À entrada para esta sessão, a dúvida que pairava sobre a cabeça de todos é a mesma: seria este o dia em que Pedro Dias prestará declarações? Tudo indicava que sim, mas tal não se veio a confirmar.

“Há perícias ainda em curso e sem elas não podemos terminar os trabalhos”, explicou o juiz, referindo-se às perícias ordenadas pelo tribunal ao estado de saúde das vítimas Lídia da Conceição (que foi alegadamente sequestrada por Pedro Dias a 16 de outubro de 2016 e que teve entretanto um acidente vascular cerebral) e o militar da GNR baleado António Ferreira. Tendo em conta que o arguido só se quer pronunciar depois de concluída a prova, a sua declaração foi mais uma vez adiada.

A prolongar os trabalhos está ainda o requerimento para clarificar se Catherine Azevedo e o GNR baleado Carlos Caetano viviam ou não em união de facto (e que está relacionada com a possível atribuição de indemnizações). Catherine não pôde estar presente na sessão, tendo sido apenas ouvido o pai do militar, António Caetano. Este confirmou ao tribunal ter conhecimento que o filho só se teria mudado para viver com a namorada no dia 10 de julho de 2016. Testemunhas ouvidas anteriormente diziam que o casal vivia em união de facto há dois anos.

A próxima sessão está marcada para dia 13 de dezembro, quando serão apresentados os resultados das perícias e Catherine deverá ser ouvida. Se houver tempo, Pedro Dias poderá falar ainda nesse dia. Senão, a sua declaração só deverá ocorrer em janeiro, antes das alegações finais.

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Sobre uma possível declaração do arguido, o advogado dos militares da GNR, Pedro Proença foi claro: “Tudo o que não seja uma confissão de factos para mim não serve”, disse, acrescentando que “é fácil” para a defesa produzir uma história “depois de ouvir todas as testemunhas e perceber onde pode haver fragilidades”.

Pedro Dias interrompeu a sessão

No entanto, e ao contrário do que tem sido hábito ao longo das sessões, Pedro Dias pronunciou-se pela primeira vez em tribunal esta terça-feira, interrompendo a sessão que decorre no Tribunal Judiciário da Comarca da Guarda: “Senhor juiz, é muito difícil estar aqui com estas perguntas…”, queixou-se, levantando-se. Em causa estava uma série de perguntas vindas de um dos advogados das famílias, que questionava Isaura Ventura, testemunha abonatória, sobre se sabia quais os estudos e cursos que o arguido tinha frequentado.

O juiz relembrou a Pedro Dias que não poderia falar naquele momento e as inquirições continuaram. Isaura Ventura, que até ali tinha sublinhado as características positivas da personalidade do arguido, disse pensar que ele teria apenas o 12º ano e não tinha qualquer conhecimento sobre se ele teria tirado o brevet de piloto. A mesma testemunha sublinhou, à semelhança das restantes, “a bondade” do arguido, que ajudava todos os que precisavam. “É amigo do seu amigo”, resumiu Isaura Ventura.

Aos jornalistas, a advogada de defesa Mónica Quintela esclareceu posteriormente que estariam em causa não as perguntas, mas comentários feitos pelos advogados. “Ele [Pedro Dias] tem manifestado algum desagrado porque lhe têm sido dirigidos comentários que aqui [no tribunal] não são possíveis.”

Já Pedro Proença, fazendo o balanço da sessão, deixou uma interpretação no ar: “Começo a antecipar que ele pode imputar a responsabilidade dos homicídios de Liliane e Luís Pinto a outrém”, o que seria, de acordo com o advogado “um homicídio de personalidade”. Questionado sobre se esse “outrém” poderia ser o seu cliente, o GNR baleado (que sobreviveu) António Ferreira, Proença confirmou que se tal cenário acontecer exigirá compensação pelos danos ao bom nome do militar. E disse que espera uma condenação e uma pena “de 25 anos de prisão”.

Os comentários do advogado relacionam-se com o facto de várias das testemunhas abonatórias ouvidas esta terça-feira terem referido que Pedro Dias “rezou muito” para que Liliane sobrevivesse, e que inclusivamente “fez novenas”, como contou a irmã, Andreia Dias. “Ele queria que ela falasse. Pedia para rezar para que ela pudesse falar, que só ela poderia dizer a verdade sobre o que se passou nesse dia”, acrescentou o amigo António Miguel Pereira.

“Ele não conhece o filho mais novo porque se recusa a vê-lo através de um vidro”

Na sala de audiências, os relatos das testemunhas abonatórias coincidiram sobre “o bom caráter” do arguido.

Andreia Dinis, a irmã do arguido, foi a primeira testemunha abonatória da defesa a ser ouvida este terça-feira. Ao tribunal, Andreia revelou que Pedro Dias teve um terceiro filho, que nasceu enquanto o arguido esteve na prisão. “Ele não conhece o filho mais novo porque se recusa a vê-lo através de um vidro em Monsanto”, revelou a irmã, que tinha dito que antes da fuga do irmão a família vivia um “momento feliz” com essa novidade, bem como com a notícia de que Pedro Dias tinha conseguido a guarda da filha mais velha.

Sobre a fuga de Pedro Dias, Andreia sublinhou que o irmão desejava entregar-se, mas insinuou que tinha receio: “Um inspetor da PJ avisou que se ele se entregasse à GNR seria morto”, disse a irmã. “O meu irmão quis-se entregar, sem dúvida alguma. Ele dizia-me: ‘Andreia, eu sou um cidadão, quero esclarecer as coisas’.”

Inquirida pelo advogado Pedro Proença, Andreia Dinis, de 39 anos, acabou por reconhecer que não acompanha “diariamente” a vida do irmão desde que saiu de casa para ir estudar, aos 18 anos. Admitiu não saber alguns pormenores da vida profissional de Pedro Dias, de quantos processos-crime ele é alvo e se andava ou não armado. “Alguém da sua família informou o seu irmão de que não deveria entregar-se à GNR, como lhe disseram?”, perguntou o advogado. “Não”, respondeu a irmã.

Terminada a inquirição da testemunha, o Ministério Público fez um requerimento para que sejam ouvidos os dois inspetores da Polícia Judiciária que terão dito a Andreia Dias e a outros familiares e amigos de Pedro Dias que este não deveria entregar-se à GNR porque “seria morto”. A defesa pediu que fossem igualmente ouvidas as pessoas presentes nessa conversa. O tribunal irá deliberar.

A segunda testemunha, Cláudia Cardoso, apresentou-se como amiga de longa data do arguido. “O Pedro não é o monstro que a comunicação social descreve”, disse, reforçando várias vezes que a sua presença no tribunal serve para falar da personalidade do amigo. “Se há pessoa que não é perigosa é o Pedro”, reforçou, acrescentando que Pedro Dias sempre lhe falou repetidamente da importância que a filha tinha na sua vida — algo que a defesa apontou como tornando “claro” que a guarda da criança era “hipervalorizada” pelo arguido. Cláudia Cardoso, contudo, admitiu que o seu contacto com o arguido tinha sido limitado nos últimos cinco anos, desde que se mudou para Aveiro e deixou de conviver regularmente com Pedro Dias.

Também Paulo Jorge Rodrigues, terceira testemunha abonatória, teve um relato semelhante: amigos “até aos 20 anos”, diz não ver “nenhuma maldade no Pedro”, que definiu como “pessoa de bem”. A testemunha revelou que durante a infância e juventude foi inclusivamente defendido por Pedro Dias, em momentos em que foi verbalmente gozado. No entanto, admitiu que desde os 20 anos até agora não manteve contacto regular com o arguido.

Da parte da tarde, a testemunha abonatória José Augusto Fonseca falou sobre o amigo Pedro Dias, sublinhando a sua disponibilidade e apoio em momentos difíceis e como estavam a planear entrar num projeto agrícola em conjunto. Falou ainda sobre a família do arguido: “Os pais estão destroçados, estão sem forças. O pai tem pouca motivação para a vida. A mãe é uma lutadora, mas nota-se que tem perdido anos de vida”, sublinhando que têm estado a tentar criar a neta mais velha “como se estivesse tudo numa situação normal”.

Pedro Dias “sentia-se perseguido” pela GNR

António Miguel Pereira, amigo de longa data de Pedro Dias, reforçou igualmente que antes dos acontecimentos de outubro de 2016 — à semelhança do que já tinha sido avançado pela irmã Andreia Dias — o arguido sentia que era alvo de buscas da GNR de forma demasiado frequente. Também a irmã declarou no seu testemunho que o arguido chegava a ser fiscalizado “duas ou três vezes por semana” pela guarda.

“Ele falava que desde que entrou nesta luta com a ex-mulher dele [pela guarda da filha] era perseguido muitas vezes pela GNR”, disse o técnico de gestão equina, António Pereira. O amigo avançou ainda como possível explicação o facto de a ex-mulher de Pedro Dias ser médica veterinária e provavelmente “conhecer muitos GNRs, eles têm muitos cavalos”. Inquirido por um dos advogados dos militares, a testemunha acabou por admitir que não sabe precisar se Ana Souto (a ex-mulher) conhece ou não algum militar da GNR.

O amigo, que nos últimos anos mantinha contactos telefónicos quase diários com o arguido, diz que ambos estavam a atravessar separações complicadas e que se apoiavam mutuamente. À semelhança das restantes testemunhas abonatórias, sublinhou o caráter pacífico de Pedro Dias. “Nunca o vi ser agressivo, nem com pessoas, nem com animais, nem nada.”

Questionado pelos advogados das famílias, António Miguel negou que Pedro Dias fosse caçador — a suspeita de que o arguido fosse caçador foi o que levou o GNR Filipe Sequeira, segundo testemunhou em tribunal, a avisar os colegas de que Pedro Dias podia estar armado. O advogado Pedro Proença realçou, no entanto, que foram encontradas armas e licença de caça em nome de Pedro Dias na casa da sua ex-namorada. A testemunha disse não ter conhecimento desse facto.

Uma “sessão de beatificação”

À saída do tribunal na pausa para o almoço, Pedro Proença classificou os testemunhos ouvidos esta terça-feira no tribunal como uma “sessão de beatificação” e, sublinhando que quase todos não mantinham contacto regular com Pedro Dias nos últimos anos, perguntou: “Onde estão as testemunhas que conviveram com ele nos últimos anos?” Já a advogada de defesa, Mónica Quintela, disse aos jornalistas que o tom das testemunhas abonatórias “é o normal”. “Foi o mesmo com as testemunhas cíveis”, disse, referindo-se aos familiares das vítimas.

Quanto ao facto de Pedro Dias se ter pronunciado contra as perguntas que visavam as testemunhas abonatórias, o seu outro advogado de defesa, Rui Silva e Leal, disse compreendê-lo, já que, diz, “se estão a passar das marcas” no tipo de comentários que os advogados têm feito. Ao longo da sessão desta manhã, os advogados das vítimas fizeram várias perguntas às testemunhas abonatórias que provocaram alguns momentos de tensão.

Pedro Dias, que tem passado as sessões inteiras do julgamento a tomar notas, deverá falar depois de concluído a produção de prova. Em causa estão as acusações de cinco crimes de homicídio (três consumados e dois tentados), três sequestros, dois roubos e três detenções de arma proibida, relacionados com os eventos que ocorreram entre 11 de outubro e 8 de novembro de 2016.