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O Rei D. Carlos e o seu filho mais velho, o Príncipe Real D. Luís Filipe, foram assassinados em Lisboa, a 1 de Fevereiro de 1908. Atentados contra chefes de Estado, membros de famílias reais e líderes políticos não eram então invulgares: a lista do fim de século incluiu, entre outros, um presidente da república francesa, um presidente dos Estados Unidos, o rei de Itália e um primeiro ministro espanhol. Mas o atentado contra a família real portuguesa foi diferente desses. Não se tratou, como outros, do acto isolado de um “anarquista”, protestando violentamente contra a ordem burguesa, mas foi parte de uma conspiração política.
O atentado seguiu-se a um golpe de estado falhado em Lisboa, a 28 de Janeiro de 1908, e foi cometido por um grupo de militantes republicanos organizado e armado para essa insurreição. A primeira razão do golpe de 28 de Janeiro, e portanto do atentado, foi a decisão do rei D. Carlos, em Maio de 1907, de manter João Franco como chefe de governo, quando este perdeu a maioria nas câmaras do parlamento (a Câmara dos Deputados e a Câmara dos Pares). Essa decisão tinha sido contestada por todos os partidos, com excepção, bem entendido, do de João Franco. Durante meses, o rei foi violentamente tratado na imprensa. Tudo isto indicava o quanto a situação de D. Carlos era diferente de outros monarcas seus contemporâneos, como o rei de Inglaterra ou o imperador da Alemanha. Ao contrário de Eduardo VII, D. Carlos estava envolvido na luta entre os partidos políticos; ao contrário de Guilherme II, não estava resguardado contra polémicas jornalísticas e contra conspirações.
A revolução republicana em Outubro de 1910, dois anos depois da morte de D. Carlos, foi outro acontecimento singular na Europa do princípio do século XX. A República Portuguesa tornou-se a segunda república moderna na Europa, depois da francesa. A maior parte das outras repúblicas europeias do século XX foram fundadas depois da I Guerra Mundial e da II Guerra Mundial. O regime republicano português foi o único que resultou da tomada do poder por um partido revolucionário, sem uma guerra ou uma abdicação prévia do monarca, como tinha sido o caso da III República Francesa em 1870 ou da I República espanhola em 1873.
Para explicar estes acontecimentos, muitos argumentaram que a monarquia portuguesa, no princípio do século XX, era uma instituição demasiado arcaica e incapaz de lidar com as dificuldades do país, ou ainda que o Partido Republicano havia adquirido uma imensa força popular. Se este fosse o caso, deveríamos ver D. Carlos como uma personagem reaccionária e irrelevante, resistindo à vontade da nação. Mas tal ideia impedir-nos-ia de perceber quem foi D. Carlos, e até de compreender porque é que o rei morreu assassinado e porque é que a monarquia caiu.
Um regime arcaico?
No princípio do século XX, a monarquia portuguesa tinha de facto quase 800 anos. Mas a continuidade monárquica ocultava grandes rupturas. A monarquia de D. Carlos correspondia a um regime novo. Era uma monarquia constitucional, que desde 1834 tinha sido ininterruptamente governada por liberais. O grande objectivo dos governantes liberais era modernizar Portugal. Durante o reinado do pai de D. Carlos, o rei D. Luís, haviam abolido os morgadios (1863), instituído um Código Civil (1867) e instaurado o equivalente do sufrágio universal masculino (1878). Além disso, haviam instalado modernas infra-estruturas de comunicação, como os caminhos de ferro que ligaram Lisboa ao Porto (1863) e Lisboa directamente a Paris (1887).
Os liberais consideravam a monarquia constitucional como o regime mais apropriado à transformação do país. Em primeiro lugar, porque era o tipo de regime mais corrente na Europa ocidental e porque estava identificado com o estado europeu mais bem sucedido no século XIX, a Inglaterra. Em segundo lugar, porque a proclamação de repúblicas provocara invariavelmente guerras civis, como em França em 1848 ou em Espanha em 1873. A história recente da Europa parecia indicar que só as monarquias, numa época de transformação política e cultural, poderiam garantir ordem e estabilidade. Na condição, porém, de que os reis favorecessem o progresso.
A família real portuguesa estava consciente do seu papel. D. Carlos foi educado de modo a corresponder ao modelo do príncipe ilustrado e liberal. Em 1883, viajou pela Europa. Como seu companheiro, a corte escolheu o professor António Augusto de Aguiar, um dos líderes da esquerda e importante figura da maçonaria, da qual seria Grão-Mestre. Esta educação fez de D. Carlos um rei com opiniões “avançadas” e muito aberto a inovações. Foi amigo de alguns escritores radicais e iconoclastas, como Ramalho Ortigão e Oliveira Martins. Era um pintor notável e um dedicado cientista amador. Mostrou os seus quadros em grandes exposições, e publicou ou patrocinou a publicação de estudos de oceanografia. Até na sua pessoa, o rei estava sintonizado com o liberalismo. Era muito correcto e sensível. É verdade que também era tímido em público. Faltava-lhe o carisma de quem domina naturalmente. Mas até nisso parecia talhado para o papel do monarca constitucional, de quem se esperava que fosse discreto nas suas intervenções. Em suma, a monarquia de D. Carlos não era um regime arcaico, e tinha em D. Carlos um rei preparado para o papel a desempenhar.
Um regime desacreditado?
D. Carlos não teve um princípio de reinado fácil. Em 1890, um conflito diplomático com a Inglaterra obrigou o governo português a renunciar às suas pretensões máximas na partilha de África. Em 1893, o estado entrou em bancarrota, incapaz de honrar os compromissos da dívida externa. O ritmo de crescimento económico baixou. Mas a verdade é que o regime sobreviveu às dificuldades. No começo do século XX, os governos de D. Carlos tinham conseguido obter duas grandes colónias em África, Angola e Moçambique. O seu programa de austeridade financeira foi tolerado e relativamente bem sucedido: Portugal foi o país europeu em que a dívida pública menos progrediu na década de 1890. Os últimos governos de D. Carlos preparavam-se para recorrer novamente ao crédito externo e esperavam equilibrar o orçamento. Além disso, haviam restabelecido a aliança diplomática com a Inglaterra, vista como uma garantia da independência de Portugal e da monarquia.
D. Carlos preocupava-se muito com a opinião pública, e tentou fazer passar a imagem de um rei devotado ao seu país – “o primeiro dos cidadãos”, como se costumava dizer. Em 1892, a família real contribuiu para o equilíbrio financeiro, aceitando cortes importantes na sua “lista civil” (20%). O rei manteve-se atento à governação, sobretudo no que dizia respeito às relações externas e aos assuntos militares. Visitou os chefes de estado das potências mais importantes para Portugal, e recebeu-os em Lisboa em visitas oficiais. Cultivou as relações com os oficiais do exército, sobretudo com os que se distinguiram em África. E a verdade é que, depois do levantamento de uma parte da guarnição no Porto, a 31 de Janeiro de 1891, não voltou a haver outra insurreição militar no seu reinado.
Na sua correspondência sobre assuntos de Estado, D. Carlos revela muita informação e um espírito realista e bem humorado. Nunca procurou ultrapassar os seus ministros, mas quis preservar uma certa consistência na governação. Foi um determinado defensor da aliança com a Inglaterra, apesar das pressões da Alemanha, que fizeram vacilar frequentemente os ministros. A rainha Amélia, pelo seu lado, também tentou ter um papel público. Promoveu a criação de instituições para apoio à infância e para o tratamento da tuberculose. Aliás, em casos de catástrofes, D. Carlos e D. Amélia foram sempre os primeiros a oferecer-se para ajudar as vítimas, geralmente convocando a alta sociedade para fazer contribuições financeiras. Em suma, a monarquia podia ser discutida, mas não porque o rei não fizesse esforços para provar a sua utilidade.
A força dos republicanos
Teria o destino do rei e da monarquia sido determinado pela força popular do Partido Republicano? Os Republicanos ganharam em 1910, e isso torna difícil conceber quão fracos foram antes da sua vitória. O Partido Republicano era um partido recente e consistia numa federação de cerca de 40 clubes, a maior parte em Lisboa (por comparação, o Partido Progressista tinha 150 associações). As suas votações declinaram entre 1895 e 1906. A correspondência de D. Carlos com os seus ministros não revela especiais preocupações com o Partido Republicano. Os governos toleraram republicanos como funcionários públicos, professores universitários e até oficiais do exército. Não eram vistos como uma ameaça.
O apelo do Partido Republicano esteve sempre limitado pelo seu facciosismo anti-clerical. As divisões da sua liderança limitaram a sua capacidade de iniciativa política. O partido foi sobretudo usado pelos políticos da monarquia para pressionar o rei. Por isso, só parecia ter força nos momentos em que uma parte da classe política se voltava contra o rei, como em 1890, em 1895 ou em 1906. Para o golpe de estado de 28 de Janeiro de 1908, os republicanos forneceram pequenos grupos de jovens dispostos à violência, como os que mataram o rei no Terreiro do Paço a 1 de Fevereiro, mas a direcção e o financiamento da conspiração pertenceram a políticos da monarquia. Daí, aliás, uma das razões pelas quais o processo do regicídio não avançou entre 1908 e 1910: todos temiam descobrir a responsabilidade de grandes figuras do regime.
Mas era o Partido Republicano popular? Durante o reinado de D. Carlos, o país não mudou estruturalmente. A maior parte da população continuou a viver da agricultura e a residir em pequenas comunidades rurais. Lisboa, no entanto, cresceu bastante. A cidade reunia cerca de 8% dos habitantes do país e a sua população mostrou sempre uma grande irreverência perante a autoridade. O Partido Republicano explorou politicamente esta atitude do povo urbano, mas de modo nenhum se pode dizer que a população estava integrada no partido, como por exemplo os operários alemães estavam enquadrados pelo Partido Social Democrata na Alemanha.
A prova disso é que a rebeldia lisboeta contra as autoridades continuou a manifestar-se sob a República depois de 1910. D. Carlos procurou manter o contacto com a população da capital, mostrando que confiava no povo. Todas as tardes, passeava em Lisboa de carruagem aberta, sozinho e sem escolta. No dia 1 de Fevereiro de 1908, aliás, o atentado só foi possível porque o rei insistiu em respeitar esse costume, apesar da tentativa de golpe de estado uns dias antes. Em suma, o partido republicano não marcava a agenda politica e nunca conseguiu tornar Lisboa uma cidade proibida para o rei.
O papel do rei
Mas D. Carlos morreu e a monarquia acabou. O que é que condenou D. Carlos e a monarquia? Não foi o arcaísmo do regime, nem os problemas da governação, nem a força do Partido Republicano, mas outra coisa: o papel que o rei desempenhava na vida política, mais precisamente na alternância dos partidos no governo, num país onde as eleições não podiam produzir essa alternância.
A vida política no Portugal do princípio do século XX foi descrita, no ano de 1908, por um autor francês, Angel Marvaud, para um artigo na revista Annales des Sciences Politiques. Marvaud encontrou em Portugal um país rural, dominado por uma classe política dividida em partidos que competiam ferozmente pelo governo. Marvaud notou que havia um abismo entre os políticos e o povo: os políticos formavam uma classe urbana altamente instruída (80% tinham cursos universitários), enquanto o povo era uma massa rural e analfabeta. Para os políticos, o analfabetismo parecia não apenas o resultado de deficientes serviços públicos, mas do “desinteresse” do “povo” por integrar uma comunidade cívica de cidadãos.
Isto quer dizer que, aos olhos da própria classe política, faltava ao regime representativo português um eleitorado independente e civicamente mobilizado, para decidir quem deveria governar. Segundo os políticos, o país, analfabeto e rural, elegia quem o comprasse, e como quem lhe podia pagar melhor era o Estado, elegia sempre quem estivesse no governo. As eleições, que todos os governos ganhavam sempre, não serviam para fazer girar os partidos no poder, mas apenas para dar maiorias de deputados ao governo do dia. Nestas circunstâncias, quem poderia fazer alternar os partidos no governo? O rei.
A constituição da monarquia adaptara a ideia de Benjamin Constant, de que o rei devia dispor das prerrogativas constitucionais necessárias para harmonizar entre si os poderes do Estado. Por isso, o rei podia interferir em todos os poderes: nomeava e demitia os ministros livremente; dissolvia a Câmara dos Deputados, e nomeava os membros da segunda câmara do parlamento; e moderava penas judiciais. Mas na monarquia constitucional portuguesa, o rei usava esses poderes, não para moderar entre os poderes do estado, mas para arbitrar entre os partidos: era o rei, ao nomear e demitir os governos e ao dissolver a câmara dos deputados e nomear pares do reino, quem provocava a alternância dos partidos no governo – a alternância que era impossível de obter por meio de eleições, já que os governos as ganhavam sempre. Ora, isto colocava o rei no centro do debate político.
D. Carlos nunca desejou governar directamente. Isso não estava previsto na constituição. O seu objectivo foi estabelecer um sistema de dois grandes partidos, a quem ele pudesse confiar, à vez, a tarefa de governar. Entre 1893 e 1906, tentou conseguir isso reservando a chefia do governo para apenas dois chefes políticos, Hintze Ribeiro e José Luciano de Castro, chefes do Partido Regenerador e do Partido Progressista. Era uma imitação do sistema inglês de dois partidos. Em 1906, porém, tornou-se claro que esses dois líderes partidários já não conseguiam fazer-se aceitar pela restante classe política. O rei tentou então ajudar novos líderes a emergir. Começou com João Franco, a quem nomeou chefe do governo em 1906 e a quem manteve no poder, usando as suas prerrogativas constitucionais, apesar da oposição da restante classe política.
D. Carlos foi acusado pelos seus inimigos de ser um ditador e de ter destruído a constituição. Mas a sua esperança era que Franco, aproveitando os recursos do Estado, formasse um grande partido, que lhe permitisse ganhar as eleições, e que ao mesmo tempo outro partido alternativo se formasse na oposição. Os políticos, porém, não se conformaram com a escolha do rei. Atacaram-no em público violentamente. E um grupo chegou mesmo a organizar uma conspiração para derrubar D. Carlos em Janeiro de 1908. Os conspiradores falharam: não conseguiram nem levantar o povo nem a guarnição militar de Lisboa. Foi esse fracasso que levou ao regicídio, praticado como um último recurso por um pequeno grupo organizado e armado no âmbito da conspiração – e que de certo modo, também falhou, já que nem a morte do rei levou à revolução esperada: na tarde de 1 de Fevereiro, depois do assassinato do rei e do príncipe real, a população de Lisboa foi para casa e o exército ficou nos quartéis.
Em suma, o que condenou D. Carlos foi o papel político que o rei era forçado a desempenhar, devido às limitações da sociedade portuguesa para fazer a rotação no poder assentar directamente no eleitorado.
Poderia ter sido de outra maneira?
Nesta situação, podemos colocar três questões. A primeira é a de saber porque é que o rei não deixou simplesmente os políticos decidir, lutando entre si, quais deles deviam ser os chefes de partido. Ora, isso foi precisamente a estratégia seguida depois de 1908 por D. Manuel II e por D. Amélia, que sempre discordou das opções de D. Carlos: o resultado da abstenção do poder real foi a degradação da vida política, com os governos a caírem uns atrás dos outros. Em 18 anos de reinado, D. Carlos teve 9 governos; D. Manuel II teve 6 em dois anos. Todos os políticos passaram a desconfiar de um rei que não parecia capaz de se comprometer com uma solução governativa.
Por isso, quando em Outubro de 1910 os republicanos tentaram um golpe em Lisboa, não encontraram resistência. Apesar de o golpe ter falhado nos seus objectivos de levantar o povo e subverter a guarnição militar, ninguém apareceu para combater o pequeno núcleo de revoltosos, concentrado na actual praça do marquês de Pombal e em dois ou três barcos de guerra no Tejo. Sem um rei activo e decidido, o regime apenas gerava o vazio. D. Carlos devia saber isso. Por isso, quando a restante elite política o tentou obrigar a demitir Franco, resistiu. Era o que se esperava da sua reputação de coragem – mas só assim podia preservar o poder real, necessário à vida política.
Segunda questão: se o rei era tão necessário, porque é que os próprios políticos da monarquia o puseram em causa? Por duas razões. Em primeiro lugar, porque ninguém esperava ver o Partido Republicano no poder. Havia uma grande sensação de segurança, para não dizer arrogância, numa classe política que, por ter ideias liberais, imaginava ter o tempo do seu lado, e que, por dirigir um Estado centralizado, se convencera de que tinha o país à sua mercê. Os políticos sentiam que podiam dedicar-se aos seus jogos de poder sem perigo de se verem afastados. Em segundo lugar, pouco prendia os políticos à monarquia, a não ser o seu interesse em recorrerem ao rei, como uma espécie de árbitro, para fazerem aceitar uns pelos outros o direito a governar. Quando o rei não satisfazia as suas pretensões, nada os impedia de o atacarem. Dizia-se que D. Carlos costumava comentar que era rei de “uma monarquia sem monárquicos”.
De facto, os políticos do regime viam a monarquia constitucional como um instrumento útil para enquadrar a transformação do país, mas não como um fim em si. Definiam-se como liberais, não como monárquicos. Esta falta de devoção dinástica explicará talvez porque é que em Portugal não se imitou as campanhas de promoção das famílias reais em curso em outras monarquias europeias no fim do século XIX. Pelo contrário, os políticos portugueses sentiam-se à vontade para atacar publicamente o rei: umas vezes, acusavam-no de ser um “dandy” indiferente aos negócios públicos; outras, um tirano que mandava tudo. Para denegrir o rei, aproveitaram o facto de a casa real viver em 1900 do mesmo subsídio arbitrado em 1822. Para compensar a falta de actualização, os governos faziam empréstimos ao rei. Em 1906, usaram a revelação desse facto para acusar o rei de saquear o tesouro. Devido ao domínio que os políticos tinham sobre a esfera pública, especialmente a imprensa, é óbvio que estes ataques corroíam o respeito pela monarquia e pelo rei.
Finalmente, uma terceira questão: podia D. Carlos ter encontrado outros apoios para formar governo e sustentar o regime, para além da classe política? A verdade é que a revolução liberal minara os alicerces tradicionais da monarquia. A antiga nobreza estava arruinada. A igreja encontrava-se muito diminuída e submetida ao Estado. Por outro lado, o exército português nesta época cultivava um apoliticismo que o impedia de se tornar instrumento para ditaduras militares. E finalmente, o rei era genuinamente liberal, não só no que dizia respeito ao sistema de governo, mas em termos de opções filosóficas. Uma coisa e outra impediram-no de aventurar-se num populismo conservador, que fizesse assentar a intervenção do rei no apoio de uma população provincial enquadrada pelo clero.
Conclusão
Em suma, D. Carlos não foi rei de um regime condenado, mas de um regime que, devido à história portuguesa no século XIX, dependia inteiramente da habilidade e da sorte do rei para levar a classe política a aceitar a disciplina e os compromissos necessários para tornar possível o governo constitucional. D. Carlos, que era realista e prudente, mostrou quase sempre habilidade, mas no fim faltou-lhe sorte. É muito provável que, não tivesse morrido em 1908, a monarquia tivesse durado, porque a sua queda se deve em parte à política da rainha viúva e de D. Manuel.
Finalmente, qual o significado da opção entre a monarquia e a república em 1910? Não era a opção entre monarquia e democracia. Nem a monarquia constitucional nem a república contaram com uma massa de cidadãos independentes, capazes de serem o árbitro da luta pelo poder. A diferença estava em que, na monarquia, havia um instrumento, que era o rei, para operar a alternância pacífica no governo entre os partidos, e que na república deixou de haver esse instrumento. Por isso, a Primeira República portuguesa, depois de 1910, foi um regime dominado por um partido – o Partido Democrático — que nunca saiu pacificamente do poder. Em 1913, aliás, para melhor controlar as eleições, o Partido Democrático restringiu o direito de voto da população, fazendo a percentagem de cidadãos com direito de voto descer de 75% para 30%.
Em Portugal, o fim da monarquia constitucional representou assim, no princípio do século XX, um enorme recuo da democracia, não só no que diz ao número de eleitores, mas na possibilidade de alternância de partidos no governo por meios pacíficos. Pode-se dizer que a morte de D. Carlos abriu o caminho para o autoritarismo em Portugal.