Líder daquela que foi considerada a incubadora mais cool de Londres, a Second Home, Rohan Silva é um dos nomes que mais marcou o ecossistema de startups britânico. Ex-conselheiro do primeiro-ministro britânico David Cameron, foi ele o responsável pela implementação da iniciativa Tech City, que ajudou a tornar a zona de East London no epicentro da tecnologia britânica. Em cinco anos, conseguiu que o bairro se tornasse na casa de mais de 5.000 empresas tecnológicas, quando em 2000 era de apenas 200.
Em 2016, anunciou a abertura de uma Second Home Lisboa, no Mercado da Ribeira, porque acha que o setor da tecnologia “vai explodir” na capital portuguesa. Em entrevista ao Observador, referiu que Lisboa pode ser a “cidade perfeita” para as startups, muito semelhante a Londres e com os mesmos desafios que a capital britânica apresentava em 2010. Sobre o papel do Governo e das políticas públicas, não tem dúvidas: está certo de que o Executivo português vai avançar com incentivos fiscais para startups e investidores. As vantagens que trazem são “óbvias”, afirmou.
Foi responsável por lançar a Tech City em East London, em 2010. Na altura, porque é que fazia sentido? Quais eram os grandes desafios das startups londrinas?
Eram muito semelhantes ao que encontramos hoje em Lisboa. A comunidade de East London tinha identificado e comunicado ao Governo três grandes desafios: primeiro, o facto de a comunidade – ainda que muito pequena e entusiasta – estar muito fragmentada. Não existiam eventos, sítios e oportunidades suficientes para que as pessoas se pudessem reunir. Era preciso construir uma comunidade mais forte.
O segundo tinha a ver com o facto de não existirem muitas pessoas no mundo que estivessem a par do que estava a acontecer em Londres. E do quão era excitante. Mesmo em Londres, os investidores da zona do centro não iam a East London ver o que se estava a passar lá. Por isso, era óbvio que também os investidores de Nova Iorque, os empreendedores norte-americanos não tinham sequer ideia de que a Tech City existia.
O terceiro já tinha a ver com obstáculos políticos: algumas coisas que o Governo estava a fazer não ajudavam, em nada, as startups. Não existia angel investment [investidores particulares] suficiente, por exemplo. Não existia capital suficiente para os empreendedores. Se trabalhasses numa grande empresa e quisesses despedir-te para ires para uma startup, as opções sobre ações que recebes como complemento salarial seriam altamente tributadas pelo Estado. E os empreendedores que lançassem uma grande empresa, teriam de pagar muitos impostos. Então, existiam estes três desafios e nós tentámos resolvê-los.
E conseguiram? Como?
Primeiro, percebemos que tínhamos de mexer nos espaços que existiam para os empreendedores. Muito provavelmente, uma das coisas que teve mais impacto foi termos conseguido convencer a Google a criar o Google Campus, um espaço para empreendedores que se tornou no coração da Tech City e que foi muito inspirador para a Second Home. Quanto ao segundo desafio, decidimos colocar todos os holofotes sobre a residência oficial do primeiro-ministro e da rainha. Utilizámo-las para receber empreendedores de todo o mundo. Convidávamo-los a irem às residências, a encontrarem-se com as startups da Tech City. E quando alguém recebe um convite vindo da rainha, mesmo que esteja na Califórnia, vem.
No que toca às mudanças políticas, decidimos introduzir aqueles que são os impostos mais generosos do mundo sobre investimentos, como os incentivos fiscais que lançámos para as opções sobre ações dos funcionários. E tudo isto mostrou-nos que as coisas podem mudar muito rapidamente. Em 2010, as pessoas diziam-nos que os britânicos tinham medo de começar negócios. Que tinham medo de falhar e que, por isso, queriam ir para empresas grandes. Toda a gente me dizia que isto não ia resultar, mas agora o ecossistema de empreendedorismo londrino é o que mais cresce na Europa.
Acho que a cultura em Londres mudou mesmo: 80% dos jovens britânicos com menos de 30 anos quer começar um negócio próprio nos próximos cinco anos. E isto é uma grande mudança. Quando chego a Lisboa, os desafios parecem-me semelhantes. E espero que a Second Home consiga, de alguma forma, contribuir para resolvê-los.
A verdade é que a Tech City fez com que East London passasse de 200 empresas em 2010 para mais de cinco mil em 2015.
Sim, passámos de 200 empresas digitais em East London para mais de cinco mil e conseguimos com que a Google, Amazon, Intel, Microsoft, Airbnb e outras empresas se mudassem para East London. Agora o desafio é o custo da vida londrina. É tudo tão caro.
É aí que Lisboa ganha?
Sim. É muito caro viver em Londres hoje, e custa muito dinheiro fazer crescer uma empresa. Isso faz com que as pessoas estejam agora à procura de sítios onde possam desenvolver os seus negócios. Acho que Lisboa tem aqui uma oportunidade para se tornar esse sítio na Europa. Como aconteceu com Los Angeles nos Estados Unidos, que conseguiu captar alguns dos melhores empreendedores e criativos de Nova Iorque e São Francisco, que eram cidades com um custo de vida muito elevado. Los Angeles está na linha da frente. E eu acho que Lisboa pode ser Los Angeles da Europa, aquele sítio porreiro onde as pessoas querem fazer crescer os seus negócios.
As mudanças nas políticas públicas também são algo que se discute em Portugal. O que é que o Governo pode fazer para ajudar a dinamizar o empreendedorismo? Ou não se deve meter?
Sou muito otimista naquilo que acho que o Governo pode conseguir. A minha carreira tem sido passada a trabalhar no Governo ou em políticas públicas, porque acredito nelas. Mas se quiser isolar e destacar apenas uma das coisas que fizemos bem em Londres, que foram mais de 50, acho que escolheria os incentivos fiscais que introduzimos para investidores, porque desbloquearam o investimento em startups.
No Reino Unido, se investires numa startup tens uma redução no IRS. E se esta tiver um desempenho muito bom, pagas um imposto mais reduzido sobre os capitais. O que é brilhante nisto é que, apesar de ser um grande passo para o Governo, ele está a confiar nos investidores particulares para tomarem as decisões. Porque, na verdade, o Estado nem sempre é ótimo a escolher em que projetos investir e é muito melhor se confiar no julgamento e nas competências (e também na sorte) destes angel investors.
Em 2010, antes de criarmos os incentivos fiscais, não existiam muitos investidores e era muito, muito difícil encontrar financiamento para uma empresa que estivesses a lançar. A não ser que fosses rico ou tivesses sorte. Hoje, há muito mais dinheiro disponível para startups.
Quantos angel investors há no Reino Unido?
Há dezenas de milhares, é um número muito grande. E quando uma startup recebe investimento faz o quê? Gasta o dinheiro a compor a equipa, a criar emprego. E é por isso que se quiseres alimentar o crescimento económico e a criação de emprego, então a melhor coisa que podes fazer é isto. Os dados mais recentes mostram que em economias mais desenvolvidas, como a do Reino Unido, 60% dos novos empregos vêm apenas de 6% de empresas pequenas com crescimento acelerado. É preciso fazer crescer estes 6% de empresas financiadas por angel investors.
Os bancos não emprestam dinheiro a startups, a não ser que tenham estes incentivos fiscais. Pelo que ouço do presidente da Câmara Municipal de Lisboa e do próprio Governo, parece-me que estão muito sensíveis e focados em crescer e criar emprego em Portugal. Por isso, estou certo de que vão fazer o mesmo [introduzir incentivos fiscais] cá, porque é simples de criar, não custa muito dinheiro e o Reino Unido já provou que o modelo funciona.
E o que é que Portugal tem estado a fazer mal?
Honestamente, como outsider que sou, acho que Lisboa pode ser a cidade perfeita. É diversificada, tem pessoas de todo o lado, uma cultura maravilhosa, um ecossistema de empreendedores cheio de entusiasmo. Sinceramente, a única coisa que acho é que ainda é muito cedo. É preciso tempo para construir estas coisas. Mesmo em Londres, só hoje é que estamos a chegar à fase em que já existem gerações de empreendedores que podem ser mentores, investidores, conselheiros. Acho que se o Governo introduzir os incentivos fiscais para os investidores e outras coisas que incentivem as pessoas a juntarem-se a startups, Lisboa torna-se enorme.
Sei que é fã da iniciativa de Michael Bloomberg, que quer construir um novo campo, enorme, só para ciências de computação e engenharia, em Nova Iorque. Qual deve ser o papel das universidades no ecossistema?
Eu sou da opinião de que o talento é tudo. A coisa mais importante para a Second Home Lisboa, por exemplo, é conseguirmos construir a equipa certa. E temos muita sorte, porque há muito talento em Lisboa. O que o mayor de Nova Iorque fez foi isso mesmo. Ele pensou: ‘temos muito boas universidades em Nova Iorque, mas vamos criar mais. Vamos criar uma só para a ciência e engenharia’. E acho que todas as cidades deviam estar a questionar exatamente a mesma coisa, a tentar perceber como podem criar mais empregos de topo.
Deixei o gabinete do primeiro-ministro há dois anos, mas ainda estou muito envolvido. Envolvi-me particularmente numa proposta que pretende criar aquilo a que vamos chamar Instituto Nacional para as Ciências de Computação – uma instituição que fornece cursos de 12 meses na área, de aprendizagem intensiva. No final, as pessoas podem lançar uma empresa, trabalhar numa startup tecnológica ou numa grande empresa. O que quiserem.
E pode ser uma solução para a falta de profissionais de TIC que existe na Europa?
Acho que nós, na Europa, temos um problema. As nossas universidades conseguem estar muito distantes daquilo que é a vida real, a economia. No Reino Unido, os licenciados em Ciências de Computação estão entre as profissões que têm maior taxa de desemprego. O que é de doidos, quando a indústria tecnológica está desesperada por pessoas. E isto acontece porque as universidades britânicas não estão a ensinar às pessoas que as escalas são relevantes para a economia moderna.
Nos EUA, já é diferente. Na Universidade de Stanford, por exemplo, ou no MIT, os professores estão constantemente a saltar entre empresas e universidades. E por isso ensinavam de uma forma muito moderna, com competências modernas. Na Europa, não é assim. Se começas como professor, permaneces professor. E acho que estamos a precisar daquilo que em economia se chama um choque exógeno: precisamos de novas instituições.
No Reino Unido, estamos a criar um instituto nacional, em Nova Iorque uma grande universidade. Seria fantástico para Portugal, idealmente em Lisboa, ter mais instituições. Talvez seguir o exemplo de Michael Bloomberg, porque não? Se tiveres, imagina, mais 2 mil engenheiros brilhantes em Lisboa, isso vai significar centenas de mais empresas, milhares de mais empregos.
Há quem seja da opinião de que Portugal se devia focar em atrair talento e empresas estrangeiras, porque a economia portuguesa é muito pequena. O caminho passa por aí?
Acho que estar aberto ao investimento é sempre uma coisa boa. Uma das razões que me faz adorar Lisboa é aquela que também me fez apaixonar por Londres: tem uma sociedade aberta e as pessoas são muito hospitaleiras. Ao atrairmos empresas globais para a Second Home também estamos a contribuir para isso. Mas também acho que é importante apoiar os negócios locais, que estão a crescer. E acho que consegues fazer isso com os incentivos fiscais para startups, atraindo investimento ou abrindo contratos públicos a empresas mais pequenas. Se isto acontecer é bom para o Governo e é bom para os contribuintes. Há muita coisa que pode ser feita neste sentido. No Reino Unido, o que fizemos bem foi isto: estarmos abertos para os negócios globais, mas ajudando os locais.
Por que é que decidiu lançar a Second Home?
Trabalhei durante nove anos em política e no Governo. Nesses nove anos, a secretária onde me sentava foi movida 50 metros. Em nove anos. E eu estava muito consciente de que queria continuar a aprender, seguir em frente, mas também sabia que era possível atingir alguns daqueles que eram os meus objetivos políticos em áreas como o empreendedorismo, inovação, criação de emprego, de outra forma.
Acredito no Estado, mas também acredito que o ativismo e as comunidades podem fazer a diferença. Eu e o Sam Aldenton fundámos a Second Home em 2014. Encontrámos um sítio maravilhoso, enorme, em East London e acabámos por dizer ao proprietário que ficávamos com ele ainda sem termos investimento. E depois é que pensámos: ‘temos de arranjar o dinheiro’. Mas como é muito mais fácil agora encontrar investidores, conseguimos. O que é mais excitante na Second Home é que agora olhas para o bairro todo e percebes que há muitas lojas novas e empresas.
Quando olha para as pessoas que trabalham na Second Home, vê que são o reflexo daquilo que foi o seu trabalho e o do Governo nos anos anteriores?
Sei que as coisas que fizemos no Governo fizeram a diferença e espero que a Second Home também possa fazer a diferença. Mas a verdade é que há milhões de influências diferentes e muitos jovens são inspirados por outros empreendedores. Acho que o Mark Zuckerberg, o Daniel Ek, do Spotify, ou o José Neves, da Farfetch, contribuíram muito para mudar a atitude das pessoas. Agora é mais fácil pensar: “se eles conseguem, então eu também consigo”.
Acho que uma das coisas que também pode a fazer a diferença é a forma como se projetam as cidades, de forma a apoiarem mais a criatividade. As colisões criativas são tão importantes e as nossas cidades, de momento, isolam-nos muito. Há edifícios com empresas diferentes por andar. Quando é que elas convivem? No elevador? Acho que já conseguimos criar uma forma totalmente nova e revolucionária de desenhar espaços e apoiar as pessoas. Espero que essa seja uma das nossas maiores contribuições.
E quando decidiu expandir a marca Second Home, escolheu Lisboa e Los Angeles.
Lisboa primeiro.
Mas porquê? Quando é que ouviu falar de Lisboa pela primeira vez?
Acho que há dois ou três anos. Eu e o meu cofundador estamos muito envolvidos no universo artístico londrino e a verdade é que os artistas começam a ouvir falar das coisas muito antes dos outros. Percebemos que havia qualquer coisa com muito entusiasmo a sair de Lisboa e do Porto. Comecei a vir cá e há um dia em que envio um email aos nossos investidores a dizer que gostava de avançar para duas cidades: Lisboa e Los Angeles. Um deles disse que tinha um edifício em Lisboa, o outro tinha um em Los Angeles. Tivemos muita sorte.
E depois, quer Lisboa quer Los Angeles são muito parecidas com Londres: são sítios diversificados, com indústrias muito diferentes, mas que não se misturam. E vamos tentar misturá-las na Second Home.
Numa entrevista anterior, disse-me que o setor tecnológico ia explodir em Lisboa. Mas ainda temos desafios, temos falta de investidores, por exemplo. Isso pode ser um problema?
Acho que a Second Home pode ajudar, porque vamos trazer muitos investidores para os eventos que vamos organizar. Mas se olhares para Londres, em 2010, também havia muito poucos investidores de capital de risco, talvez cinco. Hoje há cerca de 100. E ao criarmos os incentivos fiscais para os angel investors, que investem nos estados mais iniciais das empresas, o resto segue. Por isso é que espero mesmo que o Governo [português] faça o mesmo. Estou certo que o fará, porque é tão óbvio.
Já decidiram como vai ser a filiação dos membros em Lisboa? E quanto vai custar?
Vamos ter dois tipos de filiação: uma que permita pagar um preço fixo para trabalhar na Second Home a tempo inteiro, juntamente com a equipa. E outro tipo de filiação, de baixo custo, que permita fazer parte da comunidade e dos eventos. Se fores um membro da Second Home Lisboa também vais poder frequentar o espaço londrino gratuitamente. Ou o de Los Angeles. E vice-versa.
Portugal passou por uma crise financeira, tem uma economia frágil e ainda muito desemprego. Acha que as pessoas podem ter medo disso?
É óbvio que é muito importante que o Governo continue a fazer as coisas certas para apoiar o crescimento da economia e a criação de emprego. Espero que faça mais se introduzir os incentivos fiscais. O Reino Unido esteve em recessão ao mesmo tempo que Portugal e a verdade é que foram criadas mais startups nessa altura do que quando a economia estava a crescer. Porque as pessoas precisaram de criar os seus próprios empregos. E porque o mundo é tão global que é possível fazeres negócios com a China ou com os Estados Unidos, independentemente do sítio onde estás e de a economia ser boa ou má. E acho que os empreendedores pensam mais na sua missão e naquilo que podem alcançar do que nos altos e baixos da economia.
Fala em missão. Qual é a da Second Home Lisbon?
É muito simples. Achamos que há um ecossistema incrível aqui e queremos apoiá-lo. A forma como queremos fazê-lo é criando um ambiente mais bonito e inspirador, onde as pessoas podem trabalhar, colaborar, estar juntas e aprenderem. Acho que esta é a nossa missão: fazermos esta curadoria de uma forma muito cuidadosa e inteligente, juntando aqueles que são os melhores.