os enfermeiros. “Quanto aos professores, foram colocados em escolas para as quais concorreram, não estão satisfeitos com a colocação, têm direito a reclamar, podem reclamar, mas não podem naturalmente ter uma solução administrativa que prejudique os outros colegas que foram ao mesmo concurso e que ficaram colocados na frente deles”.

Depois, os tópicos sobre o Porto. E o fim da entrevista. “Concluída!”