Luís Filipe Catarino foi durante 10 anos o fotógrafo oficial do Presidente Cavaco Silva. Em novembro de 2016, a menos de um ano das autárquicas, Fernando Medina decidiu contratar Catarino para que o fotografasse nas ações públicas. Agora — como se pode verificar no site Base.gov a 24 de janeiro — a avença foi renovada: 4.615,57 euros brutos por mês (3.752,50, excluindo o IVA). Já durante a campanha eleitoral, o trabalho do fotógrafo tinha levantado dúvidas, uma vez que numas horas do dia trabalhava para o presidente da Câmara, Fernando Medina, e noutras para o candidato do PS, Fernando Medina. Na altura, o Observador questionou o gabinete de Medina e o fotógrafo e ambos garantiram: “É o PS que paga as fotografias da campanha.”
Começando pela polémica mais atual: o novo contrato de Luís Filipe Catarino especifica que o “objeto principal” do contrato é a cobertura de sete grandes eventos que ocorrem (ou ocorreram) em Lisboa. Em causa estão o Espetáculo de Fim de Ano, o Festival da Eurovisão, as duas edições da ModaLisboa de 2018 (em março e outubro), a Volvo Ocean Race (em agosto de 2018), a Volta a Portugal em Bicicleta, em agosto de 2018, e Lisboa — Capital Europeia do Desporto em 2021 (o que se supõe ser trabalho preparatório, já que o contrato acaba nos primeiros cinco meses de 2019). Ora, a publicação O Corvo fez as contas e distribuiu os 71.923,00 euros do contrato (sem IVA) por cada um dos eventos e noticiou que Catarino iria receber 10 mil euros por evento.
A Câmara respondeu, num esclarecimento enviado às redações, que “o fotógrafo em causa não se limita a fotografar apenas sete eventos, antes acompanha diariamente as atividades da presidência do município — para lá de outros serviços para as publicações da CML”. A autarquia destaca ainda que “basta uma breve pesquisa de segundos na conta do presidente da autarquia para perceber que o trabalho (que está assinado) não se limita ao elencado pelo Corvo”.
Ora, foi precisamente esta página que levantou dúvidas durante a campanha. É que nessa mesma conta de Instagram eram publicadas as fotografias das ações do presidente da Câmara, Fernando Medina, assinadas por “Luís Filipe Catarino/CML“, mas também as fotografias do candidato socialista Fernando Medina, igualmente tiradas por Luís Filipe Catarino mas não assinadas. O Observador confirmou, em dezenas dessas ações, que era Catarino quem tirava as fotos, o que significa que o nome do autor da fotografia era omitido propositadamente nas ações do PS. Além disso, a conta de Medina no Instagram, durante a campanha, mudou para “Medina2017”.
Desde logo, a situação levantava um problema: o risco de o fotógrafo da Câmara estar eventualmente a trabalhar (e a autarquia a pagar) para um dos candidatos — o que seria ilegal. Na altura, tanto o gabinete de Fernando Medina como o fotógrafo Luís Filipe Catarino explicaram ao Observador que, “para as fotografias na campanha“, o fotógrafo era “pago pelo PS“. Ou seja: num mesmo dia, era pago por duas instituições diferentes. Ambos desvalorizaram também uma eventual incompatibilidade da situação. A versão de Medina e Catarino só pode ser verificada dentro de alguns anos, quando forem publicadas as contas da campanha das autárquicas do PS.
Uma das fotografias de Luís Filipe Catarino não assinadas
Além disso, o primeiro contrato de Luís Filipe Catarino falhou completamente o objeto. Na verdade, Catarino acompanhou Fernando Medina como um fotógrafo oficial acompanha um alto representante do Estado, tal como acontece com o fotógrafo oficial do primeiro-ministro ou do Presidente da República. No entanto, o contrato estava longe de firmar isso, estabelecendo que Catarino foi contratado para “serviços de registo fotográfico, tratamento de imagem fotográfica e sistematização de imagem em arquivo do Departamento de Desporto“. Ora, fotografar Fernando Medina nada tem a ver com Desporto.
E aqui uma das fotografias de Luís Filipe Catarino assinadas
Até agora, Catarino fez dois contratos com a Câmara de Lisboa: um primeiro que custou aos cofres da autarquia 55.386,9 euros com uma duração de 350 dias e um segundo, que está em execução, que custou 88.465,29 euros por 570 dias. No total, são 143.852,19 euros pagos em dois anos e meio.
Luís Filipe Catarino foi o fotógrafo oficial da Presidência da República entre 2006 e 2016, os dez anos de mandato de Aníbal Cavaco Silva. Foi fotojornalista do Expresso, tendo acompanhado a crise de Timor-Leste e a Guerra Civil da Guiné-Bissau. Também foi editor da revista de viagens “Volta ao Mundo”.