Índice
Índice
O acesso à escola foi simples, sem barreiras. Foi-nos dado o telemóvel do diretor, e em dois dias estávamos no hall de entrada da Escola Secundária Manuel da Fonseca, em Santiago do Cacém. O edifício não é novo. É mesmo antigo. Muito diferente da escola básica do agrupamento, com primeiro e segundo ciclos, a Frei André da Veiga – moderna, cúbica, com janelas cinzentas, cheia de luz. A secundária, unida pelo recreio à básica, tem mais de 20 anos e é o quartel-general do agrupamento.
“Parti muros, deitei abaixo balcões e paredes, abri janelas, trouxe mais luz à escola secundária, mexi no que pude e continuo a mexer. Ainda agora mandei abaixo mais um balcão, na biblioteca da André da Veiga. Estamos todos ao mesmo nível.”
Manuel Mourão estava à porta do gabinete para nos receber e nem chegámos a sentar-nos. Quis logo mostrar a escola, carinhosamente dele desde 1991 – embora com interrupções quando saiu para integrar projetos na área da educação e para dirigir as escolas do agrupamento de Grândola em 2009. Regressou em 2013 e foi nomeado presidente da CAP (Comissão Administrativa Provisória), mas foi na década de 90 que começou a lançar novos projetos para o agrupamento.
“Parti muros, deitei abaixo balcões e paredes, abri janelas, trouxe mais luz à escola secundária, mexi no que pude e continuo a mexer. Ainda agora mandei abaixo mais um balcão, na biblioteca da André da Veiga. Estamos todos ao mesmo nível. Muda também mentalidades.”
Apresentou um projeto ao Ministério da Educação e conquistou um contrato de autonomia para o agrupamento. Em junho de 2015 foi eleito diretor.
Construir uma revolução
Nascido numa pequena aldeia do concelho de Vila Real, com uma mãe virada para as letras e um pai mais dado às contas, aos 18 anos Manuel Mourão entrou na Universidade de Letras do Porto. Tornou-se professor de História. E encontrou o peso certo, numa receita equilibrada: servir alunos, pais, professores, funcionários e construir uma escola pública, diferente.
“Está a ver aqui? Tenho o esquema feito no meu caderno. Todos os meus alunos entram às 08h25. Ninguém sai depois das 17h00 e os que saem às 17h é porque têm mais horas do que os outros devido ao ensino articulado de música. Quero que tenham pelo menos duas tardes livres. Se possível às sextas-feiras. Precisam de brincar, de se distrair, de praticar desporto. Quem é que aprende matemática à tarde? Ou português?“, questiona.
Em poucos segundos ficou assim definida a sua postura relativamente a um sem número de escolas, muitas em Lisboa, onde há crianças a entrar depois da uma da tarde para estarem a ouvir debitar matéria, em blocos de 90 minutos, sentadas na cadeira, depois de almoço. Crianças que terão saído de casa para a escola ou para os ATL às 08h30, porque os pais trabalham, mas que só têm as disciplinas ditas nucleares na parte da tarde.
Explicações grátis e dois professores por sala
Manuel Mourão começou por criar um centro de explicações interno na escola. Quem quisesse podia ter aulas-extra de matemática e português, dadas pelos professores. Sem pagar. Há pouco tempo acrescentou o inglês. Começou pelo sétimo ano; mais recentemente introduziu as salas de estudo, que começam na primária: “São para os alunos com dificuldades, mas não só. Os que estiverem interessados em aprender mais podem pedir para integrar.”
Lançou também o que chama de coadjuvação — um sistema previsto pela tutela — desde o primeiro ciclo até à secundária. Esta iniciativa traduz-se na presença de dois professores na sala de aula e aplica-se a matemática, físico-química, português e em disciplinas mais práticas. “Dois professores estão mais atentos, ajudam mais, estão mais presentes”, explica.
Criou de raiz outro projeto para o agrupamento que está a iniciar-se este ano letivo: uma classe extra que, durante seis semanas, funciona com cinco alunos de cada turma do respetivo ano. É a Classe Mais. Existe do 6º ao 9º ano nas disciplinas de Inglês e Matemática. E será sempre formada por grupos homogéneos em termos de aproveitamento escolar: podem ser os cinco melhores alunos de cada turma, nas seis semanas seguintes os extraídos podem ser os cinco com maiores dificuldades, de maneira a potenciar a aprendizagem.
“São os professores que definem quem sai e quando. As extrações estão a iniciar-se agora e a escola dá aos professores duas horas a mais, semanalmente, para se articularem e preparar os conteúdos.”
Nesta escola pública, que fica a uma hora e meia de Lisboa, a 15 minutos de Sines, a 20 minutos de Melides, mas com os olhos postos no mundo, o diretor tem ainda mais um projeto, pelo qual batalhou durante dois anos, e que está agora a pôr também em prática: as salas do futuro.
Objetivo: acabar com os manuais na mochila
“A ideia inicial era a compra de tablets para os alunos, numa parceria com a Porto Editora, a Universidade Católica, uma empresa ligada ao software e o Ministério da Educação. Não houve dinheiro para todos os tablets, mas não desistimos da ideia“, explica o diretor.
Decidiram, então, avançar para as salas do futuro: três na secundária Manuel da Fonseca e duas na básica integrada Frei André da Veiga: “A ideia não é pôr de lado o livro ou o caderno – há que ter atenção à motricidade fina! Como também é muito importante, nas salas de aula, não mandar embora os quadros à antiga”.
Mas isso pode coexistir com estas salas, com espaços multifuncionais, em open space. Assim, a informática estará numa área onde estão os dicionários, enciclopédias e livros de referência, em papel; noutro lugar da mesma sala vão trabalhar o desenho e a pintura; há um quadro interativo, onde é mostrado o que é produzido, os tablets (já foram comprados 30) e as mesas interativas, cada uma com lugar para seis alunos. É rotativo.
Para que os alunos possam trabalhar e comunicar com o mundo, os tablets têm um software que se aplica a matemática, português e estudo do meio e são essas disciplinas que podem ser trabalhadas com este suporte digital. Todo o material foi comprado pela escola. “Há outro equipamento que já está comprado, um software de perguntas e respostas. Está na escola secundária e vamos comprar para a outra escola. Os alunos têm de responder às perguntas, consoante o ano e a disciplina em que estão. Em forma de jogo. Depois veem se acertam ou não. Há que tornar o ensino divertido!”
Os professores que tiveram formação específica, vão passar por estas salas, com os alunos, pelo menos uma vez por semana. Mas esta iniciativa é só um passo, a caminho da ideia inicial. Manuel Mourão diz que não para enquanto não conseguir ter um tablet por aluno.
O diretor do agrupamento de Santiago do Cacém tem uma visão definida para a escola e sabe que fez desta casa um lugar diferente. Quer tudo a funcionar em pleno em 2017/2018. “Que em dois anos não haja manual, em papel, a carregar as mochilas dos meninos”, deseja. E faz questão de explicar e justificar: “O manual vai estar sempre na biblioteca mas o meu grande objetivo é que cada criança tenha um tablet. Posso ficar feliz se começarmos com os inícios de ciclos: primeiros, quintos, sétimos e décimos anos. Todos têm de ter um tablet”.
A internet e a relação com a informática chegou cedo a esta escola. Na secundária os alunos têm os emails dos professores e trocam mensagens. “No final da década de 90 já tínhamos um rácio de computadores por aluno de 1 para 4. Fomos das primeiras escolas a ter o cartão, a ter os sumários digitais. As faltas iam e vão logo para a secretaria. Talvez também fôssemos das primeiras escolas, a nível nacional, a apostar nas tecnologias e na formação. Nós investimos muito na formação: no ano passado oferecemos formação a 133 professores.”
Um semestre com história, outro com geografia
A aprendizagem semestral é outra novidade deste agrupamento onde 129 professores do total de 138 estão no quadro. O governo possibilitou que as escolas redefinissem as cargas horárias das disciplinas – à exceção de português e matemática, que não podem ter menos horas. “Disciplinas como história, geografia, ciências passaram aqui a semestrais. Os alunos não têm de estudar para tantas disciplinas ao mesmo tempo. Concentram-se mais na história porque a geografia só terão no semestre seguinte. Diminuiu a ansiedade dos alunos em relação ao número de testes. Têm menos disciplinas, por isso a gestão é outra. O peso das mochilas também diminuiu.”
O sucesso da medida é claro. “No sétimo ano, em 2013/2014, a disciplina de história teve 83% de positivas, em 2014/2015 teve 95,3% de positivas. Geografia passou de 82,4% de positivas para 93% depois do início do projeto. Os resultados a ciências da natureza melhoraram de 87,3% de positivas para 94,5% e físico-química subiu de 83,6% para 94,5%.”
Em relação às médias da escola, as provas finais também podem ser uma referência quando observamos o trabalho deste agrupamento. “Em relação ao nono ano, a português, a média nacional dos exames é de 58%, a média do agrupamento é de 59,8%. A matemática, a média nacional é de 48% e o agrupamento tem 54,1%. No secundário, a matemática no 11º e 12º anos a média nacional é de 12 valores e o agrupamento tem média de 14,1.”
O que tira o sono ao diretor: falta de auxiliares
Orgulhoso do trabalho da escola, da participação dos alunos, dos resultados e dos projetos que aí vêm, Manuel Mourão fala também do que lhe tira o sono: “A escola rural de Relvas Verdes, uma das sete escolas rurais do agrupamento, não está a funcionar em pleno. São 17 alunos e só lá está a professora. Nem um auxiliar! Os alunos não almoçam na escola nem têm atividades de enriquecimento curricular. Nem sequer têm limpeza da escola. Não têm os mesmos direitos que os outros. Isso revolta-me”.
Em causa, diz o diretor, estão 4 horas por dia de uma tarefeira que não foi contratada. Em causa está uma lacuna que, desde o início do ano, não foi resolvida. Todos estão ao corrente. O presidente da Câmara de Santiago do Cacém disse, em entrevista, que a competência do município é com o pré-escolar. Só assim se explica que para 7 crianças do pré-escolar, na mesma localidade, haja duas auxiliares e para 17 alunos da primária não haja nenhuma. O presidente da Câmara diz que não substitui os deveres do Ministério da Educação e que aguarda uma resposta do secretário de Estado, há demasiado tempo. A verdade é que estas crianças estão há mais de um mês sem direito a almoço e sem atividades na escola.
A resposta chegou do Ministério da Educação: “O agrupamento das escolas dispõe de todos os AO [assistentes operacionais, vulgo auxiliares] previstos, tendo sido disponibilizadas 16 horas adicionais para contratos a Termo Resolutivo Certo. A gestão desses recursos, no entanto, está no âmbito da autonomia da escola”.
Também na Frei André da Veiga haverá menos auxiliares do que seria suposto. A lacuna nota-se sobretudo no apoio dado aos multi-deficientes. “Temos professores que, em regime de voluntariado, nas suas horas de descanso, vão dar apoio. Tenho a minha equipa de gestão, três professoras, que estão nas duas horas de almoço a ajudar os meninos, desde o início das aulas. Não sei quanto mais tempo vão aguentar.”
A Câmara diz que tem conhecimento mas que é o Ministério de Educação que tem de responder. O Ministério da Educação repetiu a informação: que o agrupamento tem as pessoas necessárias. A direção contesta: “Essa é uma resposta que não diz nada! Contratei duas pessoas que substituem três que se aposentaram e dois que faleceram! Ainda faltam duas!”
E acrescenta: “Para eles não contam as escolas rurais? Nos ficámos com menos quatro horas de apoio comparando com o que tínhamos nos anos anteriores. Deram-nos sempre 28 horas de auxiliares, por dia, quatro horas para cada uma das sete escolas. Este ano deram nos 24 horas de apoio, ou seja, a escola rural das relvas verdes está a funcionar em part-time.”
Uma semana depois de pedirmos uma reação ao Ministério da Educação, o agrupamento de Santiago do cacem foi informado que o secretário de Estado aprovou as horas em falta. O agrupamento ganhou 16 horas por dia de apoio em auxiliares, que fazem a diferença. A escola de Relvas Verdes vai finalmente abrir a tempo inteiro e as crianças com multi-deficiências, da Frei André da Veiga, vão finalmente ter o apoio que precisam.
Esta é a casa de 1401 alunos. 680 estão na secundária, 537 na básica. Entre as tantas coisas boas está uma rádio e um antigo canal de televisão interno que já foi tanto e que pode ser reorganizado. É a escola que não sofreu com os cortes no Ensino Artístico, o que permite às crianças inscritas no ensino integrado de música terem aulas de formação musical, instrumentos e classe de conjunto, sem sair do recinto. Manuel Mourão sonha ainda com a mesma integração, nesta escola pública, para a área da dança.
E no meio de um pequeno oásis, o diretor assume que existem casos de bullying. Para isso criaram o recém-gabinete de apoio ao aluno, com o serviço de psicologia e orientação, do qual fazem parte professores tutores, professores de educação especial e assistentes operacionais. O diretor faz ainda três reuniões por ano com os delegados de cada turma, para tentar detetar problemas de inclusão.
É uma escola que luta, que se move, que projeta, que mobiliza. Que sonha. Com pais que participam. Que se interessam. Que apoiam. Não fosse esta a escola de onde saíram, este ano, dois dos 69 finalistas das olimpíadas ibero-americanas de Física, na Bolívia. Não fosse esta a escola que tira um dia por ano para homenagear os alunos, pelo seu mérito do ano anterior. Não fosse ainda esta a única escola do Alentejo Litoral com média superior nas provas nacionais, à média nacional.