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As escolas públicas precisam de ter mais professores vinculados aos quadros? A redução do número de professores, nos últimos dez anos, e em particular nos anos da troika, consolidou-se ou foi revertida? E qual será o impacto do envelhecimento do corpo docente na contratação e vinculação de novos professores? Como seria de esperar, nenhuma destas perguntas gera respostas consensuais. A contratação de professores apresenta-se, desde há muito, como um dos temas mais discutidos no debate público da Educação e, mesmo assim, permanece uma das discussões menos esclarecidas, mais politizadas e sempre inconclusiva. Todos os anos, as guerras dos números marcam a agenda do debate. Do lado dos sindicatos e representantes de professores, a exigência é quase sempre a de esticar a vinculação ao maior número possível de docentes. Do lado do Ministério da Educação, a vinculação de professores depende da identificação de necessidades permanentes, pelo que o número de vagas fica sempre aquém das expectativas mais optimistas – 3462 vagas nos concursos actuais. E, naturalmente, o contexto conta muito – nos anos do governo PSD-CDS, sob a necessidade de contenção orçamental, a contratação de professores foi uma das principais frentes de batalha política.

Mas, então, em que ficamos? É compreensível que cada campo político e de interesses puxe para o lado que mais lhe convém. Mas isso não justifica que se inviabilize a compreensão das tendências (passadas e futuras) na contratação de professores e se perca a referência dos factos que devem orientar a discussão. E, neste debate, há quatro que se tornaram inultrapassáveis, desenvolvidos neste ensaio.

Primeiro, nos últimos dez anos observou-se uma diminuição progressiva do número de professores, intensificada no período da troika. Segundo, os números mostram que a diminuição do número de professores não acompanhou a demografia (na realidade, foi para além da demografia) – ou seja, correspondeu a uma reforma estrutural e não a um mero ajuste. Terceiro, não é expectável que, por via das políticas públicas de educação em curso, o número total de professores aumente nos próximos anos, pelo que a redução dos anos da troika vai consolidar-se. Quarto, o envelhecimento do corpo docente levará, a médio prazo, cerca de um terço dos professores para a reforma, o que forçará a substituição desses professores por novos vinculados aos quadros.

Uma década a diminuir (2005-2015)

Nos últimos 12 anos, por várias razões (agregações de escolas, políticas de recrutamento, dimensões de turmas, constrangimentos orçamentais, queda demográfica), o número de professores nas escolas portuguesas tem vindo a diminuir em todos os níveis de ensino (gráfico 1), com particular incidência nos anos da troika e do Programa de Assistência Económica e Financeira (PAEF). A situação é do conhecimento geral. Mas a escala dessa diminuição talvez não seja: desde 2004/2005, as escolas perderam cerca de 40 mil professores. Há menos 26 mil professores dos 1.º e 2.º ciclos do Ensino Básico (EB) nas escolas públicas. E há menos 15 mil professores do 3.º ciclo do EB e secundário.

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Em termos médios, isto significaria a perda de cerca de dois mil professores por ano lectivo. Mas, obviamente, a história desta redução não se conta nesses termos. Por um lado, como se vê no gráfico 1, os anos da troika (2011-2014) concentram a fatia maior dessa redução de quadros. Por outro lado, nem todos os grupos disciplinares partilharam os mesmos níveis de redução. Veja-se, por exemplo, o caso dos professores de línguas estrangeiras (gráfico 2) que, sobretudo à custa da ligeira diminuição do número dos professores de inglês e do quase desaparecimento dos de francês, passaram de 7239 para 1180 (ou seja, uma redução que supera os 80%), entre 2005/2006 e 2014/2015.

Ora, não há dúvida que, em termos absolutos, esta redução do número de professores é muito significativa e elevada. Mas, avaliando os números em termos relativos, as dúvidas começam a surgir e as opiniões a dispersar-se. Assim, olhando à relação aluno/professor (ou seja, o rácio do número médio de alunos por cada professor no sistema), fica possível salientar duas notas importantes para o enquadramento do debate.

Primeiro, a diminuição do número de professores foi bastante superior à diminuição do número de alunos no mesmo período, razão pela qual se observa um aumento progressivo do rácio alunos/professor (gráfico 3-A). Dito de outro modo: ao contrário do que tanta gente afirmou, não é possível justificar a diminuição do número de professores neste período com a queda demográfica, pois o número de professores no sistema diminuiu de forma muito mais elevada do que o número de alunos matriculados. Ou seja, tratou-se inequivocamente de uma opção política e de uma reforma estrutural: encolher a dimensão do sistema educativo.

A questão resume-se, então, a avaliar se essa opção política foi ou não benéfica. Não encontrará aqui uma resposta definitiva, mas sim o indicador comparado de referência que, a nível do debate político, se utilizou como racional: após a redução do número de professores, em 2013, a comparação da situação portuguesa com a de outros países europeus passou a evidenciar uma conformidade com as práticas habituais nesses países. Ou seja, usando este indicador como referência, a situação actual não difere, em média, da situação nos outros países europeus (gráfico 3-B) – Portugal teria mais ou menos o mesmo número de alunos por professor do que acontece nos outros sistemas educativos europeus. Portanto, uma leitura possível levaria a concluir que, antes da redução dos anos da troika, Portugal tinha “professores a mais” nas escolas, situação entretanto corrigida pelo governo PSD-CDS.

Mas cuidado com as conclusões definitivas: se, por um lado, estes dados exibem o racional da diminuição do número de professores, por outro lado a comparação de rácios alunos/professor pode ser enganadora. De facto, a organização dos vários sistemas educativos europeus varia (dimensão das escolas, horários lectivos dos professores, funções dos professores) e isso tem uma forte influência na leitura dos dados. Na prática, um determinado rácio pode ser adequado para um contexto nacional e não ser para outro. Como sempre nestas temáticas, não há respostas simples.

Os anos da troika (2011-2014) e a sua consolidação (hoje)

No período de assistência económica e financeira, uma das opções políticas na Educação foi a redução do número de professores contratados, diminuindo por esta via (mas não só por esta via) a despesa do Estado na Educação. Nessa altura, um dos argumentos mais utilizados à direita, para controvérsia do debate, foi o de que o sistema educativo tinha professores a mais (argumento suportado nos rácios alunos/professor acima mencionados). Entre os partidos da oposição, a argumentação nunca colou e, à esquerda, gritou-se contra uma abrupta transformação do sistema educativo à custa do desemprego de professores, contrariando as suas expectativas de conseguir colocação nas escolas. Hoje, com um certo distanciamento sobre os acontecimentos, é possível constatar serenamente que ambos os lados tinham (alguma) razão. E percebê-lo é fundamental para compreender o contexto actual.

Comecemos pelo óbvio: a diminuição do número de professores nas escolas, nos anos da troika, foi abrupta e não há outro exemplo na administração pública que rivalize em dimensão com esta redução (gráfico 4). Em termos de funcionamento de sistema educativo, essa situação forçou uma adaptação brusca, que impôs mais pressão e horas de trabalho para os professores, menos recursos nas escolas para responder às necessidades e alteração da própria organização interna dos agrupamentos escolares. A implementação de mudanças bruscas está longe de ser um procedimento ideal nas políticas públicas e, obviamente, só assim aconteceu por necessidade do contexto do programa de ajustamento. Mas, mesmo que reconhecendo a necessidade, tornou-se claro que nem todas as escolas conseguiram adaptar-se tão rapidamente à nova realidade de recursos humanos, o que inevitavelmente prejudicou as condições de trabalho nas escolas. Esse foi um aspecto negativo.

Acontece que, como se tem vindo a confirmar nos últimos dois anos, essa diminuição do número de professores foi, entretanto, assimilada pelas escolas e pelo sistema educativo. A prova é que não houve uma inversão política. E, de facto, o Ministério da Educação não se propôs a aumentar o número total de professores nem a repor os níveis de postos de trabalho de há cinco anos. A 31 de Dezembro de 2011, o Ministério da Educação empregava 196 mil pessoas. A 31 de Dezembro de 2014, empregava menos de 170 mil, no ano seguinte 172 mil e, no final de 2016, 174 mil (dados extraídos da Síntese Estatística de Emprego Público, 4.º Trimestre de 2016, publicados em Fevereiro 2017). Ou seja, a diminuição de professores, que arrancou há mais de 10 anos e que no período da troika se acentuou, consolidou-se hoje enquanto reforma estrutural, fixando a dimensão do sistema. E, embora indirectamente, essa consolidação traduz uma concordância com o objectivo de redimensionar a administração pública na Educação.

Haverá quem alegue que, em breve, a situação se inverterá. Assim sendo, a pergunta impõe-se: no curto prazo, antecipam-se alterações substantivas a esta tendência de consolidação? A resposta, por mais que no discurso político possa haver quem sugira o contrário, é que não. Por dois motivos. Primeiro, porque as metas orçamentais de redução do défice e da dívida pública permanecem extremamente ambiciosas e, como tal, limitam a margem política para aumentar a despesa com mais funcionários na administração pública. Segundo, porque as políticas educativas em curso não prevêem ter um impacto significativo na contratação de novos professores.

Dizer que as políticas educativas produzem um impacto na organização de um sistema educativo é lembrar o óbvio. Ora, no caso da contratação de professores, são várias as medidas em curso que, dependendo do seu alcance, poderiam impactar significativamente no número de professores no sistema público. É, por exemplo, o caso da redução da dimensão das turmas – quanto menores forem as turmas, mais professores terão de ser contratados. Contudo, a partir da informação actualmente disponível, não é expectável que essas medidas em curso tenham um impacto elevado. Senão, veja-se. A redução das turmas aplicar-se-á apenas nos anos de início de ciclo em escolas TEIP. A anunciada flexibilidade curricular será testada somente em algumas escolas, no âmbito de um projecto-piloto. E não se vislumbra uma alteração dos programas ou da estrutura curricular que justifique um reforço de contratação de professores de alguma disciplina em particular. Ou seja, mesmo que aconteçam ligeiras oscilações, o cenário mais provável é o de uma certa estabilidade: a redução do número de professores dos anos da troika é para manter.

Acresce que, do lado da demografia, o país coleccionou más notícias. E as estimativas de curto prazo sobre as matrículas no sistema educativo apontam para uma redução acentuada do número de alunos (gráfico 5). Assim, entre 2014/2015 e 2020/2021 perder-se-ão 60 mil alunos no 1.º ciclo do EB (menos 16% de alunos matriculados) e 28 mil alunos no 3.º ciclo do EB (menos 8% de alunos matriculados). A tão discutida queda demográfica dos anos de crise económica produzirá finalmente efeitos no sistema educativo, com menos crianças a entrar no sistema.

Concluindo: em termos de gestão dos recursos humanos na Educação, o presente é de consolidação do passado recente. Ou seja, tanto pela questão orçamental e política como pela questão demográfica, contrariando algumas expectativas públicas dos representantes dos professores, não se antevê possível uma alteração à tendência de contratação de professores. Pelo menos no curto prazo, tudo ficará mais ou menos como está hoje, consolidando a redução dos anos da troika.

O envelhecimento dos professores e o futuro boom de contratação

Está clara a improbabilidade de um aumento do número de professores no sistema educativo. Mas este debate tem ainda um outro ângulo: a compensação da saída dos professores que, entretanto, se reformem. E, aí sim, antecipam-se alterações significativas.

Uma das consequências de, nos últimos 10 anos, se ter reduzido o número de professores no sistema, através de menor contratação de professores novos, é o progressivo envelhecimento da classe docente (gráfico 6). Em 2014/2015, cerca de 40% dos professores do 3.º ciclo do EB tinham mais de 50 anos de idade, o dobro do que acontecia em 2004/2005, quando essa faixa etária representava 20% dos professores. Se se olhar à faixa etária dos que têm menos de 30 anos, observa-se que se passou de 14% do total (2004/2005) para menos de 1% (2014/2015). A tendência de envelhecimento mostra-se imparável e manifesta-se em todas as faixas etárias.

Os dados publicados mais recentes, que remetem para o ano lectivo 2014/2015, permitem fazer o retrato da situação por ciclo de ensino e disciplina. No contexto de todo o sistema educativo, são os professores do 2.º ciclo, 3.º ciclo e do ensino secundário que apresentam maiores índices de envelhecimento (gráfico 7). Assim, 46% dos 19 mil professores do 2.º ciclo EB têm 50 ou mais anos de idade, enquanto 40% dos 61 mil professores do 3.º ciclo EB e secundário estão na mesma situação. E, entre as disciplinas principais (português, matemática, física e química, biologia e geologia, educação física), há situações ainda mais acentuadas de envelhecimento. É o caso dos professores de português (3.º ciclo EB e secundário), em que cerca de 92% têm mais de 40 anos – é, de longe, o grupo disciplinar mais envelhecido entre as disciplinas principais.

Na prática, o que significam estes números? Três coisas. Que, no espaço de 10 a 15 anos, cerca de um terço dos professores (mais ou menos 40 mil) abandonará o sistema educativo para a reforma. Que essa situação pressiona sobretudo os professores do 3.º ciclo EB e ensino secundário, assim como os de determinadas disciplinas principais (como Português e Matemática). E que, no sistema educativo, não existe ainda resposta para essa situação – o número de professores jovens vinculados é diminuto para satisfazer as necessidades futuras. Ou seja, nos próximos 10-15 anos será forçoso renovar os quadros docentes, contratando um número significativo de professores, para compensar as saídas.

So what? Cinco ideias a reter sobre o número de professores nas escolas

Primeiro: a redução do número de professores nos últimos anos, em particular sob o Programa de Assistência Económica e Financeira, foi muito elevada e não tem paralelo na administração pública. Em pouco mais de 10 anos, as escolas perderam 40 mil professores, forçando-as à adaptação a uma nova realidade de gestão de recursos e de organização interna. O que nem sempre se conseguiu alcançar em tempo útil, prejudicando as condições de trabalho dos professores e o ambiente nas escolas.

Segundo: a demografia conta, mas a redução do número de professores foi, antes de tudo, uma opção política de redimensionamento da administração pública da Educação. As contas são simples de fazer: a diminuição do número de professores superou (e muito) a diminuição de alunos, pelo que não é possível justificar uma coisa com a outra. O debate é, portanto, se essa opção política fez ou não sentido. Os dados comparados, a partir de rácios alunos/professor, sugerem que sim, mas não são suficientemente fiáveis para avaliações definitivas.

Terceiro: apesar da contestação de que foi alvo, a redução do número de professores no sistema educativo consolidou-se. Em queda há mais de 10 anos, com particular incidência nos anos da troika, os últimos anos foram de consolidação (e não de inversão da tendência) dessa redução de quadros da Educação. Ou seja, face à tendência actual de contratação e às políticas educativas em curso, a opção política não passa por regressar ao passado (i.e., recuperar os 40 mil postos de trabalho que desapareceram), mas sim por consolidar a redução que se aplicou, estabilizando-a.

Quarto: uma das consequências da menor contratação e redução dos quadros na Educação foi o crescente envelhecimento da classe docente. A situação actual é particularmente aguda, com cerca de um terço de professores em vias de se reformar no espaço de 10 anos. É uma realidade que se sentirá sobretudo ao nível do 2.º ciclo, do 3.º ciclo e do ensino secundário, com ênfase nas disciplinas principais (nomeadamente português).

Cinco: vai ser necessário vincular muitos novos professores aos quadros, para compensar as saídas de professores para a reforma – um número que, em 10 anos, pode ascender aos 40 mil professores. A situação é extremamente previsível e, no entanto, não parece existir uma estratégia para assegurar uma adequada substituição – em número e em qualidade da formação – dos professores que saírem do sistema educativo.

Alexandre Homem Cristo foi Conselheiro Nacional de Educação e, entre 2012 e 2015, foi assessor parlamentar do CDS na Assembleia da República, no âmbito da Comissão de Educação, Ciência e Cultura. É autor do estudo “Escolas para o Século XXI”, publicado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, em 2013.