(Artigo atualizado às 13:40 com esclarecimentos de Teodora Cardoso no final da conferência sobre as suas declarações durante a sua intervenção)
A Presidente do Conselho das Finanças Públicas, Teodora Cardoso, disse esta quarta-feira que a gestão orçamental de Mário Centeno em 2016 foi “uma espécie de reprodução” da gestão orçamental feita durante os tempos de Salazar, com o uso de cativações de forma pouco transparente para atingir a meta do défice sem ter de assumir medidas discricionárias para o efeito.
Passámos a ser democratas a fazer défices, mas em termos de gestão das despesas nós continuamos no Salazar, basicamente. Com uma diferença, no tempo de Salazar não havia défices. Não havia mesmo, cortavam-se as despesas, é claro que se cortavam, em educação, saúde, pensões, que nós não queremos cortar, mas défices não havia”, disse a economista, durante uma conferência sobre o Orçamento do Estado para 2018 na Universidade Lusíada.
A líder da entidade que avalia as contas públicas portuguesas avançou, então, para a comparação entre o período atual e a forma como o ministro das Finanças geria, com mão de ferro, os orçamentos durante a ditadura.
“O poder todo em matéria de gestão do orçamento estava no ministro das Finanças. O ministro das Finanças é que decidia se havia dinheiro ou se não havia, se não havia dinheiro cortava, pura e simplesmente. Nós já o ano passado tivemos uma espécie de reprodução disto com a as cativações. As cativações são um instrumento de gestão orçamental, que no fundo dão uma margem de segurança para cumprir os limites. Até aí não há problema, mas quando as cativações ultrapassam claramente esse nível e começam a ser medidas discricionárias para se conseguir atingir um défice orçamental sem haver as medidas efetivamente que conduziriam a esse défice, aí estamos a arranjar um problema maior”, adiantou.
A presidente do CFP justificou esta comparação com a expetativa que é criada nos serviços sobre o orçamento que terão no início do ano e a forma como os serviços acabam por cortar nas suas despesas, sem estratégia, para conseguirem adaptar-se a elevado nível de cativações que tem sido aplicado.
“Criou-se uma expetativa quando o orçamento é aprovado e as dotações são aprovadas, criou-se uma expetativa nos serviços que vão ter acesso a, pelo menos, 90% daquilo que é a dotação, se depois ao longo do ano isto é cortado de uma forma completamente não transparente e completamente dependente do juízo – que, em geral, normalmente está correto do ministro das Finanças -, sobre se tem dinheiro para pagar ou não tem, então os serviços ficam sem capacidade de reagir e cortam de alguma maneira, mas depois os efeitos vão-se vendo, e já se começaram a ver alguns, do facto de se gerir ou não gerir as coisas desta forma”, disse a responsável.
No entender de Teodora Cardoso, o ministro das Finanças não deve fazer a gestão das despesas de todos os ministérios, isso deve ser deixado a cada departamento, devendo ter antes “uma responsabilidade macroeconómica muito superior do que aquela que tem”.
No final da conferência, questionada pelos jornalistas, a presidente do Conselho das Finanças Públicas esclareceu o que quis dizer, explicando que o que não se alterou significativamente desde o antigo regime foi o processo de gestão da despesa pública, que continua muito centralizado no Ministério das Finanças.
“Eu disse uma coisa que não tem nada a ver com este ministro das Finanças nem com as cativações, mas tem a ver com o processo de gestão da despesa pública que realmente não se alterou significativamente desde os tempos do antigo regime. Quer dizer, continua tudo muito centralizado no Ministério das Finanças, em base de caixa, anual. E para qualquer Ministério gerir as suas despesas tem que pedir autorizações ao ministro das Finanças e isso dificulta a gestão dos Ministérios. Dificulta e, de qualquer maneira, acaba por ser um obstáculo, porque a lógica do Ministério das Finanças é uma lógica macroeconómica e essa compete-lhe, deve continuar a competir-lhe e até deve ser reforçada, mas a lógica microeconómica de como é que se gerem as despesas isso deve ser muito mais da responsabilidade dos Ministérios setoriais e é isso que ainda é muito parecido com o que era no tempo do antigo regime”, afirmou.
A responsável disse ainda que as cativações não só pecam por falta de transparência como arriscam-se a criar compromissos mais elevados no futuro.
“Eu disse que efetivamente as cativações pecam pela falta de transparência e pela discricionariedade. Quando o Orçamento é aprovado os diversos orçamentos têm uma dotação e contam em principio com ela para as despesas que têm para fazer e essa dotação já foi negociada com o Ministério das Finanças. Criam os seus compromissos, em alguns casos as despesas até podem não estar comprometidas, mas estão previstas, são despesas que em principio são necessárias. Se, de repente, vem uma cativação para além do normal – porque há cativações que são habituais -, isso cria um problema de gestão adicional aos Ministérios e não facilita, não vai cortar nas despesas, o que vai fazer é um aperto naquele momento que vai ter de desapertar de alguma maneira e às vezes até vai custar mais caro no futuro”, afirmou.