Psicóloga clínica há 18 anos, Vera Ribeiro especializou-se em sexologia em 2009. Desde então, foram muitos os casos que lhe passaram pelas mãos, alguns deles agora relatados no livro Manual de Sedução, publicado no início deste mês pela Manuscrito. Comunicação é a palavra de ordem num guia prático com conselhos, dicas e muita, muita informação prática sobre sexo, sedução e prazer. “Fazia falta pôr tudo isto num único livro. Está tudo muito separado, parece que as coisas não estão interligadas. E começa tudo com a descoberta do eu, só depois é que passa para a relação a dois”, explica.

A linguagem fácil e descomplexada mistura-se com o rigor clínico. Afinal, Vera faz parte do Conselho Clínico do Hospital St. Louis, em Lisboa. Reconhece que ainda falta à-vontade para falar do tema, sobretudo na área dos desejos e fantasias. De uma coisa tem a certeza: estar numa relação é sinónimo de estar constantemente a apalpar terreno. Aproveitámos o conselho, vasculhámos o livro e conversámos com a autora à procura de respostas a grandes dúvidas sobre sexo.

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É normal chegar ao fim sem um orgasmo?

“É normal, sim. Só não pode ser habitual”, responde. A anorgasmia é um dos pontos abordados logo no início do livro. A sexóloga fala em mulheres que fingem estados sexuais para não serem alvo de preconceito, quando a ausência de orgasmo continuada é um problema que pode ser solucionado em conjunto e, em última análise, tratado com ajuda profissional. Na opinião de Vera Ribeiro, o primeiro passo é assumir que se está com essa dificuldade.

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Masturbação em demasia, isso existe?

“Não há uma dose certa para o número de vezes que se deve fazer. O problema é quando se torna algo de obtenção de prazer exclusivo e deixa de haver liberdade para consegui-lo de outra forma. Só mesmo se houver atos compulsivos de masturbação é que ela se pode tornar numa patologia”, explica ao Observador.

Para a especialista, a masturbação é um dos grandes preconceitos que permanecem por combater. Continua a ser associada a insatisfação sexual, perversidade e até a problemas mentais. É uma forma de explorar o próprio corpo e não deve ser um tabu, faça parte da intimidade individual ou da de um casal. “A maioria das disfunções sexuais em adulto reflete-se na dificuldade da aprendizagem (ou ausência completa) através da masturbação”, escreve a autora.

Outro dos aspetos focados pela sexóloga é a utilização de pornografia durante a masturbação. Vera fala num estímulo sempre garantido, que enfraquece a capacidade de fantasiar e refere uma estimulação condicionada e mecânica que vai retirando poder ao exercício mental.

Posições sexuais: há um mínimo aceitável?

“É típico da fase mais inicial de uma relação. As pessoas têm muito esta sensação de que estão a ser postas à prova, de que têm que mostrar tudo o que sabem”, explica Vera ao Observador. À medida que o tempo passa, a maturidade pode reduzir o leque de opções, mas no melhor dos sentidos. Para ter prazer, fruto do equilíbrio entre criatividade e conforto, não é preciso ser nenhum ninja na cama. E não, correr o kama sutra do princípio ao fim não é sinónimo de relações sexuais melhores.

Sexo oral: há alguém que não goste?

Em Manual de Sedução, Vera Ribeiro dedica 15 páginas ao sexo oral, o preliminar dos preliminares. Não é obrigatório e “não tem ensinamentos subjacentes”, segundo explica no livro. É tudo em função do prazer que se sente e do prazer que se dá. Contudo, há regras. A sexóloga alerta ainda para a importância de não se insistir sempre que um dos intervenientes se mostrar desconfortável e de não ir logo direto ao assunto.

O contacto visual durante o sexo oral é, na opinião da sexóloga, um fator a ter em conta. A autora fala em “momentos de leitura de alma” entre parceiros, frisando que são os homens quem mais reage ao olhar. Outro detalhe: “As mudanças de temperatura do corpo são potenciadoras de prazer”.

Psicóloga clínica e sexóloga, Vera Ribeiro assina o livro Manual de Sedução © Andy Dyo

Vão dois dedinhos de conversa?

As respostas não são unânimes. Há sempre quem lide mal com demasiada conversa durante o sexo e quem, por outro lado, não tenha problemas em dizer tudo o que lhe vem à cabeça. Basicamente, a sexóloga deixa o nível da tertúlia ao gosto dos fregueses, mesmo com uma ou outra piada pelo meio. “Se for bem feita e no momento certo, é bem aceite. Senão, são duas máquina a ter relações sexuais”, admite. Manter o sentido de humor pode ser uma boa forma de ultrapassar o que não corre tão bem. Mas mais uma vez, Vera sublinha a importância da comunicação não verbal: o olhar e o toque.

Sexo anal: alguém leva a mal?

“O que é dá prazer para uns poderá fazer o contrário para outros”, explica Vera. No que toca a sexo anal, o acordo tem mesmo de ser mútuo e deve haver plena consciência de que a tentativa, por muito bem intencionada que seja, pode não dar em nada. Além de paciência, o preservativo e o lubrificante são ferramentas indispensáveis. Quanto aos anestésicos locais, ponha-os de lado. A ideia pode ser tentadora, mas não sentir nada pode acabar mal.

Primeiro passo: a abordagem. “Opte por uma conversa descontraída, sugerindo algo que possam fazer, assim perceberá a reação do parceiro”, pode ler-se no livro. No que toca a upgrades em relações sexuais, o início é sempre igual, aquilo a que a autora chama de “tête-à-tête”. Foi um sim? Avancemos. Um dos segredos é não ter pressa. Se não der não deu, recomece mais tarde.

Querido(a), comprei um dildo. E agora?

Vibradores, massajadores e dilatadores — estas e outras ferramentas têm lugar neste Manual do Prazer, mas sempre enquadradas na autodescoberta e como acessórios do momento de masturbação. Mas e um brinquedo sexual para usar a dois? Vera Ribeiro responde. “Há aquele casal que introduz um desses objetos por ser engraçado, mas depois também há aquele casal que já não tem relações sem recurso a brinquedos sexuais e quando é assim já não é tão saudável”, conclui. A autora admite que o tema já é menos tabu entre casais, mas alerta para o risco de parafilia, quando alguém só consegue retirar prazer de uma determinada forma ou com um objeto específico.

Enfermeiras e canalizadores: é estúpido brincar às profissões?

“Não é estúpido, desde que gostem de alinhar nesse tipo de brincadeiras. Mas basta uma das partes não estar para aí virada para ser um desastre”, afirma a sexóloga. É importante não apanhar o parceiro desprevenido. Primeiro, sonda-se, depois concretiza-se. No livro, Vera começa pelas subtilezas de uma ida à praia, de uma viagem de carro inesperada ou de um mergulho mais demorado na piscina (este último deve ficar reservado aos casais de longa data que não usam preservativo, pois a reação entre o látex e o cloro pode fazer com que este rebente).

Mas o role playing também está a valer. “É muito comum e habitualmente resulta”, admite, com base nas experiências dos casais que já lhe passaram pelo consultório. Uma sessão fotográfica, uma entrevista de trabalho, uma operação policial ou até mesmo um encontro inesperado num bar ou num restaurante. Os intervenientes podem planear o encontro com uma semana de antecedência e, mesmo que vivam juntos, devem evitar tocar o assunto. Aguça a curiosidade.

Um tapinha não dói, mas e se doer?

Neste campeonato há claramente um antes e um depois de As Cinquenta Sombras de Grey (não o filme, o livro, que dá mais liberdade à imaginação, lembra-se?). Vera, pelo menos, sentiu-o de imediato no consultório. “As mulheres procuraram muito fortalecer o imaginário, mais do que tentar replicar em casa. Elas têm mais essa necessidade do que os homens”, esclarece. Chama-se desejo sexual hipoativo e reflete-se na ausência de desejo sexual. Atinge sobretudo as mulheres, daí que, normalmente, sejam elas as primeiras a puxar pela fantasia e pela criatividade.

“[…] O que deve ser comum, em qualquer vertente, é o consentimento entre adultos. Todos os atos íntimos deverão ser permitidos, e se possível prazerosos, caso contrário não faz sentido a sua prática”, escreve no livro.

Das “palmadinhas de amor” para o BDSM, a diferença está no planeamento. Sem pretensões de ser um Christian Grey, Vera dá umas luzes: regras de segurança, código de palavras, uma lista prévia de até onde é que ambos estão dispostos a ir e a intensidade da representação.

Como assim “swing não é traição”?

Há mais pessoas a praticar swing do que imaginamos, embora haja muito poucas a fazê-lo de forma continuada. Esta é uma conclusão da própria autora. “O swing está longe de ser uma solução para reatar relacionamentos! É uma prática de sexo social, sem relação afetiva definida. Não é obrigatório ter relações sexuais, cada casal estabelece até onde pretende ir e com quem […]”, esclarece o livro.

“Em alguns casos, vê-se que é uma vontade de trair o outro de uma forma consentida, tem essa leitura. Ou então, um dos membros do casal tem essa fantasia e o outro aceita-a”, completa em conversa com o Observador.

Além das regras estabelecidas para a prática de swing — entre elas, escolher bem o sítio (não é uma festa com orgias), usar proteção, não abusar do álcool e conviver previamente com o outro casal –, há umas quantas reflexões prévias, altamente recomendáveis: conversar sobre o tema, nada de surpresas, perceber se a relação está na sua melhor fase no que toca à confiança, ter noção de que a experiência não é solução para nenhum problema e, decididamente, desistir da ideia se alguém tiver um perfil ciumento.

Grafismo de Raquel Martins